Correio braziliense, n. 20860 , 03/07/2020. Economia, p.7

 

Ação conjunta para enfrentar a crise

Alessandra Azevedo

Marina Barbosa

03/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Papel do sistema financeiro no combate aos efeitos econômicos da pandemia foi debatido em webinar promovido pelo Correio. Participantes manifestam preocupação com propostas legislativas que podem gerar crise no setor

As medidas adotadas, até agora, para minimizar os prejuízos com a pandemia do novo coronavírus no Brasil são fruto de força-tarefa entre Congresso, governo e sistema financeiro. Enquanto os dois primeiros sugerem, discutem e aprovam propostas, cabe aos bancos, entre outras responsabilidades, distribuir auxílios e oferecer crédito a empresas em dificuldade — tarefas essenciais em meio à calamidade pública. Mas, além de gerir bilhões de reais, os três segmentos precisam se organizar para o pós-pandemia, alertaram os debatedores do Correio Talks de ontem, sobre o papel do sistema financeiro na retomada econômica.

Para eles, não basta reconhecer a importância dos bancos na rede de auxílios. Também é essencial que o país não se perca em ações caras e inefetivas. O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, teme o avanço de propostas que possam causar insegurança jurídica e afastar investidores, como um projeto de lei em andamento no Senado que limita a 20% os juros de cartões de crédito para dívidas contraídas entre março de 2020 e julho de 2021.

Sidney afirma que propostas desse tipo, mesmo que sejam apresentadas com a melhor das intenções, “desconsideram o quanto danosas acabam se tornando no longo prazo”. “Já aprendemos o quão desastroso seria uma nova crise bancária, que esse país não vê desde o Plano Real. Não podemos fabricá-la novamente, por uma visão simplista que existe sobre o setor”, pontuou. “Mas tenho certeza de que não é essa a intenção do Congresso”, acrescentou.

Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) afirmou que medidas que penalizem o sistema ou que possam aumentar gastos no pós-pandemia não devem ir para a frente. “Apesar do volume muito grande de intenções com pouco senso de realidade, existe senso crítico. E, na média, esse Congresso tem votado de forma muito previdente com relação aos efeitos na economia”, afirmou.

O senador lembrou que o Congresso discute não só propostas próprias, mas mudanças em programas — algumas que não têm gerado o efeito esperado, como a liberação de crédito às micro, pequenas e médias empresas, sendo, portanto, passível de melhoras. “De todas as matérias discutidas recentemente, talvez seja a com maior questionamento”, observou.

A configuração atual do Senado e da Câmara, para Gomes, deve ajudar na aprovação de projetos como o que discute a autonomia do Banco Central. Segundo ele, o Congresso vive um “momento histórico”, com dois presidentes “com capacidade de diálogo” para levar a agenda de reestruturação econômica para a frente: o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o senador Davi (DEM-AP).

Para o senador, é preciso aproveitar a disposição, já que as presidências das duas Casas e as lideranças partidárias, na opinião dele, têm condições “de levar o debate com responsabilidade fiscal”, mesmo que precisem encarar “orientações ou pensamentos menos vinculados à questão fiscal”. “O Congresso vive um momento de muita responsabilidade, porque é fato corrente a discussão sobre as dificuldades que o país ainda vai apresentar no processo de recuperação”, disse.

A agenda reformista, na visão do senador, precisa ser retomada e vai contribuir até para baratear o crédito. Mas ele não defende outras medidas que parte da equipe do ministro Paulo Guedes considera interessantes. Para o senador, o cenário atual, por exemplo, não é o melhor para se discutir a privatização da Caixa, do Banco do Brasil, ou de bancos regionais. “É sempre uma armadilha fácil tratar desses assuntos de maneira ideológica”, disse.

Principais pontos do debate

Recuperação

Para o presidente do BC, Roberto Campos Neto, a recuperação da crise gerada pela pandemia já começou e deve ser mais rápida do que a retomada da crise de 2008. Isso porque o sistema financeiro continuou funcionando na crise atual.

Crédito

Segundo a Febraban, os bancos brasileiros já liberaram R$ 1,1 trilhão de crédito desde o início da pandemia. Porém, admitiu que ainda é preciso fazer mais para que o crédito chegue às micro e pequenas empresas.

MPEs

O senador Eduardo Gomes reclamou que o crédito oferecido pelo governo aos pequenos negócios demora para chegar na ponta. Segundo a Febraban, para corrigir o problema, o Estado precisa simplificar regras e assumir mais risco de crédito.

