Título: Fim da corrupção, o milagre de Natal
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 24/12/2012, Política, p. 2

O Correio perguntou à população do Distrito Federal qual seria o pedido para Papai Noel com relação à política. A maioria das pessoas respondeu que gostaria de ver o bom velhinho acabar com o desvio de dinheiro público

Se nos pedidos rabiscados nas cartinhas para Papai Noel houvesse cunho político, o bom velhinho teria uma tarefa das mais árduas. O Correio foi às ruas de Brasília saber quais os desejos natalinos da população em relação à política, e percebeu que, na capital federal, onde os principais cartões-postais abrigam instâncias máximas do poder e são usados como tabuleiro do jogo político, um anseio se impõe: o de assistir ao fim da corrupção.

O resultado em nada surpreendeu o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Rennó. “Nas pesquisas públicas sobre problemas nacionais, a corrupção é um dos principais problemas apontados pelos entrevistados. Fica atrás da saúde e à frente da violência”, afirmou, referindo-se ao estudo Barômetro nas Américas, realizado desde 2006. Para o professor, a divulgação de escândalos ajuda a manter a corrupção no alto da lista de chagas que afetam e preocupam a sociedade.

O último a vir à tona revelou um esquema criminoso de negociação de pareceres técnicos e uso da administração pública para atender a fins particulares. Deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal em 23 de novembro, a primeira fase da Operação Porto Seguro terminou com 24 denunciados, incluindo a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Nóvoa de Noronha e os irmãos Paulo e Rubens Vieira, ex-diretores das agências nacionais de Águas (ANA) e de Aviação Civil (Anac), respectivamente. O número de denúncias pode aumentar, pois ainda não foram concluídos os inquéritos abertos para investigar atos de improbidade administrativa e de lavagem de dinheiro dos envolvidos. Outro escândalo vivo na memória do brasileiro é o mensalão. O julgamento do caso foi concluído com a condenação de 25 dos 37 réus.

Opinião pública Para Lúcio Rennó, casos assim têm reflexo direto na opinião pública sobre a classe política e impacta negativamente no apoio popular às instituições democráticas. O professor destaca, no entanto, que as recentes investigações e o resultado da Ação Penal 470 têm mostrado maior capacidade do Estado em identificar e punir o problema. Para Rennó, o fato de a corrupção ser apontada como um dos principais problemas nacionais não significa que a democracia esteja ameaçada.

Mais justiça é o desejo da professora Mônica Macêdo, nascida no Rio de Janeiro e radicada em Brasília há uma década. Nas aulas para crianças de 10 anos, ela ensina quais são os mecanismos de fiscalização disponíveis para a população, e mostra como a internet pode servir para facilitar o acompanhamento da atividade parlamentar. “De tanta impunidade, parece que as pessoas não acreditam mais na democracia. Ainda estamos engatinhando no processo democrático e precisamos reagir, exigir nossos direitos. E isso passa pela educação”, disse.

Para o cientista político e diretor do Centro de Estudos Avançados da UnB, Ricardo Caldas, o problema é que a população diz querer o fim da corrupção, mas não se mobiliza para combatê-la. “As pessoas querem que ao problema acabe da boca para fora, mas não estão dispostas a colocar isso na agenda. Não é a prioridade. Escrever para Papai Noel acabar com a corrupção é fácil. Desse jeito, esse desejo continuará no campo dos sonhos, permanecerá irrealizável.”

Ricardo Caldas citou as críticas à Marcha contra a Corrupção, que ocorreu em outubro passado, como exemplo da discrepância entre discurso e prática. Munidos de vassouras nas cores verde e amarelo, os manifestantes foram à frente do Congresso Nacional pedir uma faxina na política. “Em vez de comparecer, de pensar em ajudar ou de pelo menos divulgar o ato, muita gente criticou o movimento e tratou os participantes como alienados apartidários, que não estavam contribuindo com nada. É aquela história de chamar o Brasil de país do futuro. É o país do futuro e sempre vai ser.”

