O globo, n. 31706, 28/05/2020. Economia, p.15

 

Menos 1,1 milhão de vagas com carteira

Manoel Ventura

Pedro Capetti

28/05/2020

 

 

País tem maior fechamento de postos de trabalho no 2º bimestre desde 1992

 

O Brasil fechou 1,1 milhão de postos de trabalho com carteira assinada nos meses de março e abril. Foi a maior destruição de empregos formais em um segundo bimestre desde o início da série histórica, em 1992. É também o primeiro retrato do impacto nas vagas com direitos trabalhistas causado pela pandemia do coronavírus.

Economistas afirmam que os resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempr ega dos (Caged)—o primeiro divulgado desde janeiro em razão de mudanças na metodologia da pesquisa e da falta de envio de respostas por parte das empresas — dão a dimensão da crise: em um período tradicionalmente marcado por contratações, o corte de vagas equivale aseis vezes o registrado no pior segundo bimestre até então, o de 2016, quando o país estava em recessão e foram eliminados 181.620 postos de trabalho.

Os especialistas preveem que os próximos meses tendem a concentrar um volume ainda maior devagas fechadas em razão da dificuldade no combate à pandemia, oque prolonga acrise econômica.

— É preocupante que você tenha 1 milhão de saldo negativo em março e abril, sabendo que havia perspectivas mais rápidas de saída do que há hoje. Isso indica meses de maio e junho com desemprego ainda maior — avalia Cosmo Donato, economista da LCA Consultores.

Em março e abril, houve 1,984 milhão de contratações e 3,085 milhões de demissões no país, o que resulta no saldo de 1,1 milhão de postos fechados. Somente em abril, foram 860 mil vagas perdidas, no pior resultado desde 1992.

As demissões atingiram todos os setores no segundo bimestre, com destaque para o de serviços, o maior empregador, no qual foram fechadas 458,7 mil vagas. No comércio, foram 296 mil e na indústria, há menos 223,5 mil empregos formais. Entre os estados, São Paulo teve o maior corte de vagas, com 336,7 mil demissões, seguido pelo Rio de Janeiro, com 110 mil em março e abril.

‘COPO MEIO CHEIO’

Na avaliação do governo, os dados seriam ainda piores caso não tivesse sido implementada a medida provisória (MP) 936, de redução de jornada e salário.

— É um número duro, que reflete a realidade da pandemia que vivemos, mas que traz em si algo positivo. Ele demonstra que o Brasil, diferentemente de outros países, está conseguindo preservar emprego e renda. No entanto, pelos mesmos motivos de pandemia, nós não estamos conseguindo manter o mesmo ritmo de contratação de outrora — disse o secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco.

— Agora, já podemos pensar nos próximos passos, que farão com que consigamos estimular contratações.

Até agora, 8,1 milhões de trabalhadores aderiram a acordos que permitem diminuir em 25%, 50% ou 70% o salário ou suspender o contrato de trabalho temporariamente. A expectativa do governo quando o programa foi lançado, no início de abril, era alcançar 24 milhões de trabalhadores.

De janeiro a abril, o país perdeu 763,2 mil vagas com carteira assinada, também o pior desempenho desde o início da série histórica. No fim de abril, o país tinha 38 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Na avaliação de Bianco, é necessário olhar o “copo meio cheio”:

— Nunca acho que desemprego é algo para se comemorar, mas a preservação de empregos certamente é algo para se comemorar. Temos que olhar o copo meio cheio, e não o copo meio vazio. Esse copo certamente está meio cheio. Estamos preservando emprego e renda.

RETOMADA LENTA

Na avaliação de economistas, o governo terá de ir além da medida provisória de redução de jornada e salário para evitar uma deterioração do mercado de trabalho nos próximos meses. A medida tem força de lei e já recebeu o aval do Supremo Tribunal Federal, mas ainda depende de aprovação do Congresso nacional para se tornar uma lei em definitivo. A avaliação é que ela teve um papel importante em frear demissões, mas será necessário implementar ações para injetar recursos nas empresas, o que o governo tem proposto por meio de medidas de crédito.

—Quem estava com a corda no pescoço já demitiu. As diferentes perspectivas em relação à Covid-19 vão fazer com que diferentes empresas percam receita — afirmou Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.

Nos primeiros 19 dias de abril, o Ministério da Economia processava uma média de 22.5118 pedidos de suspensão ou de redução de jornada e salário por dia. Em igual período do mês de maio, a média caiu para 97 mil por dia.

Para os economistas, sem reduzir o ritmo do contágio, não haverá possibilidade de melhora no mercado de trabalho nos próximos meses. E a retomada não se dará no mesmo nível da fase pré pandemia.

— Hoje, a perspectiva de saída da crise é mais lenta, não temos a retomada do negócio em dois, três meses — disse Donato, da LCA Consultores, que não vê um processo de saída ordenada da pandemia, o que tende a agravar a crise no mercado de trabalho.