Valor econômico, v.21, n.5020, 12/06/2020. Política, p. A7

 

Nova pasta reforça elo com centrão e evangélicos

Raphael Di Cunto

Matheus Schuch

Andrea Jubé

Marcelo Ribeiro

Fabio Graner

12/06/2020

 

 

O convite ao deputado Fábio Faria (PSD-RN) para assumir o Ministério das Comunicações faz parte da estratégia do presidente Jair Bolsonaro de afinar a relação com o Congresso e, ao mesmo tempo, incrementar a comunicação do governo, hoje vinculada à ala ideológica. Ao transferir a Secretaria de Comunicação (Secom) do Palácio do Planalto para a Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro também busca se afastar do inquérito das "fake news" no Supremo Tribunal Federal (STF).

O presidente, segundo aliados, estudava mudanças há algumas semanas por insatisfação com o ministro Marcos Pontes, que chegou a ser uma das "grifes" do governo, pelo histórico de astronauta, mas que foi comunicado, após a decisão já estar tomada, sobre a recriação do Ministério das Comunicações.

Ao mesmo tempo em que significa perda de poder para os militares, a migração da Secom também gera um alívio na articulação interna do Planalto. Auxiliares do governo afirmam que a relação do chefe da Secom, Fábio Wajngarten, com os ministros militares estava cada dia mais desgastada, que não havia respeito à hierarquia e a Secom era uma "fábrica de problemas".

As reiteradas tentativas dos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) de distensionar a relação com órgãos de imprensa surtiram pouco efeito, assim como alertas sobre possíveis problemas jurídicos e institucionais gerados por ações do órgão. Wajngarten, que assumirá como secretário-executivo do ministério, teria mais autonomia agora, mas ao mesmo tempo as medidas ficariam mais desvinculadas do presidente.

Bolsonaro também teria demonstrado insatisfação com a repercussão de que o governo teria pago R$ 2 milhões em anúncios em sites aliados e acusados de divulgarem fake news. Ele reclamou que Wajngarten teria contornado mal a situação num momento que o governo já está pressionado pelo inquérito no STF. Faria ficará agora formalmente responsável pela distribuição das verbas de publicidade, da relação do governo com a imprensa nacional e regional e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).

Filho do ex-governador do Rio Grande do Norte Robson Faria (PSD), Fábio está no quarto mandato na Câmara e é integrante do "Centrão", mas também nutre uma amizade antiga com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem visitou logo depois da reunião com Bolsonaro que selou a nomeação. No governo e na Câmara, a expectativa é que atue para ampliar as pontes entre Executivo e Legislativo. Foi o que ele fez ao tentar aproximar Maia e Bolsonaro no ano passado e nas crises que ocorreram desde então.

Essa foi a principal qualidade destacada por Maia ao comentar ontem a escolha de seu amigo como ministro de Bolsonaro - com quem o presidente da Câmara vive uma relação de atritos. Para Maia, embora não seja um nome técnico, Faria é querido pelos deputados, tem capacidade de negociação e bom trânsito no setor de telecomunicações. "É um nome que pode ajudar o governo na articulação com o Parlamento e com a sociedade civil", disse.

Formado em administração, Faria é casado com a apresentadora Patrícia Abravanel, filha do dono do SBT, Silvio Santos. A relação com o sogro, um ferrenho apoiador do presidente, foi, inclusive, a justificativa dada por Bolsonaro para a nomeação, que ele procurou desvincular do Centrão. A escolha também pode agradar a frente parlamentar evangélica, que tem um pacote de reivindicações para ampliar concessões de rádio e TV. Patrícia Abravanel é evangélica e batizou o terceiro filho do casal em uma Igreja Batista em Orlando, nos Estados Unidos, este ano.

Faria vinha fazendo a ponte para estreitar os laços de Bolsonaro com o SBT e intermediou para que o presidente participasse de programas populares na emissora: além de comparecer ao programa de Silvio Santos, Bolsonaro foi ao Programa do Ratinho e ao The Noite, do apresentador Danilo Gentili.

A aproximação o tornou figura frequente em cafés, almoços e jantares com Bolsonaro. No ano passado, participou de jantar oferecido pelo presidente no Palácio da Alvorada à cúpula do SBT e da TV Record. Já neste ano, se tornou o parlamentar que mais frequentou o gabinete presidencial desde o início da pandemia do coronavírus, estando mais vezes com Bolsonaro do que os próprios líderes do governo no Congresso e se tornou interlocutor junto a empresários.

