Valor econômico, v.21, n.5027, 23/06/2020. Brasil, p. A8

 

Segurança jurídica é o melhor que Judiciário tem a oferecer, diz Fux

Rodrigo Carro 

Isadora Peron

Beatriz Olivon

23/06/2020

 

 

Cabe aos tribunais superiores estabelecer diretrizes jurídicas que orientem cidadãos e empresas neste momento de pandemia, garantido a segurança jurídica no país, afirmou ontem o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, durante uma "live" transmitida pelo Valor e por "O Globo", com patrocínio da Refit. Fux qualificou como "pseudo crise institucional" os atritos recentes entre Judiciário e Executivo. E destacou ainda que a segurança jurídica é o que de melhor Judiciário tem a oferecer aos investidores e ao restante da sociedade uma vez superada a pandemia.

"Teses jurídicas conflitantes significam insegurança jurídica. Então, compete aos tribunais superiores estabelecer diretrizes jurídicas para esse momento de pandemia aferindo aquele que é um direito fundamental ao lado da saúde, do direito à propriedade, que é a segurança de forma geral e a segurança jurídica", disse o ministro, durante o seminário virtual "O papel do Poder Judiciário na retomada do país pós-pandemia".

"A fixação pelos tribunais superiores de teses jurídicas que orientem os cidadãos e as empresas. Isso é papel das cortes superiores", acrescentou Fux, que assume a presidência da Corte em setembro. Na sua visão, segurança jurídica legal "é evitar uma orgia legislativa, uma série de leis que são editadas a todo momento e que os profissionais do direito têm até uma certa dificuldade de dominar".

Mediado pela jornalista Miriam Leitão, de "O Globo", o evento transmitido pela web teve ainda a participação do presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-RJ), José da Fonseca Martins Júnior, e do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Claudio de Mello Tavares.

Fux afirmou ainda que, por causa da covid-19, "é preciso haver uma readequação econômica de todos os vínculos", inclusive os empregatícios. Ele citou como exemplo bem-sucedido a flexibilização das leis trabalhistas temporariamente para tentar mitigar os efeitos da desaceleração econômica.

"É mais eficiente você manter o contrato, manter os empregos, manter as empresas do que você aplicar linearmente o direito, aniquilando completamente a economia", argumentou Fux, numa referência às medidas provisórias da União que permitiram a redução temporária de salários.

"A Constituição, ao exigir sempre a constância dos sindicatos, ela assim o fez na época em que se previa a hipossuficiência [insuficiência de recursos] do empregado. Mas, agora, nós verificamos que patrões e empregados estavam de acordo com essa flexibilização", justificou ele.

O ministro do STF fez questão de frisar, no entanto, que as leis emergenciais editadas durante a pandemia devem - além de respeitar o Estado de direito - ter caráter temporário, com possibilidade reversão para o status quo anterior à situação emergencial. Fux afirmou que a análise econômica do direito prevê que quando houver "onerosidade excessiva e surpresa jurídica", o juiz ou as partes podem sentar e fazer a readequação do contrato.

"O que o Judiciário pode oferecer de melhor, não só para o público interno mas também para os investidores, neste momento pós pandemia, é efetivamente segurança jurídica para que as empresas e as pessoas saibam aquilo que elas podem fazer e o que elas não podem fazer", ressaltou ele.

Perguntado sobre as crises econômica, sanitária e institucional enfrentadas pelo país, ele criticou o que considera uma ideia equivocada sobre a harmonia e independência dos Poderes. "Essa pseudo-crise institucional, ela se baseia numa ideia promíscua e vulgar de harmonia e independência dos Poderes. A harmonia e independência entre os Poderes, ela não pressupõe um pacto em que o Judiciário não possa rever esses atos eventualmente inconstitucionais praticados pelos demais poderes", afirmou. Ele destacou que o fato de o Judiciário analisar um ato do Legislativo ou do Executivo não significa crise institucional.

Apesar da definição pelo STF de que Estados e municípios têm autonomia para adotar medidas de distanciamento social contra a pandemia, Fux ressaltou que as decisões da Corte não isentaram o Executivo federal de suas incumbências. Para ele, o tribunal tem a obrigação de evitar que pessoas "anticiência" violem o direito à saúde da população.

