Valor econômico, v.21, n.5026, 22/06/2020. Política, p. A6

 

Corporativismo reduz chance de cassação de mandato de Flávio

Vandson Lima

Renan Truffi

22/06/2020

 

 

Corporativismo e a manutenção de interesses particulares dos senadores pesam, neste momento, contra um possível processo que leve à cassação do mandato de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Com o Senado desarticulado e em reuniões à distância por causa da pandemia - no caso das comissões, nem isso -, qualquer movimento, se ocorrer, só deve ganhar fôlego após a volta dos encontros presenciais, ainda sem data.

O Rede, que já havia apresentado representação contra o filho do presidente Jair Bolsonaro em 19 de fevereiro, requisitou ao presidente da Comissão de Ética da Casa, senador Jayme Campos (DEM-MT), análise imediata da admissibilidade da medida, dados os fatos novos trazidos pela prisão do ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, em um imóvel que pertence ao, até ontem, advogado do senador, Frederick Wassef.

A possibilidade de se configurar uma quebra de decoro cometida por Flávio durante o mandato de senador, caso se revele que ele atuou para ajudar a esconder Queiroz, evitando que ele prestasse esclarecimentos à Justiça, é o motor do novo pedido. Mas, estranhamente, o Senado não se movimentou em torno da ofensiva a Flávio. Nem mesmo as siglas que compõem a oposição. O pedido é assinado apenas pelo Rede e pelo Psol, que não tem representante no Senado.

Segundo fontes da Casa ouvidas pelo Valor, pesa um certo "espírito de corpo", no qual os senadores avaliam cassar um mandato como algo "delicado" e que pode abrir caminhos para que vários outros possam virar alvo. Além disso, com a crise por conta pandemia do coronavírus e eleições municipais no horizonte, muitos senadores preferem não mexer nesse vespeiro. Avaliam que, salvo se surgir prova cabal de ilegalidade na conduta de Flávio, no momento vale mais manter as portas abertas nos ministérios para suas demandas regionais. Há até senador que, nos bastidores, diz Flávio é "um cara legal", de boa convivência no parlamento - ao contrário da beligerância que marca a atuação pública da família Bolsonaro.

Por fim, há o jogo de forças que a situação impõe. Quanto mais frágil é a situação de Flávio, mais o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) ganha poder de barganha junto ao Palácio do Planalto. Ele atuou pessoalmente para fazer de Jayme Campos, seu aliado, o presidente do Conselho de Ética - uma prática comum na Casa: Os ex-presidentes do Senado José Sarney (MDB-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL) confiaram a tarefa, por seis mandatos de dois anos cada, ao escudeiro João Alberto Souza (MDB-MA), que entre outros salvou, em 2017, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), arquivando pedido de cassação por quebra de decoro após surgirem conversas em que o parlamentar pedia dinheiro ao empresário Joesley Batista.

Para Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apesar de todas as dificuldades, o desenrolar dos fatos só tende a complicar mais e mais o primogênito de Bolsonaro. "A situação mudou totalmente. O sujeito da ação é o advogado dele. Quebra de decoro é um conceito bastante alargado, mas podemos lembrar, por exemplo, do caso [do deputado] Eduardo Cunha, que foi cassado por ter mentido a uma CPI sobre manter contas no exterior", lembra.

Segundo o caseiro de Wassef, ouvido pela Polícia Federal, Queiroz estava no imóvel havia um ano. Há um ano, em junho de 2019, o senador dizia, quando questionado sobre o ex-assessor: "Eu não tenho mais nenhum tipo de contato com ele [Queiroz] há quase um ano [desde 2018]. Nunca mais falei. A última notícia que tive, foi pela imprensa".

