O globo, n. 31699, 21/05/2020. Especial Coronavírus, p. 8

 

Com menos isolamento

Rafael Garcia

Daniel Lima

21/05/2020

 

 

Brasil e o país onde as mortes mais avançam

No dia em que a pandemia de Covid-19 chegou à marca dos 5 milhões de casos globais, o Brasil se consolida como o país do mundo com a tendência mais preocupante no registro de mortes pela doença. E, à beira de chegar à marca de 300 mil casos registrados, a adesão a medidas de distanciamento social aparenta estar caindo, segundo dados coletados pelo Google.

Apesar de ser o sexto país com mais registros acumulados de mortes pela doença, quando se considera o número de óbitos por dia registrados na última semana o Brasil perde apenas para os Estados Unidos. Lá, porém, a média do número de mortes por dia já está caindo, enquanto no Brasil ela sobe consistentemente.

Com 291.579 casos e 18.859 mortes acumuladas até ontem, seguindo essa tendência o número de vítimas fatais no Brasil pode superar, em dez dias,o dos europeus que mais sofrem com a Covid-19: Itália, Espanha, França e Reino Unido,que já têm entre 25 mil e 35 mil mortos. Dez dias atrás, o Brasil estava registrando uma média de 500 mortes por dia — o número agora está em mais de 800.

No gráfico à direita, o valor para cada dia é a média dos sete dias anteriores, para eliminar a flutuação estatística provocada pelo atraso de notificação que ocorre em fins de semana. Mantida esta tendência, em menos de um mês o Brasil se tornaria o país onde a Covid-19 mata mais pessoas por dia.

DADOS IMPERFEITOS

— Nós temos grandes chances de isso acontecer, porque não sei quanto tempo a gente vai conseguir manter o isolamento social — afirma o virologista Amilcar Tanuri, da UFRJ.

O cientista alerta, porém, que dados nacionais escondem desigualdades regionais, e a análise por mortes tem um problema de intervalo que dificulta o parecer sobre a situação imediata. Na Covid-19, a morte é medida 20 ou 30 dias depois da incidência.

Nos dados por casos, a situação do Brasil também sugere uma realidade preocupante, com o país tendo uma média de quase 15 mil casos registrados por dia na última semana. O número se aproxima dos mais de 20 mil/dia que vem sendo registrados nos EUA, que tem uma estimativa de subnotificação menor.

O Brasil não está entre os dez países com maior número de mortalidade per capita, que ainda é dominado por países menores que estão em epidemia com transmissão comunitária da Covid-19 há mais tempo.

Tanuri afirma que, dependendo do estado e da região brasileira, talvez já seja possível aliviar algumas medidas de distanciamento social, mas faltam dados para subsidiar decisões.

QUARENTENA RELAXADA

A despeito de planos para relaxar a mobilidade, o fenômeno já parece estar acontecendo no país como um todo, ainda que seja menos menos intenso no Rio de Janeiro. Após atingir um pico de adesão no final de março, a quarentena pela Covid-19 no Brasil vem progressivamente perdendo a força, indicam dados anônimos de mobilidade de celulares coletados pelo Google.

E, além de já estarem se enfraquecendo, as medidas de isolamento social tiveram adesão menor no país, comparada a outros que sofreram grande impacto pelo coronavírus, como Espanha, Reino Unido e Itália (onde o número de mortes por dia já está em queda).

A exceção são os EUA, que também não conseguiram implementar com força as medidas de isolamento social, mostra o Google.

Analisando a circulação de telefones, a empresa verifica a movimentação de pessoas que ocorre em locais de trabalho, mercados de alimentos, farmácias, parques, varejo e terminais viários. Uma comparação é feita então com um período de referência, que vai de 3 de janeiro a 6 de fevereiro deste ano.

Em 13 de maio, data do último dado coletado pelo Google, o Brasil era o país deste grupo que menos conseguiu reduzir a presença de pessoas em locais de trabalho (queda de 31%), comparado às nações citadas acima. A comparação com latino americanos, como México, também é desfavorável.

Acima do Brasil estão países que tomaram a decisão controversa de enfrentar a Covid-19 sem quarentena, como a Suécia. Segundo Tanuri, os dados de casos e de mortes da epidemia no Brasil, porém, mostram que mesmo uma adesão mais modesta a medidas de isolamento tiveram papel importante em reduzir a epidemia no país.

SATURAÇÃO

— O problema é a quantidade de tempo em que é preciso deixar o país em isolamento para esse efeito se manter — diz o professor da UFRJ.

— A entrada de algumas regiões no isolamento social foi muito rápida, e incluiu locais que tinham pouca incidência da doença, e parece que a população teve uma saturação, por vários motivos.

Um parâmetro medido pelo Google no qual o Brasil foi bem é a presença de pessoas em parques, que caiu mais que nos outros países.

O gráfico abaixo mostra os dados do Google como médias semanais, para eliminar a flutuação de fim de semana. Apesar de ter conseguido atingir uma redução de 61% na movimentação em terminais viários no fim de março, na semana que acaba em 13 de maio o número estava em -45%, uma adesão mais fraca.

RIO E SÃO PAULO

O Google tem divulgado seus dados de oscilação também por estado. Entre aqueles dois com mais casos registrados, São Paulo e Rio, o segundo parece estar tendo melhor isolamento. Em 13 de maio, fluminenses estavam circulando 56% menos em terminais viários (contra 51% menos dos paulistas) e 43% menos em locais de trabalho (contra 35% menos dos paulistas).

Entre estados mais bem sucedidos está o Ceará, que atingiu uma redução de 64% no trânsito em terminais viários e de 49% em locais de trabalho. O Amazonas, onde o sistema de saúde entrou em colapso, teve adesão baixa, com apenas 39% de queda no transporte e 37% em locais de trabalho.