Valor econômico, v.21, n.5024, 18/06/2020. Política, p. A11

 

Supremo vai manter inquérito das 'fake news'

Luísa Martins

Isadora Peron

18/06/2020

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria ontem para manter em tramitação o chamado inquérito das "fake news", que apura ofensas e ameaças a ministros da Corte e seus familiares. Entre os oito ministros que já votaram, o entendimento é unânime: a investigação tem amparo constitucional e os ataques não podem ser interpretados como liberdade de expressão.

A legalidade do inquérito foi defendida pelos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. A sessão foi suspensa e será retomada hoje, com os votos de Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e do presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

Está em análise ação movida pelo Rede Sustentabilidade para suspender a investigação, cuja abertura, em março do ano passado, foi cercada de polêmicas - principalmente por ter sido aberta por iniciativa própria de Toffoli, quando o habitual é que o Judiciário só aja quando provocado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Ao acompanhar Fachin, relator da ação e que já havia votado na semana passada, Moraes afirmou que a Corte não só podia, como devia instaurar o inquérito, diante das ameaças à independência de seus membros. Um dos trechos mais duros do voto foi quando leu exemplos de ataques recentes, como ameaças de estupro às filhas dos ministros, feita por uma advogada que é alvo do inquérito.

"Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, nem de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia. Não há democracia sem Judiciário forte. E não há Judiciário forte sem juízes altivos e seguros."

Barroso fez referência ao protesto que resultou no disparo de fogos de artifício contra a sede do STF. Os envolvidos no ato são suspeitos de integrar esquema de disseminação de notícias falsas bancado por empresários bolsonaristas. "A democracia comporta a militância progressista ou conservadora, mas quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante. É mercenário e criminoso. Atacar com violência e ameaça não é coisa de gente de bem. É de gente capturada pelo mal. Não há causa que possa legitimar esse tipo de conduta."

Rosa lamentou que a disfunção social esteja crescendo no país. Segundo ela, não há dúvida sobre a "grave crise institucional" que o regimento do STF exige para instaurar o inquérito de ofício. O procedimento, diz, é um "recurso extremo" por autodefesa.

Vice-presidente do tribunal, Fux afirmou que a medida foi um dos atos mais importantes de Toffoli na presidência do STF. Ao formar maioria, Cármen fez uma analogia com o tratamento da covid-19, afirmando que o direito também prevê remédios para "manter a saúde" da democracia.

Lewandowski destacou o papel das redes sociais, que atualmente "não veiculam apenas críticas condizentes com a realidade, mas dão curso, de forma crescente, a mentiras e ataques criminosos a membros" do STF.

Por fim, Gilmar apontou a omissão do MPF em reprimir os crimes. "Diversas manifestações de agentes públicos e particulares, com incitação a atos inconstitucionais, como fechamento da Corte e destituição dos ministros, não foram objeto da atenção da Procuradoria-Geral da República (PGR) - até a instauração do inquérito pelo Tribunal".

Na sessão de hoje, os ministros devem refinar a decisão. Há um debate sobre a necessidade ou não de declarar a proibição de investigar matérias jornalísticas ou publicações que não estejam sob suspeita de integrar o esquema orquestrado de disseminação de notícias falsas.

Embora avalizado pelo plenário, o inquérito das "fake news" ainda é considerado, dentro da PGR, menos legítimo que uma outra investigação em curso sobre atos antidemocráticos. Aberta em abril a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, essa apuração mira alvos parecidos e também tem Moraes como relator.

Nesta semana, o pedido de quebra de sigilo bancário de 11 parlamentares ligados a Bolsonaro, feito pela PGR no âmbito deste inquérito mais recente, foi uma espécie de recado para mostrar ser possível investigar esses delitos por um caminho menos "heterodoxo", que respeite os trâmites tradicionais.

Interlocutores da PGR afirmam que esta é a sua "grande aposta" para conter o avanço do discurso autoritário, já que não se trata de investigar "posts no Twitter", mas sim os organizadores e captadores de recursos para as manifestações ilícitas.

Conforme uma subprocuradora, este é o "inquérito certo, com as diligências certas, investigando as pessoas com prerrogativa de foro certas". O MPF evitou até mesmo pedir a Moraes o compartilhamento das provas já colhidas no das "fake news", para evitar manchar a nova investigação. Prova disso é o fato de algumas pessoas, como o blogueiro Allan dos Santos, terem sido duas vezes alvos de mandados de busca e apreensão.

Um outro exemplo é o da ativista de extrema direita Sara Giromini, conhecida como Sara Winter. Na segunda-feira, a PGR pediu a sua prisão temporária em razão do protesto com os rojões. Ela já era alvo do inquérito das "fake news". Sara foi transferida ontem à Colmeia, penitenciária feminina de Brasília.

A avaliação entre procuradores é a de que, por também mirar bolsonaristas, a nova investigação arrefece críticas de que Aras estaria alinhado com o presidente, atuando para protegê-lo em troca de uma vaga no STF.

Também ontem, o plenário virtual decidiu manter como alvo do inquérito das "fake news" o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Houve maioria contra pedido feito pelo ministro André Mendonça (Justiça) para retirar o colega do escopo da investigação. Weintraub defendeu a prisão de ministros do STF, a quem chamou de "vagabundos".