Correio braziliense, n. 20863 , 06/07/2020. Brasil, p.4

 

Os riscos do efeito sanfona

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

06/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Sem uma vacina contra a covid, o brasileiro deve se acostumar com a ideia de que será preciso conviver com a quarentena intermitente, precisando equacionar a liberação e a restrição de atividades. Rio e São Paulo preocupam especialistas

Ainda sem poder contar com uma vacina contra o novo coronavírus, a população precisa se acostumar a conviver com o abre e fecha das atividades. É o que afirmam os especialistas ouvidos pelo Correio. Apesar de a prática ser comum em meio à pandemia de covid-19, a retomada de forma precoce pode trazer prejuízos já vivenciados em alguns estados brasileiros, como Minas Gerais, que viu o número de infecções explodir após a flexibilização da quarentena. Até a descoberta da imunização, o alerta é para que as autoridades equalizem a discussão que coloca a saúde e a economia em extremos opostos e, assim, consigam amenizar os impactos da pandemia em todas as esferas.

À frente das projeções que levaram o governador Ronaldo Caiado a sugerir um lockdown intermitente em Goiás, o professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás Thiago Rangel chama atenção para o equilíbrio das decisões. “Na prática, precisamos sair dessa discussão polarizada entre lockdown e não fazer nada. Essa dicotomia, em que só se prevê dois lados, não é produtiva”, destacou Rangel, em reunião com representantes do governo e da sociedade civil goiana.

Durante o encontro, o pesquisador apresentou estimativa de mais de 18 mil mortes por covid até setembro caso não houvesse mudança na forma de enfrentamento da doença no estado. A sugestão apresentada foi de lockdown intermitente, com fechamento durante 14 dias e abertura nos próximos 14, de maneira intercalada até setembro. Segundo Rangel, um fechamento por período longo e indeterminado teria um grande impacto sócioeconômico, com agravamento das desigualdades e possível baixa adesão. “O lockdown é uma ferramenta extremamente importante e que deve ser usada com parcimônia em casos e momentos específicos, porque é extremamente amarga e não é a única ferramenta que nós temos.”

O governador Ronaldo Caiado pediu a adesão dos municípios à conduta sugerida. No entanto, cabe aos prefeitos decretar ou não a medida. Enquanto o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, seguiu a sugestão e decretou fechamento das atividades não essenciais por 14 dias, a prefeitura de Aparecida de Goiânia informou, por meio de nota, que o município manterá o sistema de matriz de risco e o escalonamento regional de abertura de comércio.

Já no Entorno do DF, a decisão foi no sentido de realizar o lockdown somente aos fins de semana. Além disso, houve alteração nos horários dos serviços, essenciais ou não, durante a semana, para evitar aglomerações e conter a disseminação da covid-19. Os municípios goianos atingidos pela medida são: Águas Lindas de Goiás, Abadiânia, Alexânia, Padre Bernardo, Valparaíso, Luziânia, Cidade Ocidental, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina de Goiás. A decisão começou a valer no fim de semana.

Ferramentas

A convivência com a retomada e o fechamento de atividades por um período indeterminado é conformidade entre os especialistas. “Infelizmente, nós vamos conviver com isso por um período ainda não determinado e acho que o platô (estabilização de casos) vai ser um termômetro para definir isso, mas ainda não estamos nele. Para atingi-lo, precisamos de medidas de isolamento efetivas”, avaliou Rodrigo José, médico do serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Imaculada Conceição, em Curvelo. No estado de Minas Gerais, a flexibilização foi descartada pela Secretaria de Saúde nos próximos 15 dias. Isso porque Minas Gerais foi um dos quatro estados que alcançaram mil mortes pelo vírus ao longo da semana passada, após retomar parte das atividades. 

“Em Minas Gerais, a gente teve uma flexibilização precoce, tanto é que, em duas semanas, a gente teve que fechar. Em Curvelo, cidade do interior do estado, a gente viu o crescimento de número de casos confirmados e também uma grande incidência de internação em terapia intensiva”, afirmou Rodrigo José, que é plantonista da UTI de covid-19 em dois hospitais. Segundo ele, em duas semanas, o número de pacientes internados em UTI no estado dobrou em relação aos últimos 30 dias.

Após o salto de casos, o governo estadual recuou na flexibilização, e o secretário de Saúde de Minas, Carlos Eduardo Amaral, informou que prefere não sinalizar uma data específica para a volta gradual de atividades. “Não é momento de flexibilizar ou modificar o isolamento. Trabalhamos com projeções baseadas em análises técnicas de números que tentam chegar mais próximo da realidade”, disse o secretário, na última sexta.

