Correio braziliense, n. 20860 , 03/07/2020. Cidades, p.15/16

 

GDF libera educação, comércio e indústria

Jéssica Eufrásio

Thais Umbelino

03/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Novo decreto do Executivo local autoriza a retomada de atividades como bares, restaurantes, salões de beleza, barbearias, academias e escolas. Cada setor terá de seguir protocolos de segurança e datas, que variam de 7 de julho a 3 de agosto

O governador Ibaneis Rocha (MDB) deu prosseguimento a uma das últimas etapas para a reabertura total de estabelecimentos comerciais, industriais e de ensino no Distrito Federal. Ontem, decreto publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) estabeleceu datas para a retomada por setor e regras que deverão ser cumpridas durante o funcionamento. A publicação do documento ocorreu um dia depois de o governo federal reconhecer o estado de calamidade pública decretado no DF (leia reportagem na página 17).

Bares, restaurantes, salões de beleza, barbearias e academias voltam às atividades a partir de terça-feira. Escolas, faculdades e universidades reabrem em 27 de julho e em 3 de agosto (leia mais na página 16). Creches ainda não têm autorização para funcionar. O mesmo vale para atividades coletivas culturais, como shows, teatro e cinema, além de boates, casas noturnas, eventos esportivos ou de quaisquer outro tipo que dependam de licença do poder público.

O decreto definiu uma série de protocolos que deverão ser respeitados em todos os estabelecimentos, como uso de máscaras por funcionários e clientes; manutenção e limpeza de filtros de ar-condicionado; garantia de distanciamento mínimo de dois metros entre as pessoas; e aferição de temperatura corporal durante o expediente. Algumas das diretrizes foram novidade para o Sindicato dos Salões, Institutos e Centros de Beleza, Estética e Profissionais Autônomos (Simbeleza/DF). “No mês passado, entregamos ao governador um manual sugerindo os cuidados que deveriam ser tomados nos estabelecimentos. Apesar de algumas alterações, gostamos do que foi publicado, porque, quanto maior o cuidado, melhor será para todos os envolvidos”, avalia Célio Paiva, dirigente da entidade.

Presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio da Silva considera que a publicação encerra um “período de incertezas” vivido pelos comerciantes. “Acaba a insegurança, que estava sendo muito traumática para os nossos empresários. Agora, teremos a responsabilidade de cumprir rigorosamente o que dizem os termos do decreto, bem como transferir parte dessa responsabilidade para os nossos clientes”, comenta Jael.

Proprietária de um restaurante no Sudoeste, a nutricionista Keli Mayer, 45 anos, conta que ela e a equipe estavam ansiosos pela reabertura. O estabelecimento funcionava em regime de delivery ou retirada no local desde o início da pandemia. “Tive de fazer dois empréstimos para pagar a folha de funcionários. Então, acho que os protocolos foram adequados tanto para o cliente quanto para nós. Sabemos que, no primeiro momento, não vai ser fácil. Mas será melhor do que está agora”, avalia.

Presidente do Conselho Regional de Educação Física (Cref7/DF), Patrick Novaes acredita que o retorno das academias será gradual e em segurança. “Sabemos que são muitos os desafios, mas o momento é uma oportunidade para restabelecer empresários e funcionários da saúde”, diz.

Recomendações

A decisão animou o setor produtivo e empresários, mas gerou preocupação. Doutor em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o professor Roberto José Bittencourt considera intempestivas as últimas condutas que partiram do Palácio do Buriti. O médico ressalta que a liberação deveria ocorrer após a verificação da queda de casos, o que não está acontecendo. “Trata-se de uma estratégia meio suicida, principalmente abrir escolas”, ressalta. “Sem quarentena dos infectados nas regiões onde há maior transmissão, vamos ficar com a pandemia sendo gradativamente aumentada”, alerta .

