Título: Sob a mancha do nepotismo
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Fonte: Correio Braziliense, 25/12/2012, Mundo, p. 12
O presidente Federico Franco amarga baixa popularidade, em meio a denúncias de enriquecimento ilícito e de contratação de familiares. Ponto alto foi a tentativa de reverter suspensão na Unasul e no Mercosul
Seis meses depois de chegar ao poder de maneira polêmica — em um processo relâmpago, o Congresso paraguaio votou o impeachment do presidente Fernando Lugo e deu posse ao vice no mesmo dia —, Federico Franco ainda não disse a que veio. Ocupando o cargo mais alto do Paraguai desde 22 de junho, Franco é um dos cinco mandatários com menor popularidade na América Latina. Até então, seu governo tem sido marcado por debates sobre a deposição de Lugo e por denúncias de nepotismo, segundo especialistas consultados pelo Correio. As acusações de aumento de 700% na fortuna pessoal em quatro anos e de colocar familiares no serviço público levaram alguns senadores a se posicionarem a favor de um impeachment contra Franco.
Enquanto a presença do político no Palacio de los López vem sendo ignorada pelas nações vizinhas, sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu o comando do país, no fim de setembro, trouxe bons resultados. O chefe de Estado teve o status de presidente reconhecido pelo colega norte-americano, Barack Obama, durante recepção feita às margens da 67ª sessão anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. No evento, para o qual são convidados os representantes dos 193 Estados-membros da Assembleia da ONU, Franco e Obama trocaram poucas palavras, mas o presidente paraguaio garantiu que o colega se mostrou interessado na situação do país latino-americano e indicou a possibilidade de se reunirem futuramente. Ao conversarem, Franco agradeceu Obama pelo apoio dos Estados Unidos ao novo governo do Paraguai ante a Organização dos Estados Americanos (OEA), grupo que não aplicou punições contra Assunção.
A falta de iniciativa da OEA contrastou com a atitude da comunidade internacional nos primeiros dias do mandatário no poder, que foram pontuados pela crítica ao impeachment de Lugo, considerado um rito sumário, e pela decisão do Paraguai de recorrer às mais diversas instâncias para reverter sua suspensão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Mercosul. Em 29 de julho, os países dos dois blocos regionais aplicaram a sanção contra o país por considerarem ter havido uma "quebra da ordem democrática".
O empenho para reverter tal situação foi considerada a mais expressiva marca do governo Franco até agora por Gregory Weeks, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte (EUA). "Suas ações mais importantes foram internacionais em vez de domésticas, como a tentativa de reintegrar o Paraguai ao Mercosul e as brigas com a Argentina e o Brasil no setor energético, em relação à usina hidrelétrica de Itaipu", apontou. Além disso, Assunção recorreu a tribunais internacionais contra a adesão da Venezuela ao Mercosul durante sua suspensão, uma vez que apenas o Congresso paraguaio rechaçava o ingresso.
Problemas internos Desde então, Franco parece ter deixado as relações exteriores em segundo plano, a fim de organizar o país. Andrew Nickson, da área de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Birmingham (Reino Unido), considera que a única mudança no Paraguai no último semestre consiste na crescente desilusão com o governo Franco. "Isso se deve principalmente ao nepotismo, situação que ele prometeu erradicar quando assumiu a Presidência", ressaltou. Jornais paraguaios e argentinos citam que a lista de familiares do presidente nomeados para cargos públicos abrange de 20 a 30 pessoas, incluindo mulher, filhos, irmãos e cunhadas (leia quadro). Em agosto passado, Franco apresentou sua declaração de bens perante a Controladoria-Geral e se tornou o centro de outro escândalo. Constatou-se que seu patrimônio havia aumentado em 700% nos últimos quatro anos, fato que o mandatário alegou ter sido um "erro de valor de sua residência e por ter se esquecido de incluir uma de suas contas bancárias".
As denúncias batem de frente com o projeto de lei aprovado em 6 de setembro pelo Legislativo que combate as nomeações arbitrárias em órgãos do governo. O presidente negou as acusações, as quais classificou como "não objetivas e inverídicas". Segundo Franco, alguns de seus parentes já eram funcionários do Estado, selecionados por meio de concurso público ou de escolha pública. Para Weeks, era impossível acreditar que o presidente não colocaria familiares no governo, devido à influência de sua família na política e aos problemas de corrupção que existem há anos.
As acusações de nepotismo e de enriquecimento ilícito reduziram a popularidade de Franco — aprovado por 36% da população. O resultado foi divulgado em setembro pela empresa mexicana Mitofsky, que classifica o desempenho dos presidentes ao redor do mundo. O mandatário minimizou a importância da pesquisa, afirmando que é relevante para analisar o que funciona em sua administração.
Apesar de o paraguaio ser visto como um governante "interino", que deve cuidar da nação até as eleições de abril de 2013, Nickson adverte que ele não age como tal. "Um sinal preocupante é que Franco planeja lançar US$ 500 milhões em títulos no mercado internacional, o que ameaça perturbar o equilíbrio fiscal. Por que um governo interino faria uma mudança tão grande na política fiscal, se vai deixar o cargo em menos de um ano?", indagou. Para o analista do Reino Unido, uma das respostas é que o partido do presidente, Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), continuará no comando. Nickson acha a ideia improvável, já que está prevista a vitória do Partido Colorado na votação. "Existe o receio de que essa emissão de títulos dê oportunidade de que haja corrupção em grande escala."
Palavra do especialista
Obras públicas em execução "Não é fácil mudar as coisas em um país "selvagemente conservador", principalmente para alguém que surgiu de uma mudança traumática, como é, sem dúvida, um impeachment. Os brasileiros sabem muito bem como é isso, com o caso de Fernando Collor de Melo. De qualquer maneira, o mais importante foi ter conseguido estabilizar o governo e começar a mobilizar as obras públicas que Fernando Lugo e sua equipe não tiveram a capacidade de fazer. Só em obras começaram a ser praticadas projetos no valor de US$ 600 milhões. Ter conquistado um nível de governabilidade com outras forças políticas também pode ser considerado um mérito para alguém cujo mandato, dentro de pouco tempo, chegará ao fim."
Benjamín Fernández Bogado, professor e pesquisador da Universidad Nacional del Este (Paraguai)
Parentes no governo
Veja o nome de alguns dos familiares de Federico Franco ocupantes de cargos públicos:
» Emilia Patricia Alfado (mulher) – deputada pelo PLRA » Federico Franco Alfaro (filho) – diretor administrativo do município de San Lorenzo » Julio César Franco (irmão) – senador » Cástulo Jhony Franco (irmão) – funcionário da Universidade Nacional de Assunção e do Instituto de Bem-Estar » Humberto Arturo Franco (irmão) – juiz do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral » Mirtha Vergara de Franco (cunhada) – conselheira da hidrelétrica de Itaipu » Nilsa Sánchez de Franco (cunhada) – conselheira da prefeitura de Fernando de la Mora » Rosa Benítez de Franco (cunhada) – funcionária do Ministério de Saúde Pública » Luis Fernando de Jesús Franco (sobrinho) – funcionário do Tribunal Superior da Justiça Eleitoral » Julio César Franco Vergara (sobrinho) – funcionário da prefeitura de Fernando de la Mora » José Raúl Franco Vergara (sobrinho) – funcionário da Justiça Eleitoral