Presidente do TJ-RJ, Claudio de Mello Tavares disse na live que o Judiciário não deve se intrometer em decisões tomadas pelo Executivo. "Não pode o Judiciário interferir nos decretos elaborados pelo Poder Executivo, salvo num caso raríssimo de o decreto ser ilegal", opinou. Tavares sustentou que cabe aos governantes estabelecerem os parâmetros para flexibilização do isolamento social e que uma intervenção da Justiça deveria ocorrer apenas em caso de "flagrante ilegalidade". "Compete àquele que foi eleito pelo povo dizer o momento apropriado da flexibilização", disse.

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Direito do Trabalho mudará após pandemia, afirma desembargador 

Beatriz Olivon

Rodrigo Carro 

Isadora Peron

23/06/2020

 

 

O mercado de trabalho vai precisar se adaptar à "tragédia" da pandemia, segundo o presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio (TRT-RJ), José Fonseca Martins Junior. Segundo ele, haverá uma nova modalidade de trabalho, com mais "home office", o que deve implicar em redução de custos, mas em contrapartida haverá um aumento da informalidade. "A pandemia nos obriga a fazer uma revisão da interpretação das normas do direito do trabalho", disse Martins durante "live" transmitida pelo Valor e "O Globo". Para ele, o Judiciário vai precisar ter equilíbrio na interpretação das normas a luz da nova realidade, que não se sabe quanto vai durar.

"Se a gente matar as empresas vamos estar matando os empregados também", disse lembrando que os micro, pequeno e médios empresários são os que mais empregam. Segundo ele, haverá nova modalidade de trabalho através do "home office", com mais uso de videoconferências e automação. Afirmou que, com as mudanças, haverá também redução de custos, pois as empresas não precisarão mais de grandes escritórios para abrigar todos os empregados. "Se o empregado trabalha em regime de 'home office', não fará sentido fornecer por exemplo o vale-alimentação, vale transporte."

Apesar da necessidade de novas interpretações, ele lembrou temas que o tribunal passou a enfrentar com a pandemia, como a tentativa de algumas empresas de dispensar empregados "sem pagar um centavo" com a alegação da teoria do "fato do príncipe", que não se aplica à situação, segundo o desembargador. "O coronavírus não foi feito por ato do poder público, por isso o fato príncipe não se aplica."

Desde o início da pandemia, algumas companhias têm tentado reduzir encargos trabalhistas em demissões. Para isso tentam aplicar à pandemia dois conceitos da CLT, a força maior e o "fato do príncipe". O segundo, atribui o pagamento da indenização ao governo responsável pela interrupção da atividade mesmo quando esta for temporária. A jurisprudência o aplica a situações como desapropriação de terreno ou de imóvel onde funciona uma atividade e que, por esse motivo fica impedida de continuar.

O Valor noticiou que o grupo Fogo de Chão, que hoje pertence à gestora de investimentos Rhône Capital, fez em abril demissões no Rio e disse aos demitidos que não arcaria com o aviso prévio nem com a totalidade da multa sobre o saldo do FGTS por causa do fato do príncipe. Em maio o grupo voltou atrás. Em nota, alegou ter amparo no artigo 486 da CLT para realizar a demissão dos 436 funcionários, mas, dadas as questões jurídicas levantadas e o impacto desaa solução para os membros das equipes e suas famílias, reconsiderou. Para o desembargador, superada a pandemia, haverá um novo mundo e um novo direito do trabalho. "Devemos ver o direito do trabalho de forma moderna, olhando o direito do trabalhador mas sem esquecer importância das empresas."

Na mesma live, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Claudio de Mello Tavares, recomendou "cautela" na volta ao trabalho em meio à pandemia de coronavírus e afirmou que os empregadores deverão dar condições para que o retorno seja feito com segurança. "Até a descoberta da vacina temos que ter cuidado.

Defendeu ainda que "é necessária a consciência dos empresários" para que sejam dadas condições para que os empregados trabalhem em um ambiente seguro.