Valor econômico, v.21, n.5028, 24/06/2020. Política, p. A9
PF pede a STF para ouvir Bolsonaro em inquérito
Isadora Peron
24/06/2020
A Polícia Federal (PF) informou ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que as investigações sobre a suposta interferência na autonomia da corporação estão em "estágio avançado" e que precisará ouvir o presidente Jair Bolsonaro nos "próximos dias".
O ofício que pede a oitiva do presidente é de 19 de junho, assinado pela delegada Christiane Correa Machado. Cabe ao decano, que é relator do inquérito, decidir se a oitiva será presencial ou se Bolsonaro poderá se manifestar por escrito. O gabinete do ministro informou ontem que ele já está analisando o pedido.
Aliados do presidente defendem que ele têm o direito de prestar o depoimento por escrito, como aconteceu com o então presidente Michel Temer, no inquérito dos portos.
Celso de Mello, no entanto, já indicou que, embora o artigo 221 do Código de Processo Penal diga que autoridades podem optar por prestar o depoimento por escrito, essa é uma opção para testemunhas, não investigados.
O inquérito contra Bolsonaro foi aberto em 27 de abril, alguns dias depois de Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública acusando Bolsonaro de pressionar pela troca do comando da PF para poder obter informações sobre investigações em curso contra amigos e familiares.
A investigação foi pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. No dia 8 de junho, o inquérito foi prorrogado por mais 30 dias.
Entre as diligências já realizadas pela PF está a tomada de mais de uma dezena de depoimentos, entre eles o de Moro.
A pedido da defesa do ex-ministro, a PF também solicitou informações à Superintendência do Rio sobre se Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) quando o filho do presidente era deputado estadual no Rio de Janeiro, tentou ter acesso a um inquérito sigiloso da PF que mencionaria o seu nome.
Na peça, os advogados de Moro citam uma reportagem do jornal "Folha de S.Paulo" que afirmava que a defesa de Queiroz foi "informada em agosto do ano passado sobre a existência de um inquérito sigiloso da Polícia Federal no Rio de Janeiro que mencionava o policial militar aposentado".
A defesa do ex-ministro afirma ainda que, de acordo com o jornal, Flávio Bolsonaro também é citado em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que fazia parte da investigação sigilosa.
Os advogados falam em um "coincidente lapso temporal" e lembram que foi nesta época que Bolsonaro tentou trocar, pela primeira vez, o comando da Superintendência do Rio.
"Frisa-se que o presidente da República manifestou sua primeira vontade em substituir o Superintendente da Polícia Federal do Rio de janeiro no mesmo mês em que a defesa de Fabrício Queiroz solicitou vistas do inquérito sigiloso mencionado - agosto de 2019 consoante informações já angariadas neste procedimento investigatório", diz o texto.
Também no âmbito da investigação, a PF pediu informações ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sobre eventuais mudanças de integrantes da segurança pessoal do presidente.
Uma das peça-chave do inquérito é o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, no Palácio do Planalto. O conteúdo da reunião tornou-se público após decisão de Celso de Mello.
No vídeo, o presidente reclama que não recebe informações de inteligência e diz que tentou "trocar gente da segurança" no Rio de Janeiro.
Segundo a defesa de Moro, o presidente referia-se à Superintendência da Polícia Federal no Rio. Bolsonaro, no entanto, afirma que falava sobre a sua segurança pessoal, que fica sob os cuidados do GSI, e não da PF.
Além disso, também foi solicitado informações sobre a exoneração do então diretor-geral da PF Maurício Valeixo.