Correio braziliense, n. 20858 , 01/07/2020. Artigos, p.13

 

Pandemia, educação e meios de comunicação de massa

Chico Sant'anna

01/07/2020

 

 

Falar em meios de comunicação de massa em pleno século 21, tempo de webplataformas, aplicativos, redes sociais, pode parecer um papo meio sobre pré-história das tecnologias da informação. Evoluímos muito nas últimas décadas, mas a evolução não foi socializada para todos e muitos ainda vivem profundo apartheid tecnológico e, consequentemente, social.

O isolamento imposto pela covid-19 escancarou a dura realidade, nem sempre perceptível à sociedade brasileira e mesmo àqueles que têm por missão pensar a universalização do ensino e do acesso aos meios digitais. Parcela majoritária da população não dispõe de computadores, tablets ou notebooks. Mesmo entre os que dispõem desses aparelhos muitos não contam com banda larga, o que permitiria o acesso às modernas ferramentas de ensino a distância.

Nas camadas sociais mais desprotegidas, o que salva é o telefone celular, com o wi-fi emprestado do vizinho ou dos raros provedores públicos existentes. Mas está tudo fechado e não dá para concluir um ano letivo pegando carona no wi-fi alheio ou mesmo consumindo créditos da telefonia pré-paga. E não são só os mais carentes que sofrem com a internet. Mesmo em áreas economicamente mais fartas, a reclusão social e o intenso uso da internet revelaram a má qualidade do serviço prestado pelas operadoras no Brasil.

Seria o momento, então, de cobrar o que foi feito com os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), instituído pela Lei 9.998/2000. Passados 10 anos, estamos longe da sonhada universalização. Mas a conversa aqui é outra. Como assegurar de forma rápida educação a milhões de jovens sem acesso às escolas?

Num cenário em que nem todos têm computador, devemos nos aperceber que quase todos têm rádio e televisão. O Brasil possui larga tradição de ensino a distância via rádio e TV. Só para citar exemplos mais recentes, tivemos, na TV, o Telecurso 2º Grau e, no rádio, o Projeto Minerva, que ocupava meia hora de transmissão a partir das 20 horas para educar adultos.

Tudo foi deixado de lado com o discurso fácil da informática. Na era Collor, trocaram o projeto Minerva por inserções institucionais do Ministério da Educação em rádio e TV. O Telecurso migrou para a internet. Deveríamos retomar com urgência essas experiências. O momento é de encontrar soluções que assegurem o aprendizado universal.

Não seria difícil tarefa nem mesmo aqui em Brasília. O Governo do Distrito Federal possui a Rádio Cultura FM, que poderia transmitir os conteúdos necessários aos estudantes em diferentes horários e até em rede com uma trintena de rádios comunitárias operando nas cidades do Distrito Federal.

A tecnologia da TV digital permitiu o milagre dos peixes: a multiprogramação. Um canal vira quatro. TVs Senado, Câmara, Justiça e Brasil se valem desse recurso tradicionalmente. Os canais legislativos o usam para transmitir mais de uma comissão ao mesmo tempo. Como não há sessões das comissões, esses canais, agora ociosos, poderiam, mediante acordo ou convênio, transmitir na capital federal aulas para diferentes níveis.

Detalhe: refiro-me a canais abertos, sem custo de assinatura. No segmento da TV paga, a Câmara Legislativa já operou um canal. O GDF tem direito a um canal destinado à cultura. Esses também seriam recursos que ajudariam a superar as desigualdades de quem não tem acesso à informática. Até mesmo a Universidade de Brasília, que opera a TV-UnB, canal na TV a cabo, poderia focar o ensino neste momento.

Disciplinas que não dependem de laboratórios podem ser ministradas tranquilamente. Também se poderia pensar em suplementos pedagógicos encartados em jornais, notadamente os de distribuição gratuita.

Em nível nacional, não seria muito diferente. A Rádio MEC e emissoras da EBC deveriam se dedicar ao ensino. Não seria difícil desenvolver o savoir-faire para produzir os conteúdos necessários. Seria mais fácil, caso o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub não tivesse rompido o contrato que garantia a TV Escola no ar. Hoje, ela poderia estar operando a todo vapor, até preparando alunos para o Enem. Mas há como recuperar o tempo e as decisões equivocadas. Dispomos em Brasília, seja na Secretaria de Educação — que já operou um estúdio de TV — seja na UnB ou em outros centros do país, da expertise e de gente com gana de fazer.

Mirar em alternativa à internet para o ensino a distância é fundamental. Até porque, no novo normal, as escolas não voltarão a ser lotadas como antes.

CHICO SANT'ANNA

Jornalista e doutor em ciências da informação pela Universidade de Rennes 1 (França)