O Estado de São Paulo, n.46238, 22/05/2020. Internacional, p.A9

 

China avança para assumir controle total de Hong Kong

22/05/2020

 

 

Lei de segurança nacional, que deve ser decretada nos próximos dias, tira autonomia e pune quem não respeitar autoridade de Pequim

HONG KONG 

O Partido Comunista da China vai decretar uma lei de segurança nacional em Hong Kong durante sua cúpula anual, que vai de hoje até o dia 28. Funcionários do governo chinês disseram ontem que a medida criminaliza “a interferência estrangeira” e as atividades separatistas.

A lei de segurança nacional é o passo mais recente dado por Pequim para acabar com a autonomia de Hong Kong e trazer para o seu controle total o centro financeiro, ao mesmo tempo em que trabalha para reformular a estrutura de “um só país, dois sistemas”, que permitiu ao território um certo grau de independência nos últimos 23 anos.

Depois de minar persistentemente as liberdades políticas de Hong Kong, o governo chinês acredita que a lei de segurança nacional seja um novo instrumento que lhe permitirá tratar diretamente a dissidência política que explodiu nas ruas de Hong Kong no ano passado. Os prolongados protestos, por vezes violentos, começaram em junho e foram perdendo a força após a chegada da pandemia.

A nova tática assinala uma escalada da repressão do governo da China contra a antiga colônia britânica e a mais clara indicação de que considera o território uma região rebelde que terá de ser subjugada.

O futuro da cidade tornou-se mais um ponto de conflito entre a China e os EUA. Na quartafeira, o secretário de Estado, Mike Pompeo, disse que Washington está “observando de perto os acontecimentos em Hong Kong”.

Os manifestantes em favor da democracia apelaram diretamente para a intervenção do governo americano, frequentemente agitando bandeiras dos EUA nas ruas de Hong Kong, e se considerando o último bastião da resistência contra a direção cada vez mais autoritária do presidente Xi Jinping.

“Pequim optou pelo caminho mais arriscado”, afirmou HoFung Hung, professor de relações internacionais da Universidade Johns Hopkins. “Será muito difícil para todos, principalmente para os EUA, afirmar que Hong Kong ainda é autônoma e viável.”

Mais tarde, representantes do Departamento de Negócios de Hong Kong e Macau se reuniram com delegados da legislatura da China para explicar os detalhes da lei de segurança nacional. “Em linhas gerais, o decreto proíbe a secessão, a subversão do poder do Estado, a interferência estrangeira e o terrorismo”, afirmou Stanley Ng, um deputado de Hong Kong no Congresso Nacional do Povo, mais alto organismo legislativo da China.

A legislação poderá ser aprovada já na próxima semana e passará por cima de todos os processos normais de Hong Kong. Leis semelhantes foram propostas em 2003. Elas permitiriam a realização de buscas sem mandato. Mas foram abandonadas depois de maciços protestos e não foram aplicadas localmente.

“A agitação social do ano passado mostrou que o governo de Hong Kong não conseguiu lidar com a aprovação de uma lei de segurança nacional”, disse Ng, que é leal a Pequim e durante anos pressionou pela aprovação de uma medida semelhante.

A mudança terá efeitos de grande alcance. Segundo o acordo que a Grã-Bretanha assinou com a China, antes da devolução de Hong Kong, em 1997, o território deveria manter uma liberdade relativa até pelo menos 2047.

No entanto, sob a liderança de Xi, o Partido Comunista, com espantosa rapidez, não concordou com a autonomia do território. “Estou sem palavras”, afirmou Dennis Kwok, parlamentar do grupo favorável à democracia, falando sobre a proposta de lei de segurança nacional. Kwok tem sido criticado por Pequim e recentemente foi demitido do cargo de presidente de uma importante comissão no legislativo. “Esta é uma surpresa total e completa e acho que significa o fim da ideia de ‘um país, dois sistemas’”, disse.

Após a divulgação da proposta, houve convocações para novos protestos, mesmo em meio à pandemia. “Os braços da tirania alcançaram Hong Kong”, disse Ted Hui, parlamentar favorável à democracia, que participou das manifestações do ano passado. “Dias nebulosos se aproximam.” / WP, TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA