Valor econômico, v.21, n.5025, 19/06/2020. Política, p. A9

 

Bolsonaro vê 'conspiração' em operações

Fabio Murakawa 

Matcheus Schuch

Renan Truffi

Raphael Di Cunto

Isadora Peron

Luísa Martins

19/06/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro enxerga uma conspiração por trás das diversas operações policiais contra seus aliados e familiares, que culminou ontem na prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho e senador, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). A notícia de que a detenção ocorrera na casa de Frederick Wassef, advogado próximo ao presidente e de seu filho, caiu "como uma bomba" no Palácio do Planalto. Essa ligação colocou a crise sobre o colo do presidente e levou o governo a construir uma estratégia para afastá-lo do centro da crise.

A intenção do Executivo também é distensionar a relação com o Judiciário, iniciativa que agrada a oficiais das Forças Armadas, e ganhou forma com a decisão do presidente de confirmar a demissão do ministro da Educação, Abraham Weintraub (ver também Pivô da crise entre o governo e o Supremo, Weintraub pede demissão).

"Não sou advogado do Queiroz e não estou envolvido no processo. Mas o Queiroz não estava foragido e não havia mandado de prisão contra ele", afirmou o presidente no início da noite em transmissão ao vivo nas redes sociais, quando saiu em defesa do antigo aliado. "Foi feita uma prisão espetaculosa, parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra".

O presidente sugeriu que o ex-assessor e amigo de sua família poderia depor de forma voluntária, caso fosse convocado. "Tranquilamente, se tivessem pedido ao advogado, creio eu, o comparecimento dele em qualquer lugar, teria comparecido. Por que ele estava naquela região de São Paulo? Porque é perto do local onde ele faz tratamento de câncer", disse.

Bolsonaro ficou sabendo do ocorrido logo pela manhã, enquanto ainda estava no Palácio da Alvorada. Saiu da residência oficial sem falar com apoiadores, algo raro desde que tomou posse, e tão logo chegou ao Palácio do Planalto recebeu o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, para uma reunião de emergência. Mendonça até pouco tempo atrás ocupava a função de advogado-geral da União e se tornou um dos principais conselheiros do presidente na área jurídica.

No almoço, também se reuniu com outros auxiliares próximos, como os ministros da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, e da Secretaria de Governo da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, e o chanceler Ernesto Araújo, além do líder do governo na Câmara, Major Vítor Hugo (PSL-GO), e o deputado Carlos Bacelar (Pode-BA).

Nos últimos dias, o entorno e apoiadores de Bolsonaro foram alvos de duas grandes operações nos inquéritos das "fake news" e o que investiga a organização de atos antidemocráticos. Segundo fontes palacianas, a notícia da prisão de Queiroz caiu "como uma bomba" no governo, sobretudo porque o ex-PM foi localizado na casa de Wassef. Presença constante nos palácios do Planalto e da Alvorada, o advogado costuma discutir com Bolsonaro o caso da facada que o então candidato levou em um ato de campanha em 2018.

A operação foi interpretada como um "cerco jurídico" contra o presidente e seus familiares, agora com a suposta influência dos governadores do Rio e de São Paulo. Wilson Witzel e João Doria são vistos como adversários políticos no Palácio do Planalto. "A avaliação é de que há um cerco jurídico, não se sabe se coordenado. Mas o movimento que eles entendem ser dos governadores coincide com a operação da PF/STF nesta semana", explicou uma fonte próxima de Flávio Bolsonaro.

Embora o presidente tenha demonstrado indignação e revolta contra mais uma operação policial a atingir seu círculo íntimo, o raciocínio de aliados mais próximos é o de que, se reagir de maneira muito virulenta, o presidente estará se afundando ainda mais nessas questões policiais.

A estratégia sugerida, e que até o momento o presidente vem seguindo, é ser discreto e deixar a defesa política para Flavio e os deputados de sua tropa de choque na Câmara. Interlocutores também questionam por que a operação de hoje atingiu somente Flávio Bolsonaro e não outros envolvidos no esquema de "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio.

Horas depois, o líder do governo verbalizou a estratégia em vídeo divulgado nas redes sociais. "O nosso desejo é que as investigações que se voltam para eventos ocorridos na Assembleia do Estado do Rio de Janeiro atinjam de maneira igual, com o mesmo rigor, imparcialidade e isenção, a todos os citados no relatório do Coaf", afirmou o deputado Vítor Hugo. "O governo Bolsonaro seguirá em frente na luta pela preservação das vidas dos brasileiros e dos seus empregos, até porque essas investigações não atingem em nada as ações do presidente Jair Bolsonaro no passado."

Outra sugestão dada a Bolsonaro foi se afastar de Wassef, que na quarta-feira esteve no Palácio para a posse do novo ministro das Comunicações, Fábio Faria.

Aliados e ex-aliados do presidente relatam que o advogado não desempenhou papel de destaque durante a campanha eleitoral de 2018, embora sempre tenha demonstrado proximidade do atual secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten.

