Título: Pressão internacional
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 12/01/2013, Mundo, p. 17

ONGs cobram de Barack Obama a antiga promessa de fechamento de Guantánamo e do julgamento dos encarcerados

O 11º aniversário da controversa prisão de Guantánamo foi lembrado, ontem, como uma promessa não cumprida durante os primeiros anos de Barack Obama na Casa Branca. A dez dias do início do segundo mandato do presidente dos Estados Unidos, organizações de direitos humanos adicionaram à cobrança por ação do governante a constatação de que apenas fechar o centro prisional não resolve o problema. Para elas, os EUA precisam solucionar a situação dos 166 homens que permanecem encarcerados sem julgamento ou sequer acusação formal. A Anistia Internacional, que esta semana liderou manifestações em Washington, exortou a administração democrata a levar os prisioneiros a um julgamento justou ou libertá-los.

Resultado da oposição democrata à chamada “guerra ao terror”, deflagrada por seu antecessor republicano, George W. Bush, a promessa de fechar Guantánamo foi feita por Obama em seu discurso de posse, em 2009, e repetida em seu primeiro pronunciamento sobre o Estado da União, no ano seguinte. Mas a resistência do Congresso em autorizar a transferência de prisioneiros de Guantánamo, localizado em uma base militar em Cuba, para serem julgados em território americano criou um impasse para Obama. Sua administração culpa o bloqueio legislativo pela falta de uma solução para o caso. No entanto, segundo a Anistia Internacional, o presidente, apesar de abolir o termo “guerra ao terror”, aceitou o paradigma de uma unilateral “guerra global”, que levou a detenções indefinidas pelos soldados americanos. Os prisioneiros de Guantánamo foram capturados em operações para se encontrar suspeitos de envolvimento com os ataques de 11 de setembro de 2001.

Uma das sugestões dos democratas foi transferir os prisioneiros uma cadeia no estado de Illinois. Mas para o pesquisador da Anistia para os EUA, o britânico Rob Freer (leia o Três perguntas ao lado), ainda que isso acontecesse e o centro fosse fechado, persistiria o problema das prisões por tempo indeterminado. Segundo Freer, há 48 detidos sem provas suficientes para levá-los a julgamento, mas o governo os considera perigosos demais para serem soltos. Nesse aspecto, na opinião do pesquisador, não há divergências entre a Casa Branca e o Congresso. “Precisa haver uma pressão internacional sobre os EUA em toda a questão relacionada aos direitos humanos, como essas prisões sem julgamento, as comissões militares (que julgam os presos em Guantánamo) e a pena de morte. Os EUA são relutantes em aplicar normas internacionais de direitos humanos em questões assim”, afirmou, em entrevista ao Correio.

Tanto a Anistia Internacional como a organização União pelas Liberdades Civis Americanas defendem uma corte federal para julgar os casos, se houver evidências contra os suspeitos, ou a liberdade para os presos. A União pediu ainda que a Suprema Corte defina um parâmetro para as detenções e garanta os direitos dos prisioneiros. Do Congresso, a mesma organização cobrou o fim das “restrições desnecessárias” para a transferência e libertação dos prisioneiros.

A historiadora americana da Tulane University (Louisiana), Jana Lipman, também defendeu, em entrevista ao Correio, a pressão para uma solução em Guantánamo. Na sua avaliação, porém, o tema não será urgente no novo mandato. “Deveria ser uma prioridade, até mesmo para a posição e reputação dos EUA no mundo”, afirmou Lipman, que também integra o projeto Guantánamo Public Memory Project (gitmomemory.org). O site conta a história da base militar e traz relatos de vários pessoas ligadas direta ou indiretamente a ela.

Três perguntas para

Rob Freer,Pesquisador da Anistia Internacional sobre os EUA

Há alguma expectativa de que Obama feche Guantánamo no segundo mandato? No primeiro mandato, já houve um grande desapontamento com o governo Obama com relação a Guantánamo. Ele não cumpriu a promessa feita logo que assumiu de que a fecharia a prisão até janeiro de 2010. Em nossa opinião, ele não conseguirá fechar o campo de detenção, nem mesmo no mandato que se inicia, se não mudar a abordagem com que trata o assunto.

Não é um contrassenso, já que Obama quis desvencilhar sua gestão da “guerra ao terror”? O fato de não ter fechado Guantánamo não quer dizer que o presidente não tenha tomado algumas boas decisões. Ele impediu, por exemplo, a CIA de continuar com detenções por tempo indeterminado. Mas, ao mesmo tempo, ninguém foi responsabilizado sobre o que aconteceu antes. Obama fez algumas mudanças cosméticas, como deixar de usar a expressão “guerra ao terror”, mas adotou a bagagem que havia por trás disso. O que precisamos é de mudanças reais.

Qual o objetivo da mobilização da Anistia Internacional e de outras organizações ao redor do planeta? Em geral, todos os anos, no aniversário de Guantánamo, realizamos campanhas em vários países e fazemos demonstrações junto às embaixadas americanas, enviamos cartas às autoridades dos EUA, entre outras iniciativas. Trata-se de uma questão importante para nós como organização internacional, no entanto o assunto é ainda mais relevante dentro dos EUA, onde o tema começa a perder a atenção. O grande foco passou a ser a economia, e a população está esquecendo de Guantánamo. O centro de detenção tornou-se parte da paisagem americana e, quanto mais tempo passar, mais difícil será mudar alguma coisa.

Soberania afegã

O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou ontem que as tropas americanas no Afeganistão assumirão um “papel de apoio” a partir da próxima primavera (que tem início em 21 março no Hemisfério Norte). Em uma coletiva de imprensa ao lado do presidente afegão, Hamid Karzai , Obama afirmou que os soldados americanos passarão a realizar uma missão de “formação, treinamento e assistência às tropas do Afeganistão”. Isso, segundo ele, não quer dizer que elas deixarão de combater, quando necessário, mas que as forças afegãs assumirão a liderança da segurança no país devastado pela guerra. “Será um momento histórico e mais um passo rumo a completa soberania afegã”, declarou Obama. Em fevereiro do ano passado, o governo americano anunciou que as forças dos EUA, que se preparam para se retirar do país no fim de 2014, deixariam de ter papel de protagonistas nas operações de combate. Não havia, porém, uma data precisa para isso ocorrer. Ainda ontem, Obama afirmou que apresentará, nos próximos meses, os planos detalhados para a retirada definitiva do país, cuja ocupação teve início em 2001.