Título: Do ódio à idolatria
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 13/01/2013, Mundo, p. 16
Ideólogo da Revolução Bolivariana e do "socialismo do século 21", Hugo Chávez desperta sentimentos contraditórios entre a população
Thaís Del Valle Rivas, 44 anos, deve muito ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Moradora de Carvajal, no departamento (estado) de Trujillo, a 600km de Caracas, a técnica em construção civil foi beneficiada por um dos muitos programas sociais que se tornaram pilares da Revolução Bolivariana e moldaram a implantação do “socialismo do século 21”. “Graças às políticas promulgadas para a aquisição de moradias, hoje tenho uma casa própria”, celebra, em entrevista ao Correio, pela internet. “Foi o governo que me brindou com esse subsídio”, acrescenta. Desde a implantação da Grande Missão Moradia Venezuela, em abril de 2011, mais de 346 mil casas foram distribuídas para a população carente. Até 2019, a intenção do governo é construir 3 milhões de residências — 300 mil nos próximos quatro anos. “Graças às missões impulsionadas por Chávez, nosso povo despertou e avançou”, comenta Thaís, que cita a redução da pobreza, da marginalidade, do desemprego e do analfabetismo.
Os três filhos de Jesús Garcia, 44 anos, recebem bolsas da Grande Missão Filhos e Filhas da Venezuela. “Tudo o que eles precisam fazer é estar estudando e ter menos de 15 anos”, explica à reportagem o capataz da estatal petroleira PDVSA, que vive na cidade de Punto Fijo, no departamento de Falcón, extremo norte. Funcionário do governo, ele não esconde a gratidão para com o presidente. “Chávez é o melhor que pôde ocorrer no mundo: exemplo de nobreza, de valor e de amor ao povo. Ele mudou nossas vidas”, comenta. “Agora, temos um sistema de democratização do emprego para a indústria petroleira e saúde gratuita para todos, com a Grande Missão Bairro Adentro.”
O desemprego atinge 6,4% dos venezuelanos — no Brasil, o índice chega a 5,6%. A pobreza despencou de 49%, em 1998, para ainda impressionantes 26,7%, no ano passado. O analfabetismo foi erradicado em 2005. Na ânsia de oferecer qualidade de vida à população, as missões bolivarianas escondem um lado polêmico. “Elas tornam as pessoas mais pobres do que podem ser. O que fazem é meter na sua cabeça uma ideia de ‘socialismo’ que nem mesmo o presidente pratica”, desabafa Gabriela Duran, 21 anos, estudante de Ciudad Maracay, no departamento de Aragua, na costa do Mar do Caribe. “Chávez encheu meu país de sangue, miséria, delinquência e de ignorantes.” Ela acusa o governo de recompensar, com geladeira, dinheiro e casas, as pessoas que forem às ruas a favor do governo.
O cerceamento dos direitos civis é motivo de preocupação. “Por aqui, não existe liberdade. Se temos opiniões diferentes, podemos ir presos. Tudo é corrupção”, diz Gabriela. As imagens de Chávez se espalham pelas cidades, e as redes de tevê estatais insistem em exaltar o presidente. Em 13 de janeiro de 2012, o líder bolivariano fez o mais longo discurso desde a ascensão ao Palácio de Miraflores: foram 10 horas de pronunciamento.
Apesar de tanta idolatria nas ruas e na mídia, a economista e advogada Sonia Cesin, moradora de Caracas, não vê motivos para celebrar o legado chavista. “Durante o governo de Chávez, houve um aumento descomunal na delinquência. É impressionante como você pode se ver preso em meio a um tiroteio ou se tornar vítima de assalto, aqui na capital”, comenta. A capital registra média de 98,5 assassinatos para cada 100 mil habitantes — em 2012, foram cerca de 3.500 crimes. Questionada sobre o que mudou em sua vida na era Chávez, Sonia tem a resposta pronta. “Mudei de status: antes, eu pertencia à classe média, agora sou da classe média baixa, sem presidente e com a Constituição violada”, comenta.
Ela conta que foi demitida de uma companhia telefônica, depois de o governo declarar a estatização da empresa. “As pessoas veem em Chávez um pai porque recebem uma bolsa mensal de comida, além de 300 bolívares fortes (R$ 142)”, diz. “A Grande Missão Moradia Venezuela é muito boa, mas a qualidade das casas é tão ruim que até as paredes têm caído”, critica. A economista acredita que Chávez tinha tudo para fazer um bom governo, mas desperdiçou a chance. Enquanto luta pela saúde em Cuba, o presidente segue despertando o ódio e a idolatria em seu país.
"Hugo Chávez deixa um legado de ódio, de destruição e de ruínas” Sonia Cesin, economista e advogada, moradora de Caracas
"Chávez é exemplo de nobreza, valor e amor ao povo” Jesús García, capataz na PDVSA, morador de Punto Fijo (estado de Falcón)
Projeto populista
Conheça as principais missões bolivarianas criadas pelo governo do presidente Hugo Chávez
Grande Missão AgroVenezuela Projetada por Chávez para enfrentar a crise alimentar mundial. Consiste em dar a pequenos e médios produtores os insumos necessários para a produção agropecuária. Também busca estimular o crescimento da fronteira agrícola, em estados de risco, como Zulia e Guárico.
Grande Missão em Amor Maior O objetivo é reconhecer os adultos que trabalharam toda a vida, sem se beneficiarem da previdência social. Concede pensão a mulheres maiores de 55 anos, aos homens maiores de 60 e aos estrangeiros com mais de 10 anos de residência legal na Venezuela.
Grande Missão Filhos e Filhas da Venezuela Programa social que se propõe a derrotar a pobreza, atendendo a quatro grupos: as adolescentes grávidas, as mulheres gestantes em situação de miséria, filhos e filhas menores de 17 anos carentes e portadores de deficiência física.
Grande Missão Saber e Trabalho Tem por meta combater o desemprego e o subemprego, em especial dos setores juvenis e das mulheres. Os candidatos se registram em um sistema de ofertas de emprego e recebem educação técnica e universitária.
Grande Missão Moradia Venezuela Estabelece 2019 como o prazo para que todos os venezuelanos tenham uma casa ou um apartamento digno. Surgiu em 2011 da necessidade de eliminar os bairros pobres e as favelas.