Título: Constituição aprovada
Autor: Walker , Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 26/12/2012, Mundo, p. 15

Três dias após o fim do referendo sobre a nova Constituição do Egito, resultados oficias confirmaram, ontem, a aprovação do texto por 63,8% dos votantes. A nova vitória da Irmandande Muçulmana abre corrida para que a oposição busque alianças e cooperações, já que o próximo passo da movimentação política no país pode ser uma oportunidade para se elevar a representatividade das forças contrárias ao presidente Mohamed Morsi no Parlamento. Nos próximos dois meses, Morsi deve convocar eleições legislativas e inaugurar uma nova fase da disputa entre islamistas e grupos seculares, cristãos e de esquerda.

A aprovação do texto é mais uma vitória da maioria islâmica do Egito, mas, ao mesmo tempo, mostra que os próximos meses não serão fáceis para o presidente. A taxa de participação popular na votação foi muito baixa, apenas 32,9% dos eleitores manifestaram a opinião nas urnas, segundo dados divulgados pelo presidente da comissão eleitoral, Samir Abul Maati. Os números mostram que a Constituição do Egito foi aprovada por pouco mais de 20% da população votante e que, como os protestos já mostraram, Morsi não conta com ampla aprovação interna.

“Acredito que o grande desafio para o presidente, agora, é reconquistar a confiança da população, para que a nova Constituição não seja uma lei vazia. Ele vai enfrentar a oposição de numerosos grupos contrários à Irmandade Muçulmana. E, vale lembrar, nem todo mundo que aderiu a esse projeto seis meses atrás continua subscrevendo a seu governo hoje. Tudo isso mostra que há uma fragilidade muito visível na democracia egípcia, o que é natural por um lado, porque ela tem só um ano e meio de vida”, explica Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da Faculdade Getúlio Vargas e especialista em Oriente Médio.

O desafio da oposição até fevereiro é conseguir unir os grupos contrários à política da Irmandade, que permaneceram divididos durante a maior parte dos cinco meses de governo. A coalizão Frente Nacional de Salvação se destaca por agrupar parte importante dos movimentos opositores, mas ainda não tem um líder definido ou uma estratégia comum.

“Esta Constituição será de todos”, insistiu o primeiro-ministro, Hicham Qandil, que pediu a cooperação das forças políticas do país, para que possam “retomar o caminho da estabilidade”. Além da crise política, o Egito enfrenta, ainda, grande dificuldade econômica, com alto índice de desemprego, descontrole da inflação e, desde os últimos dias, paralisia da principal indústria, o turismo, devido à insegurança interna. Os planos do governo, segundo Qandil, buscam recuperar a economia para aumentar a aprovação interna.

Irregularidades O processo de consulta popular realizado em duas etapas foi alvo de inúmeras críticas e denúncias de irregularidades. Parte do país foi às urnas no dia 15 de dezembro e outra parte, no dia 22. Organizações de Direitos Humanos anunciaram ontem que mais de mil queixas foram reportadas à Comissão Eleitoral durante a votação, o que poderia anular o resultado do referendo, caso fossem comprovadas. “Investigamos arduamente todas as denúncias”, afirmou, o juiz Samir Abu el-Matti, do Supremo Comitê Eleitoral, em entrevista coletiva. Ele garantiu que nenhum problema foi identificado, contrariando os relatos da oposição.

A Frente de Salvação Nacional, grupo laico liderado pelo e ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e ganhador do Nobel da Paz, Mohamed ElBaradei, destacou que a aprovação da Constituição “não representa o fim do caminho, apenas uma batalha” vencida pela Irmandade Muçulmana.

Pequenas demonstrações foram vistas ontem, como oito ativistas que cortaram os cabelos na praça Tahrir, em um protesto contra o que chamaram de processo de institucionalização da violência e da marginalização das mulheres na nova Carta. “Nada mais pode ser dito”, afirmou uma manifestante ao jornal Egito Independente. No Cairo, o protesto mais expressivo teve cerca de 150 pessoas, informou o chefe do departamento de trânsito Hassan el-Bardesy.

Carta americana Depois de o Irã parabenizar o Egito pela aprovação do rascunho da Constituição, que já foi comparada à iraniana devido ao teor religioso do texto, o Departamento de Estado dos Estados Unidos divulgou ontem uma nota pedindo para que o presidente Morsi amplie o apoio ao processo político democrático no país. “O futuro da democracia no Egito depende de um processo de inclusão para negociar as diferenças entre as partes, sobre a Constituição e sobre as leis que a implementam”, disse o porta-voz do departamento de Estado americano, Patrick Ventrell. “Morsi tem a responsabilidade de agir para acabar com as divisões, construir a confiança e ampliar o processo político”, completou.

Oração pela Síria

Em sua tradicional bênção de Natal, o papa Bento XVI pediu ontem ao governo sírio e aos rebeldes que busquem um acordo para encerrar o conflito no país, que já dura 22 meses. “Eu faço um apelo pelo fim do derramamento de sangue, que seja facilitado o socorro aos deslocados e refugiados e que, através do diálogo, procurem uma solução política para o conflito”, ressaltou o pontífice, falando da varanda da Basílica de São Pedro, diante de milhares de fiéis. "Há esperança no mundo, mesmo em tempos e nas situações mais difíceis”, acrescentou Bento XVI. Em seguida, o papa pediu “que a paz germine para o povo sírio, profundamente ferido e dividido por um conflito que não poupa sequer os indefesos e ceifa a vida de vítimas inocentes”. Desde março de 2011, início da revolta popular contra o regime do presidente Bashar Al-Assad, mais de 44 mil pessoas morreram. Bento XVI também fez um apelo aos novos líderes chineses para que “valorizem a contribuição das religiões” no país. Pediu ainda que os latino-americanos tenham sucesso na luta contra a criminalidade. “Que (Jesus) reforçe o compromisso dos governantes com o desenvolvimento e a luta contra o crime”, ressaltou.