Imagem ruim

Roberto Campos Neto destacou que a pandemia gerou uma demanda extraordinária por crédito, que não consegue ser atendida pelo sistema financeiro, mesmo com o aumento das operações. Daí a insatisfação da população com o sistema financeiro.

Juros

O BC e a Febraban reconhecem que o crédito é caro no Brasil. Mesmo com a redução nos últimos meses, há uma diferença entre a Selic e a taxa cobrada ao consumidor, devido ao custo de recuperação de crédito e ao sistema tributário.

Pós-pandemia

Para Roberto Campos Neto, a pandemia acelerou a digitalização dos clientes bancários e permitiu a inclusão financeira de 53 milhões de brasileiros. Por isso, o sistema financeiro deve construir um futuro pautado na inovação.

Boa vontade política

Gomes acredita que o Congresso vai barrar iniciativas populistas que possam resultar em mais gastos obrigatórios. Isaac Sidney observou que algumas medidas podem ser meritórias, mas podem causar uma crise bancária capaz de aprofundar a crise atual.

Privatização

Gomes afirmou que não é o melhor momento para se discutir a privatização da Caixa, do Banco do Brasil ou de bancos regionais. Ele acredita que os bancos têm cumprido bem os papéis e que o ambiente não é favorável para esse debate.

WhatsApp

Campos Neto afirmou que o BC não proibiu a realização de pagamentos pelo aplicativo. A facilidade foi apenas suspensa para garantir a regulação adequada do Facebook Pay.

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Banco Central vê recuperação rápida

Marina Barbosa

03/07/2020

 

 

Os indicadores econômicos coletados pelo governo mostram que o pior da crise do novo coronavírus já passou e que a recuperação econômica será mais rápida do que se pensava. Foi o que afirmou o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, no Correio Talks. Ele também reconheceu que ainda há pontos a serem melhorados no pacote federal de enfrentamento à covid-19, sobretudo no que diz respeito ao crédito.

“Parece que iniciamos uma recuperação. E a primeira parte dessa recuperação foi em V”, disse Campos Neto. O presidente do BC explicou que a economia brasileira bateu no fundo do poço em abril, o mês mais intenso do isolamento social no país. Mas, já começou a ensaiar uma retomada em maio e acelerou esse processo de recuperação em junho. “Pelos dados em tempo real, de energia, tráfego, arrecadação, volume de TEDs, conseguimos ver uma melhora em junho”, antecipou.

Diante disso, Campos Neto acredita que a retomada será mais rápida do que a da crise de 2008. E credita isso ao bom funcionamento do sistema financeiro na pandemia do novo coronavírus. “O setor financeiro é muito importante para alocar recursos de maneira eficiente”, observou.

Ele admitiu que ainda é preciso aperfeiçoar um ponto importante do sistema financeiro: o acesso ao crédito. Segundo o BC, a concessão de crédito apresentou crescimento forte durante a crise do novo coronavírus. Porém, acabou se concentrando nas grandes empresas e não foi suficiente para fazer frente à “demanda extraordinária” gerada pela pandemia. Por isso, ainda há um sentimento de escassez de crédito nas micro, pequenas e médias empresas.

O presidente do BC lembrou que a autoridade monetária anunciou recentemente um pacote que promete direcionar mais de R$ 200 bilhões de crédito para as pequenas e médias empresas. E destacou que, na “divisão de tarefas” do governo, este é o papel do Banco Central. Caberia ao Tesouro Nacional, portanto, desenhar novas políticas de crédito ou liberar garantias e, assim, assumir o risco desses empréstimos, como vêm pedindo os pequenos negócios e até mesmo os bancos. “O BC não tem mandato de fazer política fiscal”, pontuou.

Para Campos Neto, o BC também cumpriu o seu papel no que diz respeito à política monetária, reduzindo a taxa básica de juros (Selic) para a mínima histórica de 2,25% ao ano em meio à pandemia. E indicou que, por isso, possíveis novos ajustes na Selic devem ser pontuais.

O que a autoridade monetária parece disposta a fazer agora é, portanto, aperfeiçoar as políticas de crédito e seguir com a agenda de inovação do sistema financeiro. Provocado, ele comentou, ainda, a recente suspensão do serviço de pagamentos do WhatsApp. “Em nenhum momento o BC proibiu o WhatsApp de operar. O que o BC entende é que é um arranjo relevante para a economia e precisa passar pelos mesmos processos de aprovação dos outros arranjos”, explicou Campos Neto.