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Monitoramento e controle

Maria Eduarda Cardim

Bruna Lima

06/07/2020

 

 

Mesmo com uma expectativa de estabilização na curva após agosto, o médico do serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Imaculada Conceição, em Curvelo,  Rodrigo José indica que medidas subsequentes serão necessárias, já que mesmo com o controle da doença, o vírus permanecerá no país. Por isso, o pesquisador do Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Carlos Machado ressalta a importância da vigilância e do monitoramento adequado, diante do convívio com as medidas de restrição, vistas como o único remédio eficaz contra a infecção até o momento.

“As medidas de distanciamento social terão que ser apertadas e afrouxadas a todo momento e nós não temos como fazer isso sem vigilância e monitoramento adequados”, afirma. No entanto, na prática, o controle das liberações é, ainda, mais desafiador e necessário. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a abertura de bares e restaurantes chamou multidões sem máscaras às ruas. Com exigência de funcionar com 50% da capacidade e manter distanciamento de 2 metros, os estabelecimentos não comportaram a demanda no primeiro dia de flexibilização, na quinta passada; as pessoas decidiram fazer a festa na rua.

“Os agentes determinaram o fechamento de diversos bares, apesar de todos respeitarem os protocolos de segurança sanitária, como distanciamento, uso de máscaras e higienização disponível aos clientes. Devido à aglomeração na rua, todos os estabelecimentos foram orientados e fecharam as portas”, informou a Guarda Municipal do Rio.

Exaustão

Em municípios de São Paulo, incluindo a capital, uma liberação semelhante começa esta semana. O temor é de que ocorra situação de descontrole parecida com  a do Rio. “Todos nós estamos ansiosos para sair de casa, para celebrar com os amigos, mas não estamos no momento de celebração. Estamos no momento de solidariedade, entender os protocolos e cumprir. Se isso não acontecer, o Plano São Paulo tem gatilhos para retrocedermos. Os dados vão nos mostrar isso. O papel de liderança dos prefeitos tem sido fundamental, mas o de cada cidadão também é”, alertou a secretária de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, Patricia Ellen.

A capital paulista é uma das cidades onde a flexibilização começa a valer hoje. No fim do mês, caso sejam mantidos os níveis de controle, academias e salões de beleza também entrarão no rol de atividades permitidas, com restrições. Por outro lado, Campinas foi uma das cidades que retrocederam no afrouxamento, suspendendo todas as atividades não essenciais.

Na avaliação do pneumologista do Laboratório Exame Elie Fiss, essa movimentação acontece porque ainda não “conhecemos a história natural completa desse vírus. Não tem nem um ano que o conhecemos, tem meses. O vírus influenza, por exemplo, você sabe que aumenta no outono e inverno e depois reduz. Já com o novo coronavírus, nós não sabemos qual o comportamento dele.”

A falta desse conhecimento também traz dúvidas sobre uma possibilidade de reinfecção nos pacientes que já testaram positivo uma vez. “A gente ainda não tem conhecimento de qual vai ser o comportamento dessa imunização gerada pela primeira infecção. É importante ressaltar isso porque, às vezes, as pessoas acham que porque tiveram uma vez, estarão imunizadas e não precisam usar medidas de proteção. Existe uma perspectiva de que esses pacientes não consigam gerar uma imunidade duradoura, como se esperava”, explica o médico Rodrigo José.

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País rompe marca de 1,6 milhão

06/07/2020

 

 

O Brasil ultrapassou, ontem, a marca de 1,6 milhão de casos confirmados da covid-19. Conforme dados do Ministério da Saúde, foram registrados 26.051 infecções da doença nas últimas 24 horas e 602 óbitos, chegando ao total de 64.867 mortos.

O país segue sendo o segundo no mundo em número de casos e vidas perdidas, atrás apenas dos Estados Unidos, que possui 2,8 milhões de casos e 129,8 mil mortes. Os dados são compilados pela Universidade Johns Hopkins (EUA).

São Paulo continua sendo o epicentro da covid-19 no Brasil, com 320,1 mil confirmações para o novo coronavírus e 16 mil mortes. No ranking mundial, se comparado ao número de outros países, o estado está atrás, apenas, dos EUA, do Brasil, da Rússia e da Índia, com mais casos do que Peru, Chile, Inglaterra, Espanha e Itália, por exemplo.

Já o Ceará ultrapassou, no último sábado, o Rio de Janeiro e se mantém em segundo lugar no ranking nacional, com 121.464 infectados. O Rio possui um pouco menos, 121.292, mas está na segunda posição quando se observa o número de óbitos, com 10.667 pessoas mortas pela doença — o Ceará possui 6.441 óbitos.

Os números do ministério informam, também, que o Brasil tem 631.902 pessoas em acompanhamento e 906.286 pacientes que se recuperaram. A quantidade diverge da informação no site de acompanhamento da Johns Hopkins, no qual consta mais de 1 milhão de recuperados. Este número é maior do que o dos EUA, que possuem 906.763 recuperados, segundo a plataforma da universidade.