O globo, n. 31708, 30/05/2020. País, p. 9

 

Caso Marielle: MP tenta quebra de sigilo de celulares

Chico Otavio

Vera Araújo

30/05/2020

 

 

Promotoria do Estado do Rio quer dados sobre aparelhos que estavam em via pela qual passou carro idêntico ao usado no assassinato
Depois de vencer a queda de braço contra a federalização do caso Marielle no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) espera agora que uma segunda vitória, na mesma Corte, o ajude a solucionar o crime. Tramita em segredo de Justiça no STJ um recurso ajuizado pelas empresas Google Brasil Internet Ltda. e Google LLC contra uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio que determinou a quebra de sigilo telefônico e de dados de geolocalização de todos que passaram pelo pedágio da Via Transolímpica, que liga o Recreio a Deodoro, num intervalo de 15 minutos do dia 2 de dezembro de 2018.

Foi naquela data que um Cobalt prata, idêntico ao usado na emboscada contra a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes no dia 14 de março de 2018, foi visto pela última vez. Câmeras do pedágio flagraram o veículo, mas não foi possível ver quem estava a bordo.

Essa pode ser uma das formas, no ponto de vista das promotoras do caso, de se chegar ao mandante do crime ou mesmo obter mais provas contra Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, apontados como autores do duplo assassinato.

Só com a quebra do sigilo dos celulares e dos dados de geolocalização seria possível chegar à pessoa que estava usando o carro em 2 de dezembro de 2018. No entanto, apesar de a Justiça fluminense autorizar a ação, as empresas Google Brasil Internet Ltda. e Google LLC recorreram da decisão, impetrando recurso no STJ.

As empresas alegaram que, se fornecessem os dados, estariam violando a privacidade e a intimidade dos usuários. Sustentaram ainda a tese de que a ordem de quebra de sigilo seria genérica, "vedada pela Constituição e pela legislação" do Marco Civil da Internet. "Não comentamos casos específicos. Gostaríamos de dizer que protegemos vigorosamente a privacidade dos nossos usuários ao mesmo tempo em que buscamos apoiar o importante trabalho das autoridades investigativas, desde que os pedidos sejam feitos respeitando preceitos constitucionais e legais", diz uma nota emitida em conjunto.

No STJ, o esforço é para que o julgamento aconteça ainda em junho. O relator do caso é o ministro Rogerio Schietti, um dos oito que votaram a favor da permanência das investigações com a Polícia Civil e o MP-RJ.

 PROCURADOR SE MANIFESTA

Ao comentar o resultado de um julgamento realizado na última quarta-feira, no qual a 3ª Turma do STJ rejeitou por unanimidade (oito votos a zero) um pedido de federalização da investigação do crime, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, disse que pode "afiançar aos familiares das vítimas, aos brasileiros e a todos os interessados na solução desse importante caso que tudo que está ao nosso alcance tem sido feito e que ainda daremos respostas efetivas e concretas nesse caso". Para Gussem, o resultado unânime fala por si:

—O instituto do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) existe para evitar injustiças, e não para produzir injustiças. Marielle Franco era uma voz da sociedade, uma defensora dos direitos humanos, e, juntamente com seu motorista, Anderson Gomes, não mereciam ser alvo de um ato tão cruel e covarde como o que os vitimou.

O pedido de federalização havia sido protocolado em setembro do ano passado pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge, sob argumentação de "inércia" por parte de autoridades fluminenses encarregadas de elucidar o crime.