A escolha de Faria abriu dois flancos de críticas por descumprimento de promessas eleitorais O primeiro: de "toma lá dá cá" em troca de apoio no Congresso. O segundo: a criação de mais um ministério, o 23 º, quando, na campanha, Bolsonaro prometeu manter no máximo 15 Pastas.

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Faria passa a concentrar um polo de poder

Fernando Exman

Rafael Bitencourt

Cristiano Zaia

Lu Aiko Otta

12/06/2020

 

 

O deputado Fábio Faria (PSD-RN) assume um Ministério das Comunicações com quatro secretarias - executiva, de radiodifusão, de telecomunicações e comunicação - e potencial de se tornar um novo polo de poder do governo. Faria terá influência na regulação, outorga e fiscalização das empresas do setor, além do controle da comunicação institucional do Executivo. Ocupará, também, papel central nas discussões de um tema que gerou um racha no governo nesta semana: a implementação da quinta geração da telefonia (5G) no Brasil. Outro assunto sob sua alçada será a privatização dos Correios, da Telebras e da Empresa Brasil de Comunicações (EBC).

Ele tomará posse poucos dias depois de uma reunião promovida pela Casa Civil para recolher os posicionamentos de alguns ministérios sobre a questão de 5G. A despeito das recomendações dos técnicos da área, o representante do Ministério das Relações Exteriores defendeu o banimento da China do processo e o total alinhamento aos Estados Unidos, o que gerou preocupação entre militares e autoridades de outras áreas.

Segundo o Valor apurou, quando perguntado sobre o potencial impacto negativo nas vendas de produtos agropecuários para a China, o representante do Itamaraty disse que o país asiático não teria fornecedores alternativos e um eventual excedente agrícola poderia ser escoado para os EUA. O argumento não convenceu os interlocutores do diplomata e gerou reação imediata no Ministério da Agricultura.

A pasta comandada pela ministra Tereza Cristina não fora consultada e tampouco compõe o comitê que debate o 5G. No entanto, fontes do Ministério da Agricultura afirmaram que, se o governo brasileiro de fato banir empresas chinesas do leilão ou impedi-las de fornecer equipamentos, seria aberto um caminho sem voltas para uma retaliação comercial da China. Ocorreria também um novo desgaste político da ministra.

Um interlocutor da ministra lembrou que ela já deu o recado a outros ministros e integrantes da cúpula do governo: o Brasil não pode cruzar "a linha vermelha" com a China, ou seja, tensionar sua relação bilateral a tal ponto de comprometer suas exportações com o país asiático. "Barrar a China do edital do 5G certamente seria um exemplo disso", disse a fonte.

A China é o maior comprador de produtos agropecuários brasileiros. Mesmo assim, na visão passada pelo Itamaraty na reunião, há uma batalha em curso entre EUA e China e o Brasil deve escolher um lado. No caso, o dos americanos, mesmo que a opção obrigasse o Brasil a fazer reinvestimentos em sua infraestrutura num momento de crise econômica.

Diante desse impasse, devem crescer as pressões pelo adiamento do leilão, que está previsto para o segundo semestre. Segundo uma fonte que acompanha o assunto, uma ala do governo poderia querer esperar para ver o resultado das eleições americanas. Uma eventual derrota do presidente Donald Trump minaria os argumentos do Itamaraty. Por outro lado, acrescentou essa fonte, alguns auxiliares do chanceler Ernesto Araújo também poderiam apostar no adiamento para ter mais tempo na construção de uma coalizão contrária aos interesses chineses.

"Pode ter certeza que faremos o melhor negócio levando em conta vários aspectos, não apenas o econômico. O barato nem sempre é o melhor", afirmou o presidente nas redes sociais. "Vamos atender os requisitos da soberania nacional, da segurança de informações, da segurança de dados e também da nossa política externa."

Procurados, o Itamaraty e a Casa Civil não comentaram o assunto, que entrará na lista de prioridades do ministro. Outro assunto espinhoso é a privatização da Telebras. Esse é um desejo do Ministério da Economia, mas o ministro Marcos Pontes vinha resistindo, entre outras razões porque a estatal administra um satélite. Os militares se preocupam com a transferência desse equipamento para o setor privado. Uma decisão é esperada entre julho e agosto. Também estão em andamento os estudos para desestatizar os Correios. (Colaborou Luísa Martins)