O globo, n. 31706, 28/05/2020. País, p. 7

 

Irritado, Bolsonaro faz reunião às pressas

Naira Trindade

Marco Grillo

Rayanderson Guerra

28/05/2020

 

 

Presidente demonstra preocupação com Weintraub e afirma que ‘algo grave está acontecendo com nossa democracia’

 Sem se manifestar em público sobre o assunto, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou ontem contrariedade com a ação da Polícia Federal em cumprimento à ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) que atingiu aliados dele. Às 23h06m, Bolsonaro publicou em seu Twitter uma mensagem contra a operação determinada pelo STF: “Ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos, por exercerem seu direito à liberdade de expressão, é um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia”. Em reunião com ministros convocada às pressas, ele criticou a operação e mencionou medidas, como blindar o ministro Abraham Weintraub (Educação).

Ao falar sobre a ação, no contexto do inquérito aberto no Supremo no ano passado para apurar fake news e ataques contra ministros da Corte que a desencadeou, Bolsonaro demonstrou preocupação com a situação de Weintraub. Isso porque, na mesma investigação, ele foi convocado pelo ministro Alexandre de Moraes a esclarecer os ataques que fez aos magistrados no encontro ministerial de 22 de abril, quando sugeriu a prisão deles.

Apesar de sofrer resistência da ala militar do Planalto, Weintraub conseguiu se fortalecer no governo após a revelação do vídeo da reunião ministerial. A avaliação de aliados do presidente é a de que as declarações dele – apesar de agressivas ao Supremo – “resgatam o alicerce da campanha” de Bolsonaro com a base eleitoral do presidente.

A conversa também passou por uma nova reclamação contra a medida do Supremo que impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção geral da Polícia Federal. Sempre que menciona as ações do Supremo, Bolsonaro volta a falar sobre essa decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF). Interlocutores do Planalto acreditam, inclusive que a nomeação pode voltar a ocorrer.

A reunião com ministros não estava prevista na agenda oficial de Bolsonaro, e a lista de participantes ainda não foi divulgada. Entre os participantes, estavam ministros da área jurídica do governo, como André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e José Levi (Advocacia-Geral da União) e ministros da ala militar, como Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

Depois da reunião, Bolsonaro seguiu para o Palácio da Alvorada com o ministro da Justiça. Na chegada, o presidente disse que ele e Mendonça iriam trabalhar até meia-noite para “resolver alguns problemas”.

O inquérito sobre ameaças aos ministros do Supremo foi aberto de ofício pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. Por meio dele, em abril do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes censurou uma reportagem da revista “Crusoé”, determinando que o texto fosse retirado do ar. A reportagem trazia uma menção a Toffoli, feita pelo empresário Marcelo Odebrecht em processo da Lava-Jato.

Ao determinar a censura, Moraes alegou que a evidência citada não existia. Três dias depois, ele recuou ao constatar que o documento usado pela reportagem era verídico, remetido para a Procuradoria-Geral da República. Governo discute renomear Ramagem para a PF como resposta ao Supremo

FILHOS REAGEM

Pelo Twitter, Carlos Bolsonaro disse que o inquérito é “inconstitucional, político e ideológico”. “O que está acontecendo é algo que qualquer um desconfie que seja proposital. Querem incentivar rachaduras diante de inquérito inconstitucional, político e ideológico sobre o pretexto de uma palavra politicamente correta? Você que ri disso não entende o quão em perigo está!”, escreveu Carlos Bolsonaro.

Já Eduardo Bolsonaro questionou a ação dizendo que “não há descrição” dos fatos investigados no mandado. Em uma live no canal Terça Livre, do blogueiro Allan dos Santos, um dos alvos do inquérito do Supremo, Eduardo Bolsonaro afirmou que “um momento de cisão ainda maior" não é questão de “se", mas de “quando”.