Valor econômico, v.21, n.5025, 19/06/2020. Política, p. A10

 

Pivô da crise entre o governo e o Supremo, Weintraub pede demissão

Matheus Schuch

Lu Aiko Otta

Hugo Passarelli

19/06/2020

 

 

No centro da crise entre os Poderes da República, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, teve a sua demissão oficializada ontem. A saída era dada como certa inclusive por aliados, que horas antes do anúncio já publicavam homenagens em redes sociais. Em um vídeo ao lado do presidente Jair Bolsonaro, Weintraub despediu-se sem fazer referências ao seu legado na Educação e sem mencionar os motivos de deixar o cargo. Dois nomes eram cotados para assumir interinamente: o do secretário executivo, Antonio Paulo Vogel, e o do secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim.

Weintraub deixará o MEC após cumprir a transição. Ele foi indicado para ocupar o posto de diretor-executivo no Banco Mundial, em uma vaga reservada ao Brasil mas cuja indicação terá que ser avalizada por vários outros países. A busca de uma "saída honrosa" atrasou a demissão.

"Estou fechando um ciclo e começando outro, é claro que eu sigo apoiando o senhor", afirmou ao presidente. "Neste período, eu vi um patriota que defende os mesmos valores que eu sempre acreditei".

Bolsonaro, que mostrou-se emocionado, afirmou que se tratava de um momento "difícil" e prometeu seguir ouvindo seus apoiadores, em alusão indireta aos conflitos com o Supremo Tribunal Federal e o Congresso.

"É um momento difícil, todos os meus compromissos de campanha continuam de pé. A confiança você não compra, você adquire. Todos que estão nos ouvindo agora são maiores de idade e sabem o que o Brasil está passando, o momento é de confiança. Jamais deixaremos de lutar por liberdade, eu faço o que o povo quiser".

Embora ciente de que manter o ministro no cargo tornaria a crise com os Poderes ainda mais grave, Bolsonaro estava contrariado em demitir o seu ministro. Weintraub era assíduo frequentador do gabinete presidencial e se tornou um dos mais populares ministros junto aos fieis seguidores do bolsonarismo.

Em pouco mais de um ano à frente da pasta da Educação, protagonizou uma série de conflitos com o Congresso e o STF. A gota d'água foi a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, onde Weintraub de "vagabundos" os ministros do STF que, na sua opinião, deveriam estar presos. Esse mesmo discurso ele repetiu a apoiadores do governo, dias atrás, em uma manifestação em Brasília.

Desde o início de sua gestão, o ministro travou uma guerra com universidades, determinando suspensões repentinas de verbas e de bolsas de estudo. Ele era frequentemente criticado por acadêmicos, intelectuais e gestores da área por não apresentar um plano concreto para o MEC.

Fora de sua pasta, também protagonizou atritos. No campo diplomático, provocou a China, que estaria usando a propagação do coronavírus como um "plano infalível" para dominar o mundo. Foi repreendido pela comunidade judaica por comparar uma operação policial contra disseminadores de "fake news" no Brasil com um episódio do nazismo conhecido como "Noite dos cristais".

Bolsonaro, porém, dia nele um leal defensor intransigente de seus valores. A situação agravou-se, no entanto, com os xingamentos ao STF. Auxiliares do presidente o alertaram de que manter o ministro seria provocar ainda mais a cisão institucional.

A escolha de Nadalim para comandar o MEC de forma interina é a solução mais provável no curto prazo, segundo auxiliares do presidente. Aluno do ideólogo Olavo de Carvalho, ele é alinhado à ala ideológica do governo.

Especialistas em Educação ouvidos pelo Valor acreditam que o futuro ministro deverá seguir a linha de seus antecessores, com forte caráter ideológico e baixa capacidade de execução de políticas públicas.

"Não tenho esperanças de que o critério de escolha seja a competência", afirmou Priscila Cruz, do Todos Pela Educação. Mais otimista sobre o futuro do MEC, Claudia Costin, da FGV, acredita que Nadalim não necessariamente significa uma reedição da gestão Weintraub. "Há chance de ser uma gestão melhor se houver vontade de dialogar e negociar", pontuou.