O globo, n. 31709, 31/05/2020. Especial Coronavírus, p. 13

 

País não rastreia contatos de infectados como deveria

Rodrigo de Souza

31/05/2020

 

 

Especialistas dizem que medida ajudaria a desacelerar contágio, mas apenas sete capitais brasileiras realizam o procedimento

 Para tentar desacelerar o contágio da Covid-19, países de todos os continentes estão investindo no rastreamento de pessoas com quem infectados pelo novo coronavírus tiveram contato. O objetivo é identificar os que estiveram com doentes antes que eles apresentassem sintomas e isolá-los para reduzir a incidência da doença. Levantamento do GLOBO nas 26 capitais e no Distrito Federal mostrou, no entanto, que apenas sete delas confirmaram realizar rastreamento de contatos.

Em Rio Branco (AC), Maceió (AL), Vitória (ES), Recife (PE), Natal (RN), Florianópolis (SC) e Palmas (TO), ao menos 32 mil pessoas já foram contatadas pelas equipes de vigilância epidemiológica. São Paulo não respondeu e o Rio deixou de realizar rastreamento de contato depois que a doença entrou em estágio de transmissão comunitária.

Uma das medidas do governo federal para mapear o rastro do vírus foi o TeleSUS. Desde o lançamento do programa, em 1º de abril, pelo menos 37,9 milhões de atendimentos já foram realizados. Do total de pessoas conectadas, 1,2 milhão passaram a ser acompanhadas pelo Ministério da Saúde, que almeja alcançar 120 milhões de brasileiros pela chamada Busca Ativa, quando as próprias autoridades de saúde vão atrás de casos suspeitos de Covid-19.

FALTAM TESTES

Para o epidemiologista Paulo Nadanovsky, da Fiocruz, a iniciativa ajuda, mas não basta, pois o TeleSUS não identifica os assintomáticos.

Como é impossível rastrear todos, os esforços têm de focar nos componentes de maior vulnerabilidade: os locais com mais incidência de Covid-19 e os grupos de risco. Para que essa busca traga resultados, diz o epidemiologista, é preciso que ela esteja ancorada numa estratégia de testagem ampla.

—Não adianta identificar os contatos próximos das pessoas infectadas senão sepo detestá los—diz o especialista.

Publicado no fim de abril na “Lancet”, um estudo com pesquisadores da Universidade Johns Hopkins (EUA) e do Centro de Controle de Doenças de Shenzhen (China) analisou 391 infectados sintomáticos e 1.286 pessoas próximas às infectadas, alcançadas por rastreamento. A pesquisa concluiu que os integrantes do segundo grupo foram identificados mais rapidamente.

O primeiro grupo, portanto, teve mais tempo para expor terceiros ao contágio,chances de replicação do vírus. Para os pesquisadores, o resultado do estudo explica o êxito de países como China e Coreia do Sul, que implementaram sistemas abrangentes de rastreamento.

O Centro de Ética da Universidade Harvard condiciona a retomada das atividades nos EUA à implementação do plano TTSI: teste, rastreamento e isolamento acompanhado, na sigla em inglês. O fim da quarentena deve ser calcado numa estratégia de rastreamento e testagem que alcance pelo menos 5 milhões de pessoas todos os dias —muito mais do que o Brasil consegue realizar hoje.

Reino Unido, França e Austrália desenvolveram aplicativos para traçara rota de diagnosticados. Os softwares buscam aferir o paradeiro de cada usuário de acordo coma localização de seu celular.

No Brasil, a startup Mamba Labs desenvolveu o aplicativo Dycovid, adotado pelo governo de Pernambuco. Ele usa GPS para rastrear encontros entre infectados e pessoas saudáveis. CEO da empresa, Matheus Ribeiro conta que o software só tem acesso ao paradeiro

do usuário e a seu número de celular, o que permite ao sistema recuperar as informações registradas pelas Secretarias de Saúde sobre o dono daquele aparelho. O usuário só descobre se deparou-se com um portador de Covid-19 acada seis horas, quando o aplicativo faz uma atualização.

—Está claro o quanto precisamos de uma tecnologia de rastreamento de nível global, uma das condições para a retomada gradual das atividades econômicas —diz Ribeiro.

Nadanovsky, no entanto, crê que a adoção de um sistema de rastreamento por aplicativo de alcance na ciona lé improvável, por limitação alternativa seria um sistema baseadona tecnologia blockchain, que permite o compartilhamento de dados entre usuários sema intermediação de um servidor central.

De acordo coma epidemiologista Tatiana Eleutério, da Uerj, um aplicativo para contact tracing no Brasil só seria eficaz se pelo menos 20% da população, ou 42 milhões de habitantes, o utilizassem. Em comparação, em Cingapura, que conta com um arrojado sistema de rastreamento de contato por aplicativo, 1,1 milhão de pessoas baixaram a ferramenta do governo — o que corresponde acerca de um quinto da população total.