O globo, n. 31708, 30/05/2020. País, p. 4

 

PF avisa ao STF que tomará depoimento de Bolsonaro

Aguirre Talento

André de Souza

30/05/2020

 

 

Ofício enviado ao ministro Celso de Mello para prorrogação de diligências diz que presidente será ouvido sobre interferência
A Polícia Federal (PF) informou ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que um dos próximos passos do inquérito que apura interferências políticas na PF será tomar o depoimento do presidente Jair Bolsonaro sobre declarações referentes à corporação. A informação foi repassada a Celso de Mello nesta semana, quando a PF enviou ao STF cópia do inquérito sobre supostas interferências indevidas de Bolsonaro no órgão.

Em seu ofício enviado à Corte, a PF pediu uma prorrogação de prazo de 30 dias para concluir as diligências do caso. No documento, a PF cita entre as diligências pendentes a tomada de depoimento do presidente, que é alvo da investigação. Cabe a Celso de Mello autorizar a prorrogação de prazo solicitada pela PF, mas o ministro não precisa assentir especificamente que os investigadores tomem o depoimento de Bolsonaro. Os detalhes do depoimento serão definidos pela própria Polícia Federal, após a decisão do novo prazo para a investigação.

O ofício não diz se Bolsonaro prestará depoimento por escrito ou pessoalmente. Nos inquéritos que correram contra o então presidente Michel Temer (MDB), ele foi ouvido por escrito pela PF. Neste caso, porém, o ministro Celso de Mello tem sinalizado que o procedimento pode ser diferente.

A legislação prevê que o presidente pode prestar depoimento por escrito no caso de ser testemunha em alguma investigação, mas não existe dispositivo legal sobre a possibilidade de um presidente da República ser ouvido na condição de investigado.

Celso de Mello enviou o documento ontem para manifestação do procuradorgeral da República (PGR), Augusto Aras, sobre as diligências solicitadas pela PF. Normalmente, entretanto, essas diligências são conduzidas pela PF. Nos casos anteriores envolvendo Michel Temer, quem colheu o depoimento do presidente foi a própria PF, sem intervenção da Procuradoria-Geral da República (PGR). A oitiva do alvo investigado costuma ser a última diligência de uma investigação. Também estão pendentes ainda a obtenção de informações solicitadas pela PF e o trabalho de perícia no vídeo da reunião ministerial do último dia 22 de abril.

 DECLARAÇÕES EM REUNIÃO

Na reunião, cuja íntegra da gravação foi divulgada na última semana por decisão do ministro Celso de Mello, Bolsonaro criticou a atuação da Polícia Federal e citou a necessidade de trocar "gente da segurança nossa do Rio". — Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe, troca o ministro — disse Bolsonaro.

As falas de Bolsonaro foram citadas pelo ex-ministro Sergio Moro (Justiça) como evidências da intenção de promover interferências indevidas na PF. Bolsonaro, por sua vez, alegou que suas menções a trocas no Rio referiam-se à equipe que faz sua segurança pessoal e de sua família. No dia seguinte à reunião, no entanto, Bolsonaro entrou em contato com o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e anunciou que ele seria exonerado. Além disso, o presidente avisou ao próprio Moro, antes da reunião ministerial do dia 22, que havia decidido pela exoneração de Valeixo, segundo mensagens trocadas por celular e anexadas ao inquérito.