Na segunda-feira, o subsecretário de Vigilância à Saúde, Eduardo Hage, disse ao Correio que o GDF faz o monitoramento constante da evolução de infectados. Segundo ele, só com esse tipo de análise é possível ter controle das necessidades na área da saúde durante a pandemia. “Nós estamos acompanhando a curva de evolução dos casos e mantendo o ritmo de entrega (de leitos) proporcional ao número de infectados”, afirmou. Na entrevista, ele também descartou lockdown total como medida efetiva para a disseminação do vírus na capital.

Recomendação de 11 de maio do Conselho Nacional de Saúde (CNS) determina, com base em pesquisas científicas, que a taxa de distanciamento ideal é de pelo menos 60%. O documento dirige-se a municípios com ocorrência acelerada de novos casos e com taxa de ocupação dos serviços atingindo níveis críticos. No DF, o índice de isolamento monitorado pela empresa de tecnologia InLoco era de 40,2% em 1º de julho.

O GDF previa, inicialmente, reabrir bares e restaurantes até essa data. No entanto, entraves judiciais atrasaram o calendário. Ontem, o governo recorreu contra outra decisão. A Justiça Federal havia dado três dias para que o Executivo comprovasse a existência de leitos suficientes em UTIs para atender à demanda da covid-19. Ontem, Ibaneis Rocha não comentou o novo decreto. Na terça-feira, ao Correio, o governador afirmou que as taxas de isolamento estavam em queda desde o início da pandemia; por isso, o retorno coordenado pelo governo seria a melhor saída. “É melhor a gente fazer um cronograma, fazer com responsabilidade, fazer baseado em leitos de saúde. Fazer tudo isso de forma que a gente possa ter condições efetivas de fiscalização”, explica.

Calendário

Confira as datas de reabertura dos novos setores liberados e algumas das regras que deverão ser obedecidas por cada um deles:

Salões de beleza, barbearias, esmalterias, centros estéticos

» 7 de julho

» Higienização frequente de cadeiras de uso coletivo

» Proibida a permanência de pessoas em espera dentro dos estabelecimentos; o atendimento deve ocorrer mediante agendamento

» Esterilização de todos os equipamentos de trabalho e trocar de toalhas ou lençóis após cada atendimento

» Uso obrigatório de máscaras por clientes e funcionários, além de protetor facial de acrílico (face shield) por todos os prestadores de serviços

Academias de esporte de todas as modalidades

» 7 de julho

» Disposição dos equipamentos à distância de dois metros uns dos outros

» Proibição do uso de bebedouros e chuveiros, bem como de aulas coletivas e de contato físico nas atividades

» Suspensão do uso de catracas e pontos eletrônicos cuja ativação se dê por meio de biometria, especialmente por impressão digital

» Fechamento de uma a duas vezes por dia por cerca de 30 minutos para limpeza e desinfecção dos ambientes

Bares e restaurantes

» 15 de julho

» Funcionamento com 50% da capacidade

» Proibidas apresentações de qualquer tipo ao vivo

» Cobertura das máquinas de cartão com papel-filme para facilitar a higienização

» Higienização regular de cadeiras e mesas de uso coletivo, com disposição delas à distância de dois metros umas das outras (a contar das cadeiras que servem cada mesa); tudo deverá ser higienizado após cada refeição

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Escolas têm data para reabrir

Walder Galvão

03/07/2020

 

 

EDUCAÇÃO » Decreto do GDF prevê a retomada das aulas nas unidades particulares em 27 de julho e a das públicas, a partir de 3 de agosto. Em meio ao avanço do novo coronavírus no Distrito Federal, a decisão levou o debate para pais, alunos, professores e donos de escolas

Milhares de estudantes devem voltar às salas de aula em meio à pandemia do novo coronavírus. Apesar do avanço diário da doença, o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu autorizar a reabertura das unidades de ensino, fechadas desde 11 de março. Decreto publicado, ontem, pelo Executivo local prevê a retomada das escolas particulares, em 27 de julho, e a das públicas, a partir de 3 de agosto. A medida, entretanto, causou controvérsia entre pais, professores e representantes dos colégios. Além disso, especialistas em saúde alertam sobre os riscos da flexibilização.

