Título: Desafino na oposição
Autor: Pedreira , Vinícius
Fonte: Correio Braziliense, 26/12/2012, Mundo, p. 14

Os governistas da Venezuela ganharam um aliado inesperado na polêmica em torno da data da posse de Hugo Chávez, recém-reeleito presidente da República. Pela primeira vez, o seu principal adversário, Henrique Capriles, veio a público e concordou que a realização da posse em 10 de janeiro não é necessariamente obrigatória. "É preciso ser muito sério e muito transparente nesses casos, penso que não perde a condição de presidente eleito a pessoa que não possa tomar posse exatamente no dia estabelecido", disse. Já para os opositores do atual governo e membros da aliança Mesa da Unidade Democrática (MUD), a data da posse é inadiável e caso Chávez não compareça à solenidade em 10 de janeiro ficará caracterizada sua "ausência absoluta", levantando a possibilidade de novas eleições presidenciais.

Ontem, o vice-presidente Nicolás Maduro afirmou que "o presidente, neste momento, está fazendo uso de uma permissão constitucional, aprovada por unanimidade pela Assembleia Nacional, para atender sua condição de saúde (Chávez se recupera de uma cirurgia para tratamento de um câncer, em Cuba). No momento em que sua equipe médica indicar, o presidente fará o juramento constitucional", acrescentou.

No último sábado, 22, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, levantou a questão sobre a possibilidade de prorrogar o prazo de posse do mandatário. "Esqueçam-se da data, senhores. Ela não significa nada. Há um pontinho na Constituição que indica que, se o eleito não puder tomar posse ante o Legislativo em 10 de janeiro por motivos de força maior, ele poderá fazê-lo ante o Supremo Tribunal de Justiça", disse.

A incerteza abriu um grande debate no país sobre a legitimidade da prorrogação da posse de Chávez. A presidente do Supremo Tribunal de Justiça venezuelano, Luisa Estella Morales Lamuño, chegou a dizer ser possível reinterpretar o artigo 231 da Constituição — que fixa a posse do presidente da República para 10 de janeiro. "A lei deve ser lida em sua totalidade. Vários fatores consideram não só a data como valores fundamentais protegidos constitucionalmente", disse. As afirmações foram rebatidas por magistrados e pela oposição. Para a juíza da Câmara de Cassação Penal do SupremoTribunal, Blanca Mármol de León, prorrogar a data seria uma violação da Constituição.

Para o coordenador do programa de América Latina da Harvard Kennedy School, Leonardo Vivas "não é apenas a data, mas toda a interpretação que foi feita em 2001 — quando houve uma revisão constitucional — sobre a data da posse do presidente venezuelano. Naquela época, ficou bem clara a interpretação de que a data-limite seria 10 de janeiro, no entanto, o que está sendo dito agora tem que ser encarado como uma interpretação de toda a Constituição e não apenas do artigo específico. Pode-se dizer que a magistrada está pavimentando o caminho para a possibilidade de adiamanto".

Constituição A atual Constituição venezuelana, elaborada em 1999, indica que, caso o presidente eleito não esteja presente para a posse em 10 de janeiro, há duas maneiras de resolver o impasse, explica o professor de relações internacionais da Universidade de Boston Carlos Blanco. A primeira delas, é ser declarada "ausência absoluta" — por morte, renúncia, destituição ou incapacidade — na qual a presidência deve ser assumida, de forma interina, pelo presidente da Assembleia Nacional, cargo hoje ocupado por Diosdado Cabello. A partir desse momento, outras eleições devem ser convocadas no prazo de 30 dias.

A segunda alternativa é considerar a falta do presidente como uma "ausência temporária". Nesse caso, a Constituição prevê que o vice-presidente (atualmente, Nicolás Maduro) assuma o posto por 90 dias, prorrogáveis outra vez por mais 90 dias. "Imaginem que vou tomar posse como governador e neste dia tenho um problema no pé e não possa caminhar. Então, perco a condição de eleito? Esse jamais foi o espírito da legislação", destacou Henrique Capriles, rival de Chávez nas eleições presidenciais e reeleito, em 16 de dezembro, como governador do estado de Miranda, no norte do país — uma das poucas vitórias oposicionistas no pleito. Desde 11 de dezembro, Hugo Chávez está afastado para tratar um câncer, em Cuba. É a quarta cirurgia do mandatário em apenas 17 meses.

Ligeira melhora Segundo as últimas informações divulgadas pelo governo venezuelano, o quadro clínico de Hugo Chávez apresentou "ligeira melhora", com boas perspectivas. "Chávez continua cumprindo o rigoroso repouso determinado pela equipe médica", destacou o o ministro da Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, em mensagem por rádio e TV sobre a saúde do presidente, transmitida na véspera de Natal. O ministro acrescentou que o líder venezuelano "está se comunicando com seus familiares mais próximos" e "tem analisado os resultados" das eleições regionais de 16 de dezembro passado, nas quais o governo conquistou o comando de 20 dos 23 estados.