Correio braziliense, n. 20863 , 06/07/2020. Economia, p.8

 

Falhas na governança atrapalham privatizações

06/07/2020

 

 

Muitos órgãos são responsáveis pela modelagem das desestatizações, o que torna o processo burocrático e lento, além de gerar insegurança jurídica

A governança na área de privatização piorou com vários órgãos responsáveis pelo processo. A afirmação é de Elena Landau, economista, advogada sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados e presidente do Conselho Acadêmico do Livres. “Hoje, para contribuir com a insegurança jurídica, além do manicômio tributário, o país tem uma série de órgãos responsáveis pelas privatizações”, diz. A especialista elenca o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o Plano Nacional de Desestatização (PND), a Casa Civil, a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Isso torna o processo mais lento e mais burocrático”, pontua Elena. Ela lembra que, quando trabalhou no BNDES, havia um conflito com o Tribunal de Contas da União (TCU). “A qualidade técnica, hoje, é espetacular, melhorou muito, mas ainda existe hipertrofia do TCU. Os prazos para o edital tornam o processo mais lento. Se a ideia era dar mais segurança, acabou dando poder quase de órgão executivo ao TCU”, observa.

A economista alerta que o projeto básico de infraestrutura depende da visão de governo. “Quando o governo quer pedágios baixos, tarifas baixas, tem que se comprometer em fazer investimentos. O trecho da estrada que liga o Rio a Petrópolis, por exemplo, é um fracasso de desenho de concessão”, exemplifica.

Outras questões de segurança jurídica precisam ser melhoradas, além da governança nas privatizações, diz Elena. “As agências reguladoras têm de ser menos políticas. Sem a decisão de escolha de diretores, vários órgãos estão sem composição completa e acabam usando quadros internos. Mas a responsabilidade é do Congresso Nacional de sabatinar os indicados para identificar se têm conhecimento técnico para cumprir as funções”, lembra.

Discurso equivocado

Ex-diretora do BNDES, Elena Landau ressalta que a instituição está mudando o foco. “Está se retirando da área de financiamento e recursos creditícios para a área de segurança, seguros e fianças. Segurança jurídica é um mundo. Tem que atacar todos os lados, desde impostos, um TCU menos invasivo, qualidade da agência reguladora, minimizar a dependência do Estado”, enumera. A advogada ressalta, ainda, que os projeto do Ministério da Infraestrutura foram herdados do governo de Michel Temer.

“O ministro Tarcísio Freitas conseguiu fazer uma série de concessões que já estavam no PPI, desde o governo Temer. A privatização volta à agenda no governo Bolsonaro, mas da forma errada. A pior bandeira é dizer que está vendendo porque tem problema fiscal. Precisa privatizar para melhorar a qualidade do serviço e da infraestrutura, e não por questão de caixa. As privatizações só voltam ao debate por conta fiscal. Aí traz a discussão de vender a prata da casa”, observa.

Dizer que a infraestrutura vai salvar o Brasil, ficou na moda, segundo ela. “Em toda a crise que a gente tem, fala-se isso e pouca atenção se dá quando não há crise. A infraestrutura não vai salvar o país, porque são investimentos de longo prazo e é preciso reduzir o risco político do Brasil para atrair recursos”, destaca. “É uma grande demanda de mão de obra e melhora a competitividade, com certeza, mas, se não houver reforma tributária e outras tantas, não adianta colocar tudo nas costas da infraestrutura, porque investidor não virá”, preconiza.

“Precisamos dar um mínimo de segurança para o investidor. Há um conjunto de reformas que precisam ser feitas para aumentar a competitividade”, alerta. Segundo ela, o Ministério de Infraestrutura diz uma coisa e o da Economia, outra. “A infraestrutura é mais estatizante. Tem dificuldade de levar adiante a privatização da Valec e da EPL. O programa Pró-Brasil prevê recursos público. Bem diferente da pasta de Economia.”

Frase

"Precisa privatizar para melhorar a qualidade do serviço e da infraestrutura e não por questão de caixa”

Elena Landau, economista e advogada

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País precisa investir onde opera bem

06/07/2020

 

 

O serviço portuário e as rodovias mantiveram as operações, inclusive com crescimento, mesmo diante do caos na economia provocado pela pandemia do novo coronavírus. Por isso, o país precisa de investimentos nesses setores, defende Jorge Bastos, ex-diretor presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). “Vivemos um momento complicado, um caos que ninguém esperava com essa pandemia. As únicas coisas que funcionam bem são o serviço portuário e as rodovias, que transportam a safra recorde de grãos”, ressalta.

Como o país não tem caixa para investir nesses setores, o governo tem sinalizado que vai privatizar os portos. “Iniciou pela desestatização do Porto de Vitória e estuda a privatização de Santos, onde há uma demora muito grande na liberação das cargas. É importante ter investimento privado e regras claras para atrair investidores. Mas é muito fácil falar em privatizar. O que precisamos é de projetos eficientes e segurança”, sustenta.

