O globo, n. 31708, 30/05/2020. País, p. 4

 

Resistência interna

Carolina Brígido

30/05/2020

 

 

Manifesto de procuradores mira Aras
Atuação de Aras incomoda procuradores do MPF
Insatisfeitos com a atuação "governista" do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao menos 590 integrantes do Ministério Público Federal assinaram manifesto que pede a regulamentação da lista tríplice para a escolha do chefe da PGR. Aras foi nomeado por Bolsonaro sem participar da votação interna.

Em clima de inconformismo com atos recentes do procurador-geral da República, Augusto Aras, mais da metade dos integrantes do Ministério Público Federal (MPF) assinou um manifesto em defesa da adoção da lista tríplice para a nomeação de chefes da instituição. Aras foi escolhido para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro sem que tivesse sequer participado da eleição interna feita entre os procuradores da República. Ao GLOBO, Aras minimizou o "protesto" dos colegas. Entre os procuradores, sabe-se que lutar pela lista tríplice agora não deve ter resultado prático. A intenção do abaixo-assinado é endereçar um recado a Aras: a maioria do MPF está em desacordo com suas últimas atitudes. Dos cerca de 1.150 integrantes da instituição em todo o país, ao menos 590 assinaram um manifesto em defesa da adoção da lista tríplice.

O documento é uma sugestão de nomes para o presidente da República, que não tem a obrigação de segui-la. Os antecessores de Bolsonaro, porém, fizeram isso, em um gesto para legitimar a instituição.

Para a categoria, a gota d'água ocorreu na quarta-feira, quando Aras pediu para o Supremo suspender o inquérito que apura fake news e ataques a ministros da Corte, mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes determinou operação contra aliados de Bolsonaro. — Postura claramente governista no geral. Todo mundo percebeu — disse um procurador da República reservadamente. Outro episódio que constrangeu procuradores foi quando, na segunda-feira, Bolsonaro fez visita inesperada à PGR. Foi feita a leitura de que a relação entre os dois era próxima demais para um investigado e um investigador. Já na quinta-feira,

Bolsonaro disse que Aras tinha atuação "excepcional" e merece vaga no STF. Em mais um aceno, ontem, Bolsonaro incluiu Aras na lista de agraciados com a Ordem do Mérito Naval, no grau de Grande Oficial. A situação gera incômodo porque cabe a Aras conduzir a investigação do inquérito que apura se Bolsonaro interferiu de forma indevida nas atividades da Polícia Federal. Ao fim, ele terá que decidir se apresenta ou não denúncia contra o presidente. Aras

também receberá outros dois inquéritos em que aliados de Bolsonaro são investigados: o das fake news e o que apura manifestações antidemocráticas.

Ao GLOBO, Aras minimizou a iniciativa dos colegas. Disse que até ele assinaria o manifesto que pede a aprovação da obrigatoriedade de se seguir a lista tríplice: — Nesses termos, até eu assinaria esse abaixo-assinado, porque é um tema que nunca foi debatido pelo Congresso. Todavia, eventual propositura

de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) poderia ensejar reformas de toda sorte na estrutura e na organização do Ministério Público da União, atingindo direitos e prerrogativas constitucionais. Segundo ele, regras básicas do funcionamento da instituição poderiam ser revistas — como, por exemplo, ficar sacramentada a possibilidade de escolha de um integrante do Ministério Público do Trabalho, ou do Ministério Público Militar, para comandar a PGR. A observação é um recado para a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que ajudou a organizar o abaixo-assinado e é contrária a nomeações de outras alas do Ministério Público para comandar a instituição.

 CRÍTICA DE BARROSO

Ontem, em live organizada pela ANPR, o ministro Luís Roberto Barroso,do Supremo, defendeu a lista tríplice para a escolha da PGR. Na mesma transmissão, ressalvando que não se referia especificamente de ninguém, Barroso criticou a possibilidade de recondução de um procurador-geral da República e de nomeação dele para outro cargo, como a de ministro da Corte:

— Ambas as possibilidades são a meu ver incompatíveis com a independência, porque a recondução evidentemente pode gerar a tentação de agradar. (...) Quem tem que ser independente não pode ser reconduzido. Ontem, Bolsonaro usou rede social para tentar minimizar sua declaração do dia anterior de que Aras merece uma vaga no Supremo. Disse que ele não considera indicá-lo nas duas vagas que serão abertas até o fim de seu mandato presidencial. A postagem, no entanto, reforça o que ele disse no dia anterior. A possível indicação de Aras, afirmou em live, seria para uma eventual terceira vaga, caso haja alguma vacância não prevista.