A capital tem 456.109 estudantes na rede pública e 195.716, na privada. O quadro de professores, em ambos sistemas, ultrapassa os 30 mil, segundo informações do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2019. Portanto, com a retomada, seriam quase 700 mil pessoas nas ruas diariamente. Para reduzir os impactos da reabertura das escolas, o decreto do GDF prevê uma série de medidas.

Entre as regras estão a higienização de mesas e cadeiras de uso coletivo, testagem de funcionários, dispensa de alunos e professores do grupo de risco para a modalidade de aulas on-line, distanciamento de 1,5 metro, proibição do funcionamento de bebedouros, priorizar a ventilação das salas e suspensão de eventos que promovam aglomerações. As orientações, também, valem para as faculdades e universidades públicas e privadas, autorizadas a retomar as atividades nas mesmas datas. Apenas as creches permanecem fechadas, devido a uma decisão judicial que tramita na 7ª Vara do Trabalho de Brasília.

Por meio de nota oficial, a Secretaria de Educação informou que a decisão sobre o retorno das aulas foi tomada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB). “Coube à pasta fazer um planejamento para que a volta aconteça em segurança”, ressaltou o texto. A pasta reforçou que, apesar da quantidade de alunos, o retorno será feito escalonado, obedecendo a um calendário que está em elaboração. A Secretaria adiantou que as turmas serão divididas em duas, com cada uma indo uma semana. Os estudantes que permanecerem em casa terão ensino mediado por tecnologias.

Debate

O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe), Álvaro Domingues, agradeceu ao governador pela iniciativa de reabrir as escolas. Segundo ele, a solicitação feita ao chefe do Executivo local era de que a retomada acontecesse em 20 de julho, entretanto, a data escolhida atende às escolas. Álvaro explica que o tempo será suficiente para que as unidades se organizem e preparem os colaboradores e professores, além de se equiparem para receber os estudantes “de forma mais segura possível”.

“É possível fazer a adaptação do distanciamento de 1,5 metro. Vamos treinar as nossas escolas e equipes para darmos uma lição de civismo neste momento tão necessário”, reforçou. Álvaro afirmou que a volta em 27 de julho é “altamente opcional” e que as unidades terão ensino híbrido, com a possibilidade da modalidade a distância. “Aos pais receosos, recomendamos que respeitem o direito daqueles que precisam e necessitam das instituições para acolher os filhos”, acrescentou.

No entanto, associação de pais e estudantes e sindicatos que representam os educadores lamentam a medida e defendem que a retomada das aulas não é segura. Enquanto isso, a decisão foi comemorada por integrantes de escolas particulares, que garantem estarem preparados para receber os alunos. De acordo com Alexandre Veloso, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino (Aspa), alguns quesitos do decreto precisam ser revistos.

“Ainda não está claro sobre a obrigatoriedade do ensino remoto. Outra preocupação é como manter a qualidade do ensino presencial e a distância e como isso será fiscalizado pelos órgãos de regulação de controle”, argumentou. “Os pais exigem clareza e transparência nos dados e nas informações que fundamentam as decisões governamentais, de maneira que possam fazer a opção segura de poder ou não mandar os filhos para a escola”, frisou Alexandre. Caso necessário, a Aspa afirma que acionará a Justiça.

Para Samuel Fernandes, diretor do Sindicato dos Professores (Sinpro), o decreto demonstra uma atitude inconsequente de obrigar professores e alunos a frequentarem as escolas de forma presencial. “Como os professores vão garantir o uso de máscara e a higienização das mãos dos alunos? A maioria das salas da rede pública é lotada, pequena e sem ventilação adequada. É impossível garantir o distanciamento”, lamentou. De acordo com Samuel, o Sinpro estuda aderir a uma greve, mas o assunto ainda está sendo debatido. “Infelizmente, em agosto, estaremos contabilizando o número de mortes de alunos, professores e familiares. Essa foi uma decisão irresponsável”, protestou.

