O globo, n. 31718, 09/06/2020. Opinião, p. 2

 

Projeto é chance para conter as fake news

09/06/2020

 

 

Enquanto a epidemia continua a sua evolução, e a crise político-institucional se desdobra, o Senado pode votar em breve projeto de lei sobre as fake news, uma necessária iniciativa do Legislativo para dar transparência ao mundo opaco da geração e circulação de informações, presentes no combate à Covid-19, com a disseminação de mentiras, e também sendo usadas como arma, da mesma forma, na crise política. O assunto é, portanto, de grande importância.

De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto, sob a relatoria de Ângelo Coronel (PSD-BA), além de visar a iluminar a trajetória que notícias percorrem até invadirem computadores, telefones, tablets, o que seja, pretende estabelecer a responsabilização das redes, ou plataformas digitais, que difundem fatos inverídicos e também são usadas para outros delitos.

Este é um terreno movediço, porque tem a ver com a liberdade de expressão, erroneamente interpretada como licença para mentir, caluniar. Um grande equívoco, porque são crimes. Mas, ao se buscarem fórmulas que impeçam e punam a circulação de fake news, não se pode delegar às plataformas digitais o poder de censurar conteúdos que trafegam em suas redes. Porém, essas empresas precisam ser contidas dentro dos limites usuais da liberdade de circulação de notícias e análises, que são o veto ao triunvirato da injúria, calúnia e difamação, com suas inúmeras correlações.

O projeto dá oportunidade ao legislador brasileiro de avançar no campo cada vez mais amplo da comunicação digital em que robôs se fazem passar por internautas, contas de fantasmas ajudam a multiplicar o número de “seguidores” de quem puder pagar e também servem para engrossar qualquer tipo de campanha contra pessoas e instituições. É por investigar uma conspiração digital dessas que um inquérito conduzido no Supremo pelo ministro Alexandre de Moraes tanto preocupa a família Bolsonaro.

O Brasil já tem a experiência do Marco Civil da Internet, um avanço na defesa dos direitos autorais, mas considerado muito condescendente com as empresas que controlam este mundo (Google, Facebook etc.) Um ponto-chave no enfrentamento das fake news é a notificação à rede de que ela faz circular uma inverdade. Pelo Marco Civil, ela só será punida se receber determinação judicial e não cumprir. Se e quando isso ocorrer, reputações já terão sido destruídas.

A melhor alternativa é a intermediária, usada em muitos países, pela qual a empresa é notificada e, depois, se a Justiça confirmar a reclamação, ela será declarada corresponsável pelo crime desde o momento em que recebeu a reclamação. É o que se chama de “notice and take down”.