Valor econômico, v.21, n.5026, 22/06/2020. Política, p. A8

 

Mendonça ganha espaço e vira ministro "palaciano"

Luísa Martins

Matheus Schuch

22/06/2020

 

 

As sucessivas crises políticas que atingiram o governo federal alteraram o rumo da carreira de André Mendonça, que iniciou 2019 como um técnico que chegara ao topo da carreira da Advocacia-Geral da União (AGU) e, agora, é um dos principais conselheiros do presidente Jair Bolsonaro. Desde que assumiu o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, após a saída de Sergio Moro, tem sido uma figura central no Executivo, em meio às tensões que circundam o presidente e seus aliados. Sua assiduidade na agenda do chefe é tamanha que, nos bastidores, ele já foi elevado ao status informal de ministro "palaciano" - referência aos que trabalham no Palácio do Planalto e são mais próximos do presidente.

Interlocutor de Bolsonaro para discutir os cada vez mais frequentes embates com o Supremo Tribunal Federal (STF), Corte que um dia almeja integrar, Mendonça encontrou-se com o presidente em 29 dos últimos 35 dias úteis. Considerando que Bolsonaro viajou neste período, tem-se que é raro o dia em que o ministro da Justiça não despacha no Planalto (Moro, seu antecessor, esteve no Palácio 11 vezes em seus últimos 35 dias no cargo).

Enquanto isso, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Levi, teve 15 reuniões com o presidente no mesmo período, segundo as agendas oficiais. A diferença chama a atenção por se dar justamente no momento em que o governo está sendo repetidamente demandado na Justiça, principalmente em razão da pandemia do novo coronavírus. Só na semana passada, pelo menos 90 processos de interesse da União chegaram aos gabinetes do Supremo.

Mesmo "promovido" de AGU a ministro da Justiça - consequência da dança das cadeiras ocasionada pela saída de Moro -, Mendonça parece não ter abandonado a veia da advocacia. Apesar de não ser exatamente atribuição de sua pasta, recentemente ele tomou a dianteira em algumas frentes judiciais para proteger Bolsonaro e seu grupo político.

Foi Mendonça quem impetrou um habeas corpus (HC) no Supremo, em 28 de maio, para que o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, fosse excluído do inquérito das "fake news". O pedido foi rejeitado pelo plenário virtual.

O ministro antevia o resultado. Com 20 anos de carreira na advocacia pública, estava ciente da súmula do Supremo que não permite HC contra ato de qualquer um de seus juízes. A iniciativa foi puramente política, para mostrar que o Executivo estava atento a supostos abusos do Judiciário, disse ao Valor um auxiliar próximo ao ministro.

O HC em favor de Weintraub foi costurado em um encontro no Palácio do Planalto, que estava insatisfeito por ter sido exposto no vídeo da reunião interministerial de 22 de abril - ocasião em que o ex-chefe do MEC chamou os magistrados do STF de "vagabundos".

Cogitou-se que o próprio presidente ajuizasse o pedido ou até mesmo que a petição fosse assinada por todos os ministros de Estado, mas Mendonça puxou a responsabilidade para si, evocando o bom trânsito que de fato tem entre ministros do Supremo.

Fontes ligadas a Levi afirmaram que o habitual seria que a AGU - a quem cabe a defesa do governo na Justiça - tivesse sido acionada primeiro para encampar a estratégia. Porém, como a Constituição permite que qualquer pessoa impetre HC em favor de quem quer que seja, não seria o caso de apontar ilegalidade.

Entre ministros da Corte, o entendimento foi parecido. Magistrados disseram reservadamente ao Valor que o fato de o autor ser o ministro da Justiça, e não o AGU, é inusual - mas que, diante do tom antidemocrático ultimamente adotado por grupos bolsonaristas, é de se comemorar que as insatisfações do governo cheguem ao tribunal pelas vias recursais. "Faz parte do jogo", disse um deles.

Em outras frentes, Mendonça determinou à Polícia Federal (PF) a abertura de dois inquéritos: um para apurar o vazamento de dados pessoais de Bolsonaro e familiares pelo grupo hacker Anonymous; e outro para investigar a publicação, pelo jornalista Ricardo Noblat, de uma charge que insinuava um flerte do presidente com o nazismo.

A atuação proativa de Mendonça, que não era adotada pelo antecessor, é vista por auxiliares como uma estratégia de "fidelidade" ao governo, com vistas a uma futura vaga no STF. Para a próxima, que abre em novembro com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, Bolsonaro está inclinado a indicar o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, outro de seus conselheiros sobre o STF. Porém, ainda há quem tente convencê-lo de que Mendonça cumpre melhor o requisito do "notório saber jurídico", exigido para ocupar uma cadeira na Corte. Além disso, por ser pastor, enquadra-se no quesito "terrivelmente evangélico" que Bolsonaro busca ver no plenário do STF.

Aliados do presidente enxergam em Mendonça um movimento natural, devido à proximidade que vem construindo com Bolsonaro desde 2018. De mero desconhecido - o presidente o escolheu advogado-geral da União no dia em que Oliveira os apresentou -, virou homem de confiança.

A relação foi se estreitando à medida em que Bolsonaro passou a divergir de Moro com mais veemência. "O presidente já tinha afinidade com André desde a AGU. Inclusive tratava com ele questões que deveriam ser tratadas com o MJ. Isso é política, a gente ouve quem confia", explicou uma fonte. Alçado a ministro da Justiça, foi a vez de ele próprio sugerir que Levi para a AGU.

O atual advogado-geral, ex-procurador-geral da Fazenda Nacional, é discreto, foca sobretudo na área econômica e praticamente só se manifesta nos autos dos processos de interesse da União no STF. Em dois meses de gestão, protocolou 135 peças judiciais, 59 memoriais e fez seis sustentações orais no plenário da Corte. Pouco afeito às redes sociais, não dá declarações públicas de tom político. Sexta-feira, em "live" promovida pela TV Conjur, afirmou ter "fé nas instituições, fé na democracia e no diálogo entre pessoas de boa vontade".

Não é primeira vez que um ministro da Justiça desempenha papel político para ajudar o presidente a gerir crises. Isso ocorreu, por exemplo, durante o escândalo do mensalão no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e também quando o ex-presidente Michel Temer enfrentou denúncias. (Colaborou Isadora Peron)