Ontem, o senador oficializou a saída de Wassef no Twitter. "A lealdade e a competência do advogado Frederick Wassef são ímpares e insubstituíveis. Contudo, por decisão dele e contra a minha vontade, acreditando que está sendo usado para prejudicar a mim e ao presidente Bolsonaro, deixa a causa mesmo ciente de que nada fez de errado", disse. (Colaborou Raphael Di Cunto)

Leia:https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/22/corporativismo-reduz-chance-de-cassacao-de-mandato-de-flavio.ghtml

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Caso Queiroz avança sobre os "meninos" da milícia 

Cristian Klein

22/06/2020

 

 

Mais do que a caracterização do esquema das rachadinhas, linha de acusação com robustez para apresentação de denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, preso na quinta-feira, o maior estrago da Operação Anjo para o Palácio do Planalto é o avanço da investigação sobre a relação do clã Bolsonaro com as milícias cariocas. O que era uma possibilidade, muito explorada politicamente nas ruas e nas redes sociais pela oposição ao presidente da República, ganhou contornos concretos.

Se nas quebras de sigilo bancário e fiscal e mandados de busca e apreensão do ano passado o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) tinha aberto o leque ao mirar mais de cem pessoas físicas e jurídicas envolvidas no esquema, agora a Promotoria concentrou esforços que mostram a proximidade de Queiroz e sua mulher Márcia, considerada foragida, com o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, morto pela polícia em fevereiro, no interior da Bahia.

Há evidências de que Adriano era bem mais do que o marido e o filho de duas funcionárias de Flávio, entre as dezenas de servidores fantasmas lotados no gabinete do filho mais velho de Jair Bolsonaro, quando ele era deputado na Assembleia Legislativa do Rio. No pedido de prisão preventiva de Queiroz e Márcia, o MP fluminense demonstra por meio de áudios e mensagens de aplicativo a grande intimidade entre a mulher do operador de Flávio e a mãe de Adriano, Raimunda Vera Magalhães. Elas formam uma dupla dinâmica a executar os planos do grupo, por causa das restrições de contato físico e telefônico entre Queiroz e o miliciano, com quem o ex-assessor de Flávio trabalhou no 18º Batalhão da Polícia Militar, em Jacarepaguá.

Numa transação com modalidade aparentemente distinta a dos saques e depósitos fracionados das rachadinhas, nas quais funcionários de Flávio repassavam a quase integralidade de seus salários, o MP do Rio identificou transferências de mais de R$ 400 mil de duas pizzarias em nome de Adriano e sua mãe para a conta de Queiroz. Há ainda o curioso relato de um homem que, por intermédio de Márcia, pede ao ex-policial militar para protegê-lo dos "meninos", após ter sido ameaçado por milicianos que dominam comunidades da zona oeste carioca. "Aí eu queria que se desse para ele ligar, se conhecer alguém daqui, Tijuquinha, Rio das Pedras, os 'meninos' que cuida (sic) daqui", roga o interlocutor.

Queiroz aparece como um vendedor, não de carros - como justificou por escrito ao MP para ter uma movimentação bancária incompatível com seus rendimentos - mas de influência. Seja por seu poder local, com a parceria com a criminalidade praticada por ex-PMs, ou pelo acesso ao poder político, a "cúpula de cima", com quem se diz capaz de obter cargos e resolver problemas.

Num deles, que mereceu uma nota de pé de página no documento do MP, Queiroz é requisitado por uma pessoa chamada Heyder, em setembro do ano passado, a ajudar "Major Edson e Tenente Medeiros, do caso Amarildo". Trata-se dos dois principais policiais militares, de um grupo de 13, condenados, entre outros crimes, pela tortura e desaparecimento do pedreiro Amarildo dos Santos, na favela da Rocinha, em 2013.

Na mesma época, Bolsonaro comunicava à imprensa que planejava um indulto a policiais condenados por crimes de grande repercussão como os massacres de Eldorado do Carajás e do Carandiru. Para isso, chegou a pedir a comandantes da PM que enviassem o nome de possíveis beneficiados.

Em nenhum momento, o MP fluminense cita o presidente, que não está em sua alçada. Mas por trás de Queiroz e companhia, como uma entidade a guiar as estratégias para escapar da Justiça, está o "Anjo", que dá nome à operação. É o codinome do ex-advogado de Flávio, Frederick Wassef, dono da casa onde Queiroz estava escondido havia um ano. Wassef também é advogado e conselheiro de Bolsonaro, e frequenta assiduamente o Planalto e o Alvorada. O presidente agora busca se afastar dele. Uma tarefa improvável e dos diabos.