Título: Campanha com o dinheiro da Câmara
Autor: Almeida, Amanda; Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 13/01/2013, Política, p. 2

Deputados utilizam uma parte da cota parlamentar para fins eleitorais e gastam com pesquisas de opinião, aluguel de carros e até combustível. Especialistas criticam a falta de controle das despesas

A cota da Câmara dos Deputados para custear a atividade parlamentar serviu em 2012 para bancar também gastos de campanha. No ano de eleições municipais, a verba cobriu pesquisas de opinião sobre deputados que foram candidatos, avaliação do eleitor sobre a gestão de aliados e até sondagem do grau de vulnerabilidade de opositores que se lançaram às prefeituras.

O levantamento foi feito pelo Correio nas notas fiscais apresentadas pelos deputados à Câmara, de natureza pública, mas divulgadas apenas parcialmente pela Casa, em descumprimento à Lei de Acesso à Informação. Desde o início da atual legislatura, em fevereiro de 2011, os 513 parlamentares colocaram as mãos em R$ 284,5 milhões da cota parlamentar. Candidato derrotado à prefeitura de Caxias do Sul (RS), o deputado Assis Melo (PCdoB-RS) passou para o contribuinte a conta de um detalhado diagnóstico sobre os problemas que mais incomodam os moradores do município. Ele pediu ressarcimento à Câmara dos Deputados de R$ 12,7 mil, gastos com três levantamentos encomendados ao IPO Instituto de Pesquisas de Opinião. Feitos em março, abril e maio, eles incluem também a avaliação dos entrevistados sobre o trabalho do parlamentar. No início de 2012, Melo já dava entrevistas como pré-candidato do PCdoB à administração municipal.

Feita três meses antes do início da campanha eleitoral, uma das sondagens ouviu 600 moradores do município de 314 mil habitantes e vai direto ao assunto: “Quais são os problemas que mais afetam os moradores de Caxias do Sul e que deveriam ser tratados como prioridade pelo futuro prefeito?”. Apontada como o principal déficit pelos entrevistados, a saúde foi uma das áreas em destaque na campanha de Melo. O levantamento não só mostrava o quadro geral, mas identificava também o tema tratado como essencial em cada região da cidade.

As perguntas seguintes tratam da avaliação do deputado federal pelos moradores de Caxias do Sul. Um dos questionamentos é se o desempenho dele é ótimo, bom, ruim, regular ou péssimo. Apenas 2,7% dos entrevistados dizem que a atuação de Melo é ótima. O deputado pôde, ainda, identificar em que setores precisava investir, já que o levantamento trazia a avaliação por faixa etária, renda familiar e educação formal. Assis Melo foi procurado pela reportagem durante três dias. Ninguém atendeu o telefone em seu gabinete na Câmara. Um assessor prometeu contato com o deputado, porém não voltou a ligar para o Correio.

Dilma O deputado Jorge Corte Real (PTB-PE) quis mais informações. Além da avaliação de aliados nas prefeituras de Passira e Timbaúba, ambas em Pernambuco, ele encomendou ao mesmo IPO Instituto de Pesquisas de Opinião perguntas sobre a aprovação da presidente Dilma Rousseff e do governador Eduardo Campos (PSB) nos municípios. A Câmara dos Deputados pagou, em 2012, R$ 30 mil por três levantamentos pedidos pelo parlamentar. No fim de abril, foram ouvidas 404 pessoas em Timbaúba e 356, em Passira.

As duas pesquisas são semelhantes, trazendo perguntas praticamente iguais. Em Timbaúba, Corte Real pediu a avaliação do prefeito aliado Marinaldo Rosendo (PSB), que se reelegeu em outubro com o PTB na mesma coligação. Em Passira, a análise foi sobre o prefeito aliado Miguel Freitas (PP), que apoiou o mesmo candidato que o PTB. Procurado pela reportagem, o deputado respondeu, via assessoria, que as pesquisas servem para direcionar sua atuação de acordo com as demandas apontadas pela população.

A assessoria do deputado, no entanto, não soube responder quais foram os resultados práticos da encomenda das sondagens. Disse que apenas depois do recesso parlamentar poderia responder se Corte Real desenvolveu alguma ação baseada nos levantamentos. Nenhuma emenda individual apresentada pelo deputado para 2013 trata diretamente dos dois municípios. Uma conclusão sobre as duas pesquisas pode ser tirada: se a briga presidencial fosse em abril do ano passado e Campos e Dilma estivessem na disputa, o resultado seria apertado nas duas cidades. Os dois são avaliados positivamente por mais de 80% dos entrevistados de Timbaúba e Passira.

Qualidade de vida Já o deputado Roberto Teixeira (PP-PE) pediu ressarcimento de R$ 40 mil por três pesquisas encomendadas à empresa Via Social. Por R$ 15 mil, uma delas colheu o nível de satisfação dos moradores de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana de Recife. Indiretamente, as perguntas conduzem à avaliação da administração de Elias Gomes (PSDB), reeleito em outubro, sem o apoio do PP de Teixeira.

Dividido por bairros da cidade, o levantamento questionou 800 moradores, em abril, sobre a qualidade de vida em Jaboatão dos Guararapes. O entrevistado tinha de responder simplesmente se sua vida havia melhorado ou não nos últimos 12 meses e se tinha a expectativa de que melhorasse. Para que o resultado contribuiu para a atividade do parlamentar? A reportagem tentou por três dias falar com Teixeira. Ele chegou a atender em uma das tentativas, pediu para ligar mais tarde e não voltou a responder aos telefonemas.