Título: Impasse constitucional
Autor: Pedreira, Vinícius
Fonte: Correio Braziliense, 24/12/2012, Mundo, p. 12

Governo do presidente egípcio, Mohamed Morsy, anuncia aprovação da nova Carta. Líderes da oposição denunciam fraudes na segunda etapa do referendo e preparam recurso à Suprema Corte do país para impedir a promulgação

Grupos de oposição, como a coalizão Frente de Salvação Nacional (FSN), contestaram o resultado da vitória do "sim", apontando que o pleito teve "fraudes, violações e irregularidades". A FSN afirmou que irá recorrer. Um dos líderes do grupo político, Hamdeen Sabbahi disse que várias queixas já foram apresentadas à Justiça. Segundo o opositor Amr Hamzawv, "nossa luta é pacífica, queremos derrubar uma Constituição inválida marcada por irregularidades e uma fraca taxa de participação". As declarações acontecem após projeções não oficiais divulgadAs pela Irmandade Muçulmana partido do presidente Mohamed Morsy — e mídias estatais declarando a vitória do "sim" no polêmico referendo constitucional do Egito. A Comissão Eleitoral deve anunciar os números finais hoje.

A segunda fase de consulta à população, assim como a primeira, foi marcada por denúncias dos dois lados. As informações iniciais sobre o último dia de pleito, no sábado, apontam que 71% dos eleitores votaram "sim" — porcentagem esperada por ter sido realizado em regiões que apoiam o presidente. Na primeira etapa, a vitória governista foi apertada, com 57% da preferência. Combinadas as duas consultas, o total de aprovação do projeto atinge 64%. No entanto, segundo analistas, houve uma baixa participação popular. Apenas 33% dos 51 milhões de eleitores registrados compareceram às seções eleitorais, o que representa a insatisfação e a divisão sobre o tema.

O Partido da Liberdade e Justiça, ala política da Irmandade Muçulmana, disse esperar que o "sim" possa amenizar os conflitos e trazer estabilidade. Já a oposição garante que o texto não contempla liberdades e direitos individuais, tendo um caráter de islamização do país. Realizar a votação em duas zonas e em dias diferentes foi uma decisão a fim de lidar com o possível boicote de muitos juízes encarregados de supervisionar a eleição, insatisfeitos com o presidente Morsy, acusado diminuir a independência do poder Judiciário.

Dentro do clima de divisão entre os dois poderes, centenas de promotores começaram uma manifestasção pacífica e uma greve parcial para pressionar o Conselho Superior da Magistratura Judicial a aceitar a renúncia imediata do procurador-geral, Abdullah Talaat, que semana passada havia deixado o cargo, mas voltou atrás na decisão. Diversas manifestações durante a votação também foram registradas, inclusive com manifestantes carregando retratos do ex-ditador Hosni Mubarak, como provocação, pois o presidente Morsy busca demonstrar a luta pela redemocratização do país.

Para o professor de Ciência Política da Universidade de Berkeley, Steven Fish, a forma como a Constituição está sendo elaborada e apresentada para a população é problemática desde o começo, por levantar dúvidas da sua legitimidade. "O presidente acabou abruptamente com a discussão que estava em curso sobre o tema e declarou a antecipação do referendo, além de ter ampliado seus poderes à época. Esta não é a forma como uma Carta Magna deve ser escrita; sem transparência", explica ao Correio.

Irregularidades Por todo o Egito, reclamações de fraudes surgiram. A primeira crítica foi feita à iniciativa de estender o final do horário de votação das 19h para as 23h. Fontes do governo afirmam que a decisão foi tomada devido ao baixo índice de participação, mas a oposição alega que foi uma manobra para que os partidários de Morsy pudessem influenciar eleitores a aprovarem o projeto.

Segundo o site de notícias Ahram Online, houve queda de energia em cerca de 20 aldeias na província de Menoufiya, prejudicando o pleito. De acordo com o Ministério Público e Judiciário, houve supervisão judicial inadequada, atrasos na abertura das mesas de votos e propagandas, dos dois lados, na tentativa de influenciar os eleitores. O partido de oposição Aliança Popular Socialista também emitiu um comunicado alegando que a votação de três estações eleitorais na província de Qena, com maioria de cristãos coptas, ficaram fechadas por longas horas durante o processo, sem nenhuma explicação oficial.