Valor econômico, v.21, n.5028, 24/06/2020. Brasil, p. A4

 

'Desmatamento é trava para mais negócios e mais investimentos'

Daniela Chiaretti 

24/06/2020

 

 

 Recorte capturado

Brasil precisa reduzir desmate de modo rápido, drástico e sustentável, diz embaixador alemão

Se o Brasil quiser ter um ambiente de negócios favorável a investimentos estrangeiros, terá que reduzir o desmatamento da Amazônia e levar a sério a crise climática. Se o Brasil quiser que o acordo União Europeia-Mercosul avance e não seja barrado nos parlamentos europeus, terá que reduzir o desmatamento. Se o Brasil quiser parceiras socioambientais, terá que reduzir o desmatamento.

O argumento, repetido quase como um mantra, é do embaixador alemão Georg Witschel, que está de saída do posto que ocupa há quatro anos e retorna a Berlim nos próximos dias.

"O meu apelo ao Brasil é reduzir o desmatamento de maneira rápida, drástica, sustentável e de longo prazo e fortalecer o reflorestamento", diz Witschel ao Valor, por telefone, em sua última entrevista no Brasil.

Há pouco dias, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fechou os dados definitivos do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019. Foram 10,1 mil km2 de floresta ao chão, um aumento de 34,4% em relação ao período anterior, a maior área desmatada desde 2008. Em 2020, o desmatamento continua em alta e a temporada de incêndios na Amazônia sequer começou.

O Fundo Amazônia, o mais estruturado mecanismo global de compensação pelos esforços de contenção ao desmatamento e de apoio a projetos na região, foi desmantelado, sem justificativa aos doadores -a Noruega é o maior doador, e em menor parte, a Alemanha-, pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Agora, o vice-presidente Hamilton Mourão, que coordena o Conselho Nacional da Amazônia Legal, procura reparar constrangimento e danos, e retoma a conversa com os países doadores. "Estamos negociando, não posso comentar", diz o embaixador alemão. É evidente, contudo, que o Brasil terá que mostrar bom desempenho na contenção ao desmatamento antes que os antigos parceiros se animem a colocar recursos de seus contribuintes na iniciativa.

É a mesma lógica do acordo comercial União Europeia-Mercosul, que levou 20 anos de negociação e foi fechado há um ano. "O nosso governo quer a ratificação rápida do acordo UE-Mercosul, porque é um ganha-ganha para os dois blocos, sobretudo neste período de desafio para o mercado livre, em que alguns líderes tentam quebrar laços internacionais a fim de fortalecer a indústria nacional, um nacionalismo econômico que não vai funcionar", diz Witschel.

"O acordo UE-Mercosul representa também um sinal importante ao mundo de que vamos continuar as nossas parcerias, seguir com a cooperação econômica, respeitar os nossos laços econômicos e não cortar", continua.

Witschel lembra, contudo, que para a ratificação do acordo é preciso obter votos favoráveis dos Parlamentos de todos os países da União Europeia. Em 2019, o parlamento austríaco aprovou uma moção para que o bloco rejeite o acordo, temendo mais desmatamento na Amazônia. Este mês foi a vez do parlamento holandês fazer o mesmo, sinalizando a forte resistência que o tratado terá na Europa.

Na Alemanha, o cenário não é positivo. "A situação se complica a cada quilômetro quadrado de desmatamento a mais, com cada queimada a mais. Temos um desafio maior de conseguir maioria no parlamento alemão", reconhece.

Dois partidos alemães de oposição ao governo de Angela Merkel, A Esquerda (Die Linke) e Os Verdes (Die Grünen) já se manifestaram contra o acordo. "Os dois são da oposição, não têm maioria, porém vejo um risco. Parlamentares dos partidos que formam a nossa coalizão também têm manifestado dúvidas".

Witschel comentou o artigo do jornal de finanças alemão "Handelsblatt" que há duas semanas produziu um material especial sobre o Brasil dizendo que a economia do país está em rumo de entrae em colapso e empresas alemãs começam a sair do país. "A imprensa é livre e não é papel do governo alemão convencer uma empresa a investir no Brasil ou em outro país. Só posso dizer que é extremamente importante estabelecer um ambiente positivo para os investimentos."

O embaixador reforça que esse ambiente tem vários elementos. "Um é a economia, os impostos. O segundo é a segurança jurídica. O terceiro é ter uma política tranquila e estável, que dá ao investidor o sentimento de que esse país tem um governo razoável'", ilustra. "Mas são as empresas que fazem as decisões. Se sentem que perdem confiança em um país X e ganham confiança em um país Y, o papel do Estado é limitado", reconhece.

"É responsabilidade do governo do país X reestabelecer e manter um quadro de ambiente favorável ao investimento em todos estes aspectos, incluindo o meio ambiente. Porque muitos fundos internacionais e também empresas têm interesse em explicar aos investidores e seus acionistas o que fazem fora da Alemanha, se seus passos estão alinhados na luta contra a crise climática", diz o embaixador.

Ele comenta, por exemplo, a taxa de ajuste de fronteira que leva em conta a emissão de carbono e que existe no Green Deal, o ambicioso plano verde feito pela Comissão Europeia e que o bloco debate intensamente. "Conheço a ideia que está no projeto, mas não tenho detalhes. Não está claro quais os vetores nos quais incidirá esta cláusula, quando deve ser erguida, se haverá alguma alíquota", diz.

