O Estado de São Paulo, n.46242, 26/05/2020. Metrópole, p.A11

 

OMS suspende estudo global de hidroxicloroquina

Mariana Hallal

26/05/2020

 

 

Pesquisa sobre eficácia do remédio para tratar a covid-19 incluía 3,5 mil pacientes de 17 países; Brasil diz que manterá orientação

Sem evidências. Remédio é usado para tratamento de malária e artrite reumatoide e vinha sendo testado em pacientes infectados pelo novo coronavírus

O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, afirmou ontem que o uso da hidroxicloroquina está suspenso no ensaio clínico internacional Solidariedade (Solidarity). A decisão foi baseada em um estudo publicado na revista científica The Lancet e será revisada nas próximas semanas. Atualmente, 3,5 mil pacientes de 17 países estão inscritos na pesquisa.

De acordo com Adhanom, o assunto foi tratado no último sábado pelo grupo executivo do estudo, formado por representantes de dez países. No encontro, ficou decidido que o uso da hidroxicloroquina será suspenso até que se consiga fazer uma “análise abrangente e uma avaliação crítica de todas as evidências disponíveis globalmente”.

O uso da substância para o tratamento de infectados pela covid-19 tem sido motivo de embates. Embora não existam evidências científicas que orientem a aplicação da droga no tratamento, o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina vem sendo defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Na semana passada, o Ministério da Saúde recomendou a prescrição do medicamento para pacientes em estágio inicial da covid-19.

O estudo publicado na Lancet, na semana passada, no entanto, concluiu que o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina em pacientes com o coronavírus, mesmo quando associadas a outros antibióticos, aumenta o risco de morte e de arritmia cardíaca.

Ontem, em coletiva de imprensa após o anúncio da OMS de suspensão de estudos sobre o medicamento, o Ministério da Saúde indicou que vai manter a orientação para uso precoce do remédio. “Estamos muito tranquilos a despeito de qualquer instituição ou entidade internacional que venha a cancelar os seus estudos com a medicação”, disse Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

Mayra falou que o estudo publicado na Lancet não é “metodologicamente aceitável” como referência para as decisões tomadas pelo Ministério. “O que nós queremos reafirmar é que estamos seguindo, sobretudo, princípios bioéticos.”

Avaliação. Segundo Adhanom, a revisão no ensaio global vai considerar os dados coletados até o momento pelo estudo Solidarity e, em particular, os dados disponíveis randomizados e robustos, “para avaliar adequadamente os possíveis benefícios e malefícios desse medicamento.”

Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, garantiu que a suspensão não está ligada a nenhum problema com o ensaio clínico em si. “Estamos agindo com cautela”, afirmou.

Além da hidroxicloroquina, o estudo da OMS usa o remdesivir; uma combinação de dois medicamentos para o HIV, lopinavir e ritonavir; e a mesma combinação mais interferon1A, um mensageiro do sistema imunológico que pode ajudar a paralisar o vírus. Os outros três medicamentos continuarão sendo testados.

No Brasil, o Solidariedade é coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e realizado em 18 hospitais de 12 Estados. Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz, explica que a decisão de interromper temporária ou definitivamente parte de um estudo é comum. “Isso faz parte das normas éticas internacionais. Tem gente querendo politizar essa decisão, mas ela não tem nada de surpreendente”, garante.

A médica, que se recuperou recentemente da covid-19, diz que nunca usou a cloroquina ou a hidroxicloroquina em nenhum paciente, não recomenda aos colegas e não usou durante o próprio tratamento.

Ela afirma que a prescrição do remédio foi interrompida em quase todos os hospitais da rede privada porque a informação científica gerada sobre o tema tende a não recomendar a administração da droga para pacientes com a covid-19. Por outro lado, a médica diz que viu a cloroquina e outros medicamentos, como vermífugos, serem distribuídos à população na rede pública. “Isso é uma loucura porque não tem nenhuma validação.”

Visões

“A cloroquina foi usada como um fármaco da esperança. Hoje eu chamaria de quimera da decepção.”

Margareth Dalcolmo

PNEUMOLOGISTA DA FIOCRUZ

“Estamos muito tranquilos a despeito de qualquer instituição ou entidade internacional que venha a cancelar os seus estudos com a medicação.”

Mayra Pinheiro

SECRETÁRIA DE GESTÃO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO NA SAÚDE DO MINISTÉRIO