O globo, n. 31699, 21/05/2020. País, p. 6

 

Barroso vota para restringir MP que livra agentes públicos

André de Souza

21/05/2020

 

 

Ministro do STF defendeu que atos contra a Covid-19 considerem a ciência

 O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem para restringir o alcance da medida provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro que livra qualquer agente público de processos civis ou administrativos motivados por ações de combate à pandemia da Covid-19.

Se o voto dele prevalecer no plenário da Corte, medidas que possam levar à violação aos direitos à vida e à saúde ou sem o embasamento técnico e científico adequado poderão ser punidas.

Barroso é o relator de seis ações que questionam a MP, editada na semana passada. Os demais ministros do STF vão se manifestar na sessão de hoje. A decisão será tomada por maioria de votos.

A MP do governo estabelece que as autoridades só poderão ser responsabilizadas se ficar comprovado o dolo (ação intencional) ou “erro grosseiro”. No entanto, estipula que o chamado “erro grosseiro" só estará configurado a partir de cinco variáveis, o que, na prática, torna muito restritivo o enquadramento de autoridade por essa conduta.

Em seu voto, Barroso estabeleceu que erro grosseiro é ato administrativo que “ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado por inobservância: i) de normas e critérios científicos e técnicos; ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção”.

Barroso também propôs que “a autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente as normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria tais como estabelecidos por o e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente e sanitárias reconhecidas, e da observação dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.

Bolsonaro tem sido acusado de ignorar cientistas e técnicos ao minimizar a pandemia e defender medidas como a retomada econômica antes do pico de contágio e a prescrição dos remédios cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves da Covid-19. Ontem, por pressão do presidente, o Ministério

da Saúde divulgou novo protocolo que amplia a recomendação do uso dos medicamentos.

ISOLAMENTO E CLOROQUINA

Ao votar, Barroso comentou os dois temas, mas não fez menção a Bolsonaro:

— O debate público acerca dos atos relacionados ao combate à pandemia tem sido marcado por dois temas centrais. O primeiro deles se refere à alegada tensão entre as medidas de distanciamento social necessárias a reduzir o ritmo do contágio pelo Covid-19 e à necessidade de retomar economia brasileira. O segundo tema central no debate público relacionado à pandemia refere-se à utilização de determinados medicamentos, de eficácia ou segurança ainda controvertidas na comunidade científica, para o combate à enfermidade, como é o caso da hidroxicloroquina —disse o magistrado.

A MP do governo foi editada a pedido das equipes do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que receiam serem punidos no futuro. O objetivo seria evitar demora na adoção de medidas de curto prazo para debelar os efeitos econômicos da crise. Mas a MP trata tanto das ações ligadas à Economia quanto daquelas relacionadas à Saúde.