Wassef se apresentava como advogado de Bolsonaro desde setembro do ano passado e se aproximou do presidente depois de conseguir, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma decisão para paralisar as investigações contra Flávio. "O presidente me constituiu como advogado pessoal, me outorgou as procurações. Vou atuar em várias situações, em especial as relativas ao caso Adélio Bispo. É facultado à vítima de um crime a constituição de um advogado para que acompanhe todo o trabalho do Ministério Público", disse Wassef ao Valor na ocasião.

Ontem, porém, a advogada Karina Kufa, aliada de Bolsonaro, afirmou em nota que Wassef não cuida dos casos relativos ao presidente. "O advogado Frederick Wassef não presta qualquer serviço advocatício em nenhuma ação em que seja parte o senhor Jair Messias Bolsonaro e não faz parte do referido escritório, não constando seu nome em qualquer processo", disse Karina.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Fatura do Centrão cresce com prisão

Cristiano Zaia 

Isadora Peron

Luísa Martins

19/06/2020

 

 

Após a prisão do amigo e ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) Fabrício Queiroz, o presidente Jair Bolsonaro deve intensificar a entrega de cargos a partidos do Centrão, de olho na "governabilidade" e como parte de uma estratégia de defesa que se desenha no núcleo do governo.

A maior preocupação, surgida ontem no entorno do presidente, é que Flávio possa ser desgastado a tal ponto com mais um episódio do caso Queiroz que venha a sofrer um processo de cassação no Senado, o que tornaria a aliança com o bloco informal de partidos de centro-direita ainda mais urgente, avalia um auxiliar presidencial. Nesse cenário, a avaliação é de que a pressão por postos no governo também aumentaria, como aconteceu com o movimento de partidos para salvar por duas vezes o ex-presidente Michel Temer de ser afastado.

As negociações políticas podem envolver indicações para cargos até do Ministério da Educação, incluindo a cadeira do próprio ministro demissionário Abraham Weintraub, que anunciou ontem sua saída da pasta. O maior obstáculo do Centrão para emplacar um ministro do MEC como desejam lideranças do grupo político, porém, é que a pasta se tornou um reduto ideológico do governo, diz uma fonte do grupo político do presidente. Dois nomes são cotados para assumir o ministério: o secretário nacional de Alfabetização da pasta, Carlos Nadalim e o secretário-executivo, Antonio Paulo Vogel.

Até agora, o governo cedeu cargos a indicados pelo PP, Avante, PSC, Republicanos e PSD para órgãos como Funasa, Dnocs, FNDE e também negocia outros para a Conab e secretarias dos ministérios da Agricultura e Saúde, que devem se concretizar em breve.

Na leitura de fontes próximas à família Bolsonaro e do Palácio do Planalto, o presidente também tem se preocupado cada vez mais em ampliar sua recente base aliada no Congresso em busca de "governabilidade". "A avaliação do presidente é que não o deixam governar, querem desgastá-lo a todo tempo e por isso precisa se proteger", diz uma pessoa próxima ao núcleo de Bolsonaro.

A avaliação é de que um "cerco jurídico" vindo do Supremo Tribunal Federal (STF) - com os inquéritos sobre "fake news" e suposta interferência na Polícia Federal - do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de governadores adversários como o fluminense Wilson Witzel e até de siglas da oposição visa desestabilizar o governo e tem dificultado seu funcionamento. E, nesse caso, uma ampla aliança com o Centrão não vislumbraria apenas a defesa de Bolsonaro contra um eventual processo futuro de impeachment.

Ontem, Bolsonaro almoçou com parlamentares, alguns deles do Centrão como Fábio Ramalho (MDB-MG), que foi vice-presidente da Câmara; o vice-líder do governo na Câmara, Evair de Melo (PP-ES); e Coronel Chrisóstomo (PSL-RO). No encontro, o presidente demonstrou tranquilidade, procurou enfatizar a necessidade de aprovação de reformas econômicas no pós-pandemia e alertou para o risco de projetos que ampliem os gastos públicos num momento em que o déficit orçamentário explodiu por conta de medidas de enfrentamento à covid-19.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) também avalia que a prisão de Fabrício Queiroz deve enfraquecer o presidente Bolsonaro e deixá-lo ainda mais dependente do Centrão. Para o magistrado, ouvido reservadamente pelo Valor, o fato de o ex-assessor de Flávio ter sido preso em um imóvel do advogado Frederick Wassef, que atua para a família do presidente, "mistura as estações" e deve trazer complicações políticas para o presidente. "Eu acho que o presidente vai ficar fraco. Isso fortalece o Centrão", disse. Juridicamente, porém, ele aponta que ainda não dá para saber quais serão as implicações para o presidente. A investigação que prendeu Queiroz tramita, por ora, na esfera estadual.

Um outro ministro afirmou que a operação de ontem mostra que está "tudo funcionando", apesar das desconfianças em relação a supostas tentativas do presidente de blindar a família e amigos de investigações.

Nos últimos dias, o diagnóstico de auxiliares do presidente era de que ele vinha adotando uma postura de "bandeira branca", a fim de distensionar a crise institucional com o STF, após participar de seguidas manifestações a favor de intervenção militar e fechamento da Suprema Corte.

A depender do perfil imprevisível de Bolsonaro, no entanto, a estratégia do governo também dependerá dos desdobramentos do "caso Queiroz" - um possível depoimento dele preocupam o entorno do presidente.