O globo, n. 31706, 28/05/2020. País, p. 4

 

Na mira da industria da difamação

28/05/2020

 

 

Moraes ordena operacao contra rede de fake news

 Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) cumpriu ontem 29 mandados de busca e apreensão contra investigados por integrar um grupo suspeito de operar e financiar uma rede de divulgação de notícias falsas contra ministros da Corte e outras autoridades e instituições da República. Segundo a decisão, que cita depoimentos de parlamentares, provas colhidas e laudos periciais, há “real possibilidade de existência de uma associação criminosa”, denominada como “Gabinete do Ódio”, “dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos (...) com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

Segundo ex-aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro disseram à CPI das Fake News, um grupo de assessores do Planalto seria responsável por ataques virtuais a adversários do presidente. Entre os alvos da operação de ontem estão o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), o blogueiro Alllan dos Santos, do site Terça Livre, os empresários Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, e Edgard Corona, CEO das academias Bio Ritmo e Smart Fit, a ativista Sara Winter e outros apoiadores de Bolsonaro. Os envolvidos negam crimes e citam o direito à liberdade de expressão (detalhes na página 6).

As buscas miraram computadores, celulares e outros dispositivos eletrônicos em endereços ligados aos investigados em cinco estados e no Distrito Federal. Além dos alvos da operação, seis deputados federais bolsonaristas e dois deputados estaduais do PSL são investigados no inquérito e devem depor num prazo de dez dias. São eles Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Daniel Silveira (RJ), Filipe Barros (PR), Cabo Junio Amaral (MG) e Luiz Philippe de Orléans e Bragança (SP), além dos deputados estaduais de São Paulo Douglas Garcia e Gil Diniz.

O ministro não determinou buscas contra parlamentares investigados, mas a PF esteve no gabinete de Douglas Garcia na Assembleia Legislativa de São Paulo porque dois de seus assessores foram alvos de mandados. No caso de Roberto Jefferson, Moraes autorizou a apreensão de armas.

A decisão de Moraes aponta que um grupo de empresários alvo das buscas pode ter financiado a rede de desinformação e, por isso, o ministro determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de quatro investigados entre julho de 2018 a abril de 2020, o que inclui o período das eleições presidenciais, dentre eles Luciano Hang e Edgard Corona. Segundo Moraes, os alvos da operação são “possíveis responsáveis pelo financiamento de inúmeras publicações e vídeos com conteúdo difamante e ofensivo ao Supremo Tribunal Federal”

Ainda segundo a decisão, os empresários integram o grupo “Brasil 200 Empresarial”. Em uma mensagem trocada no grupo divulgada por Moraes, Edgard Corona pede financiamento para impulsionar mensagens contra o Legislativo. “Temos de impulsionar estes vídeos. Precisamos de dinheiro para investir em mkt (marketing)”, diz o empresário.

PERFIS BLOQUEADOS

Moraes também determinou o bloqueio das contas em redes sociais de 17 suspeitos de espalharem desinformação ou de financiá-la. Por outro lado, mandou um ofício para as redes sociais afim de preservar o conteúdo das postagens dos seis deputados federais e dois estaduais investigados. Ao justifica rabusca e apreensão, a que brade sigilo e outros pontos de sua decisão, Moraes destacou que os direitos e garantias individuais não são “ilimitados” e não podem virar “garantia de impunidade de crimes”.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, deu parecer contrário às buscas, conforme manifestações do último dia 19, na qual defendeu que os alvos da apuração têm direito à liberdade de expressão. Ontem, Aras pediu que o STF suspenda o inquérito. Em posicionamento anterior, porém, o procurador-geral havia sinalizado que o procedimento poderia continuar, desde que seus resultados fossem encaminhados à Procuradoria. A investigação foi aberta em março de 2019 por ordem do presidente do STF, Dias Toffoli, por portaria, e não a pedido da Procuradoria-Geralda República, como é a praxe. Apesar de incomum, a situação é prevista no Regimento Interno do STF.