Por meio de nota, o Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinproep) criticou a retomada das aulas. “Essa medida irá expor crianças, adolescentes, professores, coordenadores e orientadores educacionais e colocar em risco a vida deles”, informou o texto. A entidade ressaltou que institutos de pesquisa e de medicina do Brasil têm avisado sobre os riscos da pandemia e que julho e agosto serão o provável pico de casos na capital. Devido à situação, o sindicato encaminhou ofício ao Ministério Público do Trabalho da 10ª Região, solicitando uma reunião para tratar sobre o tema.

Cuidados

Para especialistas, o retorno às escolas vai precisar ser acompanhando de perto, principalmente, a influência dessa medida no avanço do número de infectados pelo novo coronavírus. O médico especialista em operações humanitárias e desastres no Brasil e no exterior Hemerson Luz, que atua nos hospitais de Base e das Forças Armadas, lembra que a quantidade de casos de covid-19 continua aumentando, e é preciso ficar atento à capacidade do sistema de saúde de fornecer o atendimento necessário aos pacientes. “Depois de tudo liberado, vamos ter 14 dias para avaliar o resultado da flexibilização, tempo para ter um impacto na disseminação da doença”, explicou. A observação será necessária para evitar o descontrole da doença e a superlotação dos hospitais.

No ponto de vista de Hemerson, não dá para julgar se a medida é precoce ou não. Ele acredita que a determinação foi tomada com o acompanhamento de especialistas. Para o médico, é possível o retorno das atividades, porém, seguindo à risca as recomendações sanitárias. “Existe a tendência de quebrar as regras. É um risco, sim, mas é algo que, em algum momento, tem que acontecer. Está dentro da programação, mas é preciso acompanhar o resultado disso tudo”, ponderou.

Para a infectologista Ana Helena Germoglio, o retorno das atividades escolares pode se tornar um grande problema, pois põe em risco os alunos, os profissionais e os familiares em casa, sobretudo, tratando-se de crianças. Segundo ela, fazer os estudantes menores seguirem as regras de segurança não será tarefa fácil. “É muito difícil manter esse tipo de recomendação para crianças. Como evitar que elas fiquem juntas, não se aglomerem, não apertem a mão uma das outras, além de usarem corretamente a máscara?”, questiona.

Qualquer tipo de aglomeração torna-se um perigo, mesmo entre os alunos adultos, como os universitários, de acordo com a médica. “A gente vê tantas pessoas desrespeitando as regras”, cita. A infectologista destaca que, no atual cenário, uma flexibilização é arriscada, lembrando da alta taxa de ocupação dos leito de UTI para covid-19. “A gente não sabe como estaremos em 27 de julho, mas, hoje, é muito temerário retornar as crianças para escola”, destaca.

Contratos

Em 18 de março, decisão da Justiça suspendeu as atividades das creches por causa do avanço do novo coronavírus no Distrito Federal. Devido à decisão, o decreto publicado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) estabelece que a Secretaria de Educação deverá adotar medidas para reduzir o valor dos contratos das creches enquanto as atividades estiverem suspensas.

Eu acho

Fernanda Simões, 46 anos, professora

“Esse retorno é desesperador. Como professora, posso dizer que é impossível conseguir fazer com que crianças mantenham distanciamento. Nas escolas públicas, as salas não são bem ventiladas. Além disso, temos muitas crianças do grupo de risco e que moram com idosos. Tenho hipertensão e moro com minha filha e dois enteados que estudam. Aqui, temos condições de fazer um isolamento, mas, e nas casas onde todos vivem praticamente no mesmo cômodo?”

Clayton Braga, 49 anos, diretor-geral de uma escola particular de Samambaia

“A minha preocupação não é apenas com as despesas. Nossa escola é em Samambaia, e as pessoas precisam trabalhar e, para isso, deixam os filhos na escola. Outra situação é a de pais professores que não têm condições de ajudar a criança a participar das atividades on-line por estarem lecionando. Esse retorno leva em consideração a importância da escola, que não é só conteúdo. Tem a convivência, o aprendizado, a amizade e o conflito, que, também, pode ser um aprendizado.”