O Estado de São Paulo, n.46239, 23/05/2020. Notas e Informações, p.A3

 

O adiamento do Enem

23/05/2020

 

 

A pedido das universidades federais, o Senado aprovou projeto que permite o adiamento de provas de acesso para o ensino superior “sempre que houver reconhecimento de estado de calamidade pelo Congresso”. A iniciativa viabilizou o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que estava previsto para novembro. Como o ministro da Educação, Abraham Weintraub, vinha insistindo em manter as datas previstas, a Câmara anunciou que votaria, nos próximos dias, um projeto com o mesmo objetivo do do Senado. Por seu lado, o Ministério Público Federal (MPF) informou que pediria na Justiça o adiamento do Enem. Diante de tanta pressão e derrotado politicamente, Weintraub finalmente cedeu.

A nota do Enem é a principal porta de entrada no ensino superior do País. Ao justificar o pedido de adiamento, as universidades apresentaram dois argumentos. Alegaram que, como os alunos da rede pública de ensino médio foram mais prejudicados do que os da rede privada, por causa da política de isolamento social, a manutenção do calendário favoreceria os estudantes mais ricos, aumentando a desigualdade no acesso ao ensino superior gratuito. Também afirmaram que, dada a diferença de qualidade entre o ensino público – que concentra 80% dos alunos do ensino médio – e o privado, a manutenção das datas da prova do Enem feriria o princípio constitucional da igualdade.

O que levou o governo a insistir em realizar o Enem na data prevista decorreu não de uma razão técnica, mas política. Mais uma vez ideologizando suas decisões, Weintraub alegou que o adiamento era uma bandeira da esquerda. Além disso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a ele subordinado, informou na semana passada que não tinha um “plano B” para o adiamento do Enem.

Quando percebeu a encrenca em que se metera, Weintraub acenou com a possibilidade de fazer, em junho, uma consulta aos estudantes inscritos no Enem, para saber se queriam ou não seu adiamento. A promessa foi feita pelo Twitter, no começo da semana. “Democracia é isso”, afirmou ele. Após a derrota que sofreu no Senado, o ministro teve de mudar a estratégia. Em vez de perguntar se os 4 milhões de estudantes inscritos no Enem querem manter ou adiar as provas, a consulta agora é para saber se preferem que a nova data seja entre 30 e 60 dias depois do previsto.

Esse problema não teria ocorrido se o ministro fosse competente. Quando a pandemia começou, a maioria dos países que aplicam provas similares às do Enem imediatamente adiou sua realização. Além de não ter agido em tempo,

Weintraub ainda tentou explorar politicamente sua decisão, afirmando que a consulta é uma iniciativa democrática. O argumento, porém, é enganoso. Como agora o Inep terá de preparar às pressas um “plano B”, ao atrasar-se para promover essa “consulta democrática”, o ministro só agravou um problema que já era complexo por natureza.

Se por um lado é evidente que a suspensão das aulas durante o período de isolamento prejudicou os estudantes das escolas públicas, por outro o adiamento do Enem acarretará dificuldades para as universidades. Como elas têm de efetuar as matrículas dos ingressantes, esse adiamento poderia, do modo como fosse feito, desorganizar o cronograma escolar de 2021. Foi por isso que, no documento em que pediram o adiamento das provas do Enem e criticaram o tratamento político que o ministro da Educação dava a uma questão técnica, as universidades propuseram que o Enem fosse realizado, no máximo, até janeiro. Essa é a data-limite para que possam processar as matrículas em fevereiro sem comprometer o início das atividades letivas previsto para março.

Ao propor a consulta para que os inscritos no Enem decidam se as provas sejam até 60 dias depois do previsto, ou seja, em janeiro, Weintraub deixou claro que as universidades estavam certas e que ele estava errado. Essa foi mais uma demonstração do que acontece quando um ministro da Educação trata questões técnicas com critérios ideológicos.