"Mas posso explicar a filosofia: se a Europa for o primeiro continente a alcançar o carbono neutro será necessário garantir regras justas na relação com os outros. Se outras áreas do mundo produzirem de maneira perigosa para o meio ambiente, com alta emissão de gases-estufa e por isso conseguirem uma produção mais barata, neste caso será necessário ter uma cláusula de fronteira. Mas não temos detalhes e o governo alemão não tem ainda uma posição oficial."

Angela Merkel anunciou recentemente um ambicioso pacote de estímulo à economia para os próximos anos e décadas, onde o meio ambiente e a crise climática ocupam papel central nos investimentos futuros. Não haverá recursos públicos para carros movidos a gasolina ou diesel, apenas para carros elétricos e híbridos. Nove bilhões de euros serão investidos em tecnologia de hidrogênio, para descarbonizar a indústria de base alemã - química, siderúrgica e de cimento, por exemplo.

A maior economia da zona do euro sinaliza claramente que quer liderar a nova economia, de baixa emissão de carbono, e que este é o futuro no pós-pandemia.

A outra tendência clara do governo alemão é a forte cooperação que se estabelece com a China, enquanto a América Latina, e o Brasil, perdem atração. O volume de negócios entre Alemanha e Brasil e Alemanha e China indicam claramente as perdas brasileiras na relação comercial. "Nosso investimento não diminuiu, porém o investimento na China aumentou muito. Há várias razões para isso. Não é somente a relação Europa-América Latina, mas o aspecto mundial. A Ásia é hoje um ator muito mais poderoso na economia mundial."

"Temos uma relação Brasil e Alemanha muito forte, de cooperação com todos os Estados e também com o governo Bolsonaro. Temos um nível de confiança e vamos trabalhar com isso", segue o embaixador. "Mas, mais uma vez eu apelo: reduzam o desmatamento porque isso é uma trava para mais investimentos e mais negócios. Temos um futuro juntos e vamos trabalhar para sair da crise da pandemia e para um futuro melhor.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bancos alertam para fragilidade ambiental do país

Flávia Furlan

24/06/2020

 

 

Os presidentes dos principais bancos privados do país colocaram a questão ambiental como um dos pontos que precisam ser olhados com muita atenção pela sociedade brasileira, principalmente neste momento em que as fragilidades estão ficando mais evidentes em meio à pandemia de covid-19.

"No momento em que a sociedade se percebe frágil, ela deve olhar para outros perigos que estão nos rondando e o principal deles é o perigo ambiental", afirmou Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, o maior banco em ativos do país, em evento realizado ontem.

O tema foi abordado durante um congresso realizado, em vídeo, pela Federação Brasileira de Bancos (Febrabran), na qual a principal discussão era a tecnologia bancária. No entanto, a discussão ambiental acabou ganhando espaço.

O executivo destacou dados que os incêndios na Amazônia cresceram 60% no início deste ano, em comparação com o que havia sido identificado no mesmo período do ano passado.

"Precisamos, enquanto sociedade, nos movermos contra isso", afirmou. "As consequências do perigo ambiental até podem vir de uma maneira mais lenta do que o perigo de saúde como a covid-19, mas são mais duradouras e difíceis de reverter."

O discurso dos banqueiros ocorreu no mesmo dia em que um grupo de instituições financeiras internacionais encaminhou carta a embaixadores brasileiros com preocupações acerca do avanço do desmatamento no Brasil e relatos de desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos.

Formado por 29 instituições, entre fundos de pensão, bancos e gestoras de oito países (Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda, Reino Unido, França, Estados Unidos e Japão), que somam US$ 4 trilhões sob gestão, o grupo cita "incerteza generalizada sobre as condições de se investir ou fornecer serviços" ao país.

Além disso, essas instituições financeiras ressaltaram que o governo precisa demonstrar compromisso com a mitigação desses riscos ambientais.

No evento realizado ontem, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., afirmou que a crise causada pela pandemia de covid-19 afetou as economias mundiais, mas em especial as pessoas e suas preocupações em relação à vida e trabalho. Nesse contexto, houve um redimensionamento das discussões ambientais, entre elas aquecimento global, reflorestamento, derrubada de árvores, qualidade do ar e da água.

"Todo mundo falava sobre isso, em vários simpósios, vários congressos, mas de fato nós temos de reconhecer, nós líderes, que fizemos muito pouco em relação a isso. O Planeta deu uma chance de mudarmos o que foi feito", disse o executivo.

O presidente do BTG Pactual, Roberto Sallouti, sugeriu aos bancos que publiquem um balanço de maneira consolidada de todas as suas ações ambientais, sociais e de governança, nos critérios que trata a sigla "ASG".

De acordo com ele, as instituições financeiras são as empresas mais avançadas nesse quesito - tanto em relação à agenda quanto aos resultados apresentados. Dessa forma, os bancos podem ser considerados como grandes expoentes da cultura ambiental.

A proposta foi bem recebida pelos demais participantes, como Bracher, do Itaú Unibanco. A agenda ambiental, segundo Sallouti, não é mais opcional para as companhias de todos os setores. "No BTG, tivemos de incluir na cultura da empresa. Não é mais opcional. Se não incorporarmos, os clientes vão escolher outros bancos. Como setor, temos muito do que mostrar e publicar nosso balanço ASG."

O executivo Sergio Rial, presidente do Santander Brasil, disse na ocasião que neste momento, durante a pandemia de covid-19, as sociedades estão redesenhando o capitalismo na forma como ele existe. Ded acordo com ele, as empresas estão focadas em levar o melhor capitalismo social para todos os públicos com a qual elas interagem, sejam clientes, funcionários, fornecedores, investidores e o governo.