Sonho natalino O que você pediria a Papai Noel para a política?

João da Mata, 28 anos, cozinheiro “Gostaria de pedir para as pessoas serem mais honestas na política, mas é um pedido difícil”

Janiele Alves, 27 anos, paginadora “Se eu fosse fazer um pedido natalino em relação à política, pediria menos corrupção. Está tudo muito bagunçado e a população está descrente na política. Eu estou descrente”

Jussara Pereira Fernandes, 36 anos, designer de interiores “Eu queria que houvesse mais honestidade. Acho que mais punição e uma punição mais rápida ajudariam a aumentar a credibilidade na política”

Irani Veríssimo Alves, 57 anos, empregada doméstica “Eu gostaria de pedir melhorias nos hospitais e nas escolas. É preciso ter mais investimentos nessas áreas”

Maciel Cavalcante, 57 anos, motorista “Eu pediria a Papai Noel para fechar o Congresso Nacional. Tem muita corrupção. Cheguei a rasgar meu título de eleitor”

Denise Braga, 41 anos, terapeuta “Se eu fosse fazer um pedido a Papai Noel, pediria para atenuar o legado da perversidade e da desonestidade deixado pelos políticos”

Pedro Henrique Santos, 18 anos, estudante “Eu pediria menos corrupção. A situação está trágica. Agora está melhorando porque alguns envolvidos no caso do mensalão estão sendo punidos, mas não acho que Papai Noel consiga atender meu pedido”

Rogério Rabello, 74 anos, economista “Eu queria que aparecesse um novo Juscelino Kubitschek para levar a população para a Amazônia, acabar com o narcotráfico e com o crime organizado em São Paulo e no Rio de Janeiro”

Luana Medeiros, 17 anos, estudante “É preciso investir mais em saúde. Esse é um setor que está recebendo poucos investimentos”

Cleiton Siqueira, 30 anos, autônomo “Gostaria de pedir que os políticos tivessem mais transparência com o dinheiro usado e com as decisões que eles tomam. Tem muita coisa que a gente só fica sabendo quando surgem os escândalos”

Alexandre Ribeiro, 38 anos, professor de história “Eu pediria a Papai Noel a restauração da monarquia parlamentar, o fim da corrupção e uma melhor distribuição da renda”

Valdeci Pereira Silva, 48 anos, empregada doméstica “Eu queria que houvesse mais investimento em segurança e que se prestasse mais atenção na proteção das crianças”

Mônica Macêdo, 43 anos, pedagoga “Eu gostaria que houvesse mais fiscalizações e que o poder público atuasse de fato em prol dos fins para os quais foram eleitos”

Beatriz Rios, 72 anos, pedagoga “Eu gostaria que os dirigentes tivessem mais consciência e foco em prioridades humanitárias, como saúde. Também pediria menos corrupção e menos corporativismo”

Kênia Gomes do Carmo, 39 anos, militar “Se eu fosse fazer um pedido, pediria o fim da corrupção. Se melhorasse isso, melhoraria tudo”

Joaquim Matos, 43 anos, comerciante “Eu queria que houvesse mais honestidade e compromisso dos políticos com o que eles prometem. Eu acredito em Papai Noel, mas na política não acredito mais”

Fernando Camargos da Silva, 34 anos, motorista “É preciso investir nas áreas mais negligenciadas: saúde, educação e segurança”

Romelita Milagres, 58 anos, farmacêutica “Tinha que começar tudo outra vez. Falta profissionalismo na política”

Jorge Caetano Júnior, 47 anos, veterinário “Eu pediria para os políticos mais compromisso com as necessidades reais do brasileiro. A reforma política é uma delas. É preciso fazer uma reforma de qualidade para a gente poder ver melhorias no futuro”

David Medeiros, 24 anos, administrador “Gostaria de ver menos corrupção. Mas as punições no julgamento do mensalão estão fazendo as pessoas acreditarem que é possível mudar”