Título: O lixo está fora do lugar
Autor: Oliveira, Isabela de; Paranhos, Thaís
Fonte: Correio Braziliense, 24/12/2012, Cidades, p. 19
Apenas 31% dos brasilienses separam o resíduo seco do orgânico. E, mesmo assim, 3% das 70 mil toneladas de dejetos recolhidas por mês pelo SLU vão para reciclagem no DF. O governo promete a ampliação do programa de coleta seletiva para todas as cidades
Em tempos de preocupação com o meio ambiente e de busca por um desenvolvimento mais sustentável, o Distrito Federal caminha na contramão da tendência mundial quando o assunto é lixo. Mais de 70 mil toneladas de dejetos são descartados por mês e recolhidas pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU), mas apenas 3%, ou seja, 2,1 mil quilos seguem para a reciclagem. Além da política pública de gestão de resíduos desafinada com a era da sustentabilidade, o comportamento dos brasilienses deixa a desejar. Apenas 31% declararam separar o lixo seco do biodegradável.
O número contrasta com os excelentes índices de escolaridade, de renda e de desenvolvimento humano de Brasília. A capital federal ficou em penúltimo lugar no ranking de 11 grandes cidades sobre consciência ambiental. Curitiba aparece no primeiro lugar da lista, onde 82% da população disseram estar engajados na separação correta dos rejeitos. A consulta foi feita com 1,1 mil pessoas nos últimos dois anos e realizada por empresas do setor privado, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. A desinformação da população somada à falta de uma política de gestão dos resíduos consistente contribuem para esses índices preocupantes.
Também há um desalinho quando se compara a produção de lixo e a reciclagem no DF. Enquanto a população cresceu 4,35% entre 2007 e 2012, a geração de detritos deu um salto de 85,4% e sobrecarregou a obsoleta gestão de resíduos, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Cada morador produz 1,5kg de lixo por dia, a maior média por habitante do Brasil. No Plano Piloto, onde se concentra a renda mais alta, a produção é de 1,6kg por pessoa.
Para a pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB), Izabel Zaneti, o baixo índice de reciclagem esbarra em uma questão cultural. “As pessoas não enxergam o lixo como delas. Acreditam que, ao colocar na rua, a responsabilidade sobre ele terminou ali”, opinou.
Mas, de acordo com informações da Secretaria de Recursos do Meio Ambiente (Semarh), a quantidade de lixo produzida no DF é ainda maior. Dados apontam que os brasilienses produzem 8,5 toneladas por dia, sendo que 70% saem da construção civil. Para o diretor-geral do SLU, Gastão Ramos, esse quadro se agrava em virtude do conforto financeiro da população, que incentiva a produção de rejeitos em todos os setores da economia. “Quanto mais consumo, mais lixo. Não importa a classe social, todos podem comprar alimentos e produtos embalados em sacos plásticos, em isopores e em caixas de papelão”, apontou.
Destino A maior parte dos resíduos recolhidos no DF acaba no Lixão da Estrutural, que recebe 98% de toda a produção, e para as usinas da L4 Sul e do Setor P Sul, em Ceilândia. Em todos o casos, não há separação dos lixos seco e orgânico. O tímido programa de coleta seletiva do DF, iniciado no ano passado, só abrange Brazlândia, Plano Piloto, Cruzeiro, Lago Norte e algumas quadras do Lago Sul. Um caminhão especial recolhe o material e leva para os centros de triagem. “Apesar de ser patrimônio cultural da humanidade, Brasília dá um péssimo exemplo. O DF não tem aterros e, se poucos materiais são reciclados, é graças aos catadores”, criticou o professor do Núcleo de Estudos Ambientais da UnB, Gustavo Souto Maior.
Hoje, há 25 grupos de catadores ligados à Central das Cooperativas de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (Centcoop). O lixo recolhido pelo caminhão de coleta seletiva do SLU é entregue às cooperativas. Mas a maioria dos trabalhadores passa o dia no Lixão da Estrutural para recolher o material. Apesar das dificuldades, o presidente da Centcoop, Rônei Alves da Silva, afirmou que Brasília se destaca no cenário nacional quando se trata de reciclagem. “A capital é um dos maiores recicladores do país. Não por conta do governo, mas por uma cadeia formalizada e criada independentemente do poder público”, disse.
A engenheira florestal Jéssica Lívio Pedreira, 28 anos, entrega o lixo de casa direto para os catadores. Consciente da necessidade de diminuir a produção de resíduos, ela separa o seco do orgânico há uma década. Os restos de comida se transformam em adubo para o jardim de 15m². Apesar do esforço de Jéssica, Taguatinga não tem coleta seletiva e os resíduos cuidadosamente separados acabam misturados. “Preferimos entregar os detritos direto para quem trabalha com reciclagem”, disse.
O representante da cooperativa 100 Dimensão, Valter Josimar Oliveira, 49 anos, alerta os moradores da cidade sobre como separar o lixo adequadamente. “Não é preciso lavar os resíduos secos, mas é importante não deixar restos de comida que contaminam o material”, explicou.
A dentista Elisa Callai Antunes, 30 anos, moradora de Águas Claras, separa o resíduo seco do orgânico em casa há muitos anos. Ela levou o hábito para a casa nova ao se casar com o advogado Leonardo Vieira Morais, 30 anos. “Fazemos essa separação há dois anos. Tivemos uma mudança de atitude em relação ao lixo. A nossa ideia é produzir menos resíduos”, contou. Apesar do esforço, Leonardo lamenta a falta de políticas no DF. “Não adianta separar o lixo e, no fim das contas, tudo ir para o mesmo lugar. Assim, o trabalho é em vão, mas não vamos deixar de fazer a nossa parte”, completou.
Investimento em educação O diretor-geral do SLU, Gastão Ramos, reconhece o atraso doDistrito Federal e adianta que o governo trabalha para melhorar a gestão do lixo. Segundo ele, está em processo a implantação de coleta seletiva em todas as regiões administrativas. “Vamos nos adequar à Lei Nacional de Resíduos Sólidos.OLixão da Estrutural será desativado e, até 2014, o Aterro Sanitário Oeste, em Samambaia, deve estar pronto”, completou. Segundo Gastão, serão licitadas unidades para receber os detritos da construção civil e mais pontos de coleta de lixo eletrônico. O diretor-geral do SLU adiantou que o governo investirá na educação ambiental. “Vamos começar campanhas principalmente nas escolas. A faixa de pedestres éumexemplo de como a educação é fundamental para garantir o sucesso da proposta.” Ele lembrou que não adianta o GDF trabalhar pela destinação correta do lixo se a população não se engajar na luta. “Os índices (de descarte e reciclagem de lixo) vão melhorarcomas medidas que o governo está tomando e a conscientização da população. O mais importante é que exista uma política destinada aos resíduos sólidos”, concluiu.