Correio braziliense, n. 20863 , 06/07/2020. Economia, p.6

 

País terá retomada lenta e desigual

Rosana Hessel

06/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Desigualdade social e regional tende a se aprofundar no rastro da crise provocada pela pandemia da covid-19, da qual o Brasil sairá mais pobre. Para alguns especialistas, só em 2029 o brasileiro deve recuperar a renda que tinha em 2013

Com a pandemia de covid-19 deixando um rastro de destruição na economia global, a certeza entre especialistas é de que a desigualdade vai aumentar mais ainda no planeta. O Brasil, onde há mais de 64 mil mortes contabilizadas oficialmente e um dos maiores volumes de pessoas contaminadas no mundo, acima de 1,6 milhão, não é diferente. O fosso que separa ricos e pobres vai ficar ainda mais profundo diante da uma expectativa de retomada lenta e desigual nas diferentes regiões do país, devido às idas e vindas das medidas de isolamento social.

Para analistas, a recessão sem precedentes que se formou terá efeitos devastadores no mercado de trabalho e na economia, pois a renda do trabalhador tende a encolher e terá recuperação mais lenta do que a do Produto Interno Bruto (PIB) como um todo.

Vale lembrar que o país já vinha apresentando crescimento fraco desde 2017, após a recessão dos dois anos anteriores, avançando em um ritmo de 1% ao ano. Esse percentual é a capacidade de crescimento do país, o chamado PIB potencial, de acordo com o economista Rafael Bacciotti, analista da Instituição Fiscal Independente (IFI), que prevê queda de 6,5% no PIB neste ano. “O potencial de crescimento da economia foi de 1,5% de 2011 a 2018, ante 4 % entre 2005 e 2010. O PIB está em trajetória de desaceleração”, explica. “O país perdeu o gás devido à perda de produtividade.”

Diante da falta de capacidade para crescer, a desigualdade voltou com força nos últimos três anos, o que pode ser percebido não apenas no aumento da pobreza, mas, também, no mercado de trabalho. No trimestre encerrado em maio, quando a taxa de desemprego subiu para 12,7%, o índice de pessoas ocupadas caiu a 49,5%. É a primeira vez que esse indicador fica abaixo de 50% na série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 2012.

Emergência

“Ainda é cedo para medir todo o impacto da crise, mas quem está na informalidade e depende do comércio ou de serviços foi duramente afetado. Somente os trabalhadores do setor público não tiveram redução dos salários”, destaca o economista Ecio Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Costa fez um levantamento mostrando que o impacto do auxílio emergencial de R$ 600 está sendo positivo para minimizar as perdas dos trabalhadores informais e dos mais pobres, especialmente do Norte e do Nordeste. Contudo, o benefício não é suficiente para evitar os danos da recessão. Para o economista, o PIB deve cair 6,5% neste ano. “O impacto será mais forte nas classes mais baixas, porque a principal fonte de renda de muitas pessoas foi cortada na pandemia, e ainda vai demorar para se recuperar”, destaca.

Ele reconhece que o Brasil ainda não chegou ao pico da primeira onda de contágio, e uma possível segunda onda, como está começando a se formar em países que reduziram os casos, pode ser ainda mais devastadora, como aconteceu no início do século passado com a gripe espanhola. Essa pandemia que, na verdade, foi originada nos Estados Unidos, teve três ondas e matou mais de 50 milhões de pessoas no mundo.

Os diferentes estágios da covid-19 nas regiões brasileiras também devem proporcionar uma retomada desigual, avalia Costa. “Se vai haver uma segunda onda, ou se essa primeira onda será bem prolongada, ainda não sabemos. Agora, estamos vendo a expansão da doença para o interior. Cidades como Recife começam a retomar as atividades gradualmente, mas, no interior, a situação está ficando mais preocupante”, avalia.

Jefferson Nascimento, coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, reforça que a desigualdade social vai aumentar com a recessão. “Os dados de emprego já mostram que isso está ocorrendo, pois, considerando que a desigualdade já tinha voltado a aumentar nos últimos três anos, agora, com a desaceleração mais forte da economia, deve piorar”, afirma.

Informalidade

O advogado lembra que os dados de emprego, quando davam algum sinal de melhora, como ocorreu no início do ano, na verdade, mostravam mais a precarização do mercado de trabalho. “A redução do número de desempregados ocorria porque estava aumentando a informalidade, que bateu o recorde de 41%, totalizando 38,4 milhões de trabalhadores. Agora, até o trabalho informal está sumindo na recessão”, destaca Nascimento. “No fim de maio, a Pnad registrou o fechamento de 7,8 milhões de postos de trabalho, dos quais 5,8 milhões eram informais. A pandemia vai escancarar o fato de que a precarização do mercado de trabalho já vinha contribuindo muito para o aumento da desigualdade.”

Um dos maiores estudiosos do país sobre desigualdade no país, o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas, faz um alerta. “Não só a pancada em 2020 é muito grande, mas a recuperação em 2021 ainda tende a ser menor do que a de outros países, porque a pandemia pega o Brasil logo depois de uma recessão forte, entre 2014 e 2016, da qual o país ainda não tinha saído completamente”, pontua.