Segundo o especialista, há bons estudos desde o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos, criado no governo de Michel Temer). “Os projetos pretendem unir o que antes era separado. Juntar numa única cadeia as ferrovias, os portos, as rodovias, porque a intermodalidade é fundamental”, destaca. “Estamos em um caminho proveitoso, mas há muito por fazer”, opina.

O ex-presidente da EPL explica que a empresa desenvolve um trabalho de planejamento da cessão portuária junto com o Tribunal de Contas da União (TCU). “O Porto de Rio Grande recebe uma carga muito grande de caminhões, mas precisamos ter uma malha ferroviária. É primordial para garantir eficiência, com custo de logística seja menor”, explica. Bastos lembra que qualquer intervenção do governo é muito sensível. “A conclusão da pavimentação da BR-163, no eixo norte, reduziu o frete em 28%. São ações como essas que têm impacto muito grande na cadeia produtiva. No entanto, o grande problema dos governos é que têm pressa de realizar, e projetos de infraestrutura são de longo prazo”, pontua.

Poder regulatório

A vantagem do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, segundo Bastos, é que ele veio do governo anterior e conseguiu manter os projetos. “Ele conseguiu realizar, porque um projeto bom demora quatro, cinco anos. Precisamos desvincular o projeto da parte política. O PNL (Programa Nacional de Logística) existe para dar uma visão macro da infraestrutura.Tem de ser aprovado pelo Congresso como uma carta magna a ser seguida, independentemente do governo que virá”, defende.

Bastos alerta que o mais importante para o setor são projetos bem-elaborados. “Isso é crucial tanto para concessão quanto para a privatização e para as PPPs (parcerias público-privadas). Um projeto precisa ter começo, meio e fim. Uma concessão são 20, 30 anos. Tem que ter parcimônia em fazer os projetos e criar mecanismos que possam corrigi-los e alterá-los ao longo do prazo”, assinala.

Sobre as antecipações das renovações dos contratos ferroviários, o ex-presidente da ANTT lembra que a agência foi criada depois das concessões. “Foi difícil fazer a regulação das antecipações. Agora, com a renovação, vai melhorar muito o poder regulatório sobre as concessões”, aposta. Segundo ele, os concessionários fizeram milagres. “A infraestrutura ferroviária melhorou bastante, mas não o suficiente para atender à demanda. A reformulação dos contratos, além de antecipar os investimentos, cria mais obrigações e dá mais segurança para os investidores, na medida em que os aportes têm de ser feitos conforme a demanda.”

Frase

"Vivemos um momento complicado, um caos que ninguém esperava com essa pandemia. As únicas coisas que funcionam bem são o serviço portuário e as rodovias, que transportam a safra recorde de grãos”

Jorge Bastos, ex-presidente da ANTT e da EPL

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Momento importante para corrigir erros

06/07/2020

 

 

Maior terminal portuário da América Latina, o Porto de Santos fica na baixada santista, cercado pela Serra do Mar, com 800m de desnível e completamente integrado à cidade de Santos. Não à toa, é um enorme desafio logístico promover a ampliação do acesso ao porto e das retroáreas para armazenagem. Por isso, está em curso o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) do Porto de Santos. Mas, como vem sendo promovido e acelerado pelo Ministério da Infraestrutura, o PDZ corre o risco de endossar equívocos perigosos, alerta Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, engenheiro, doutor e diretor da Faculdade de Engenharia da Unisanta.

Segundo o especialista, o PDZ deveria ser uma oportunidade de corrigir erros do passado. “O que o PDZ quer fazer, neste momento, é colocar armazéns de fertilizantes perto da área mais habitada da cidade. Isso é uma medida discutível. A região, que era de mangue, de orla de um estuário, foi incorporada ao porto para que fossem construídos armazéns, isso também é outro objeto de questionamento jurídico”, defende.

Pela lógica que existe no Porto de Santos, diz Figueiredo, entram do exterior fertilizantes, que vão para lavoura adubar o agronegócio pujante do país, e chega do interior grande quantidade de grãos. “O problema é que o Porto de Santos tem extensa área de contato com o mar, mas a cidade foi espremendo o terminal, restringindo a área de retroporto essencial para ter uma boa operação. Na extremidade, é preciso cruzar uma imensa área urbanizada.”

“Cidade e porto são mais do que gêmeos. São siameses e têm uma única coluna vertebral e um sistema de alimentação comum. Não podem brigar um com o outro”, alerta. “Quando se está fazendo o PDZ é o momento de corrigir os erros do passado, e não de aumentá-los”, diz. Santos é um porto de multicargas, de produtos classificados, com dois tipos de granéis: os líquidos, que são combustíveis e podem apresentar emissões, emanações de gases, explosivos e manchas órfãs; e sólidos, finos em suspensão, com facilidade de explosão. “Esse tipo de alocação causa diversos transtornos”, explica.

Perigos à vista

A característica do porto é um desafio para a tecnologia, pontua Figueiredo. “Precisamos de equipamentos para buscar soluções. A lógica da prevenção é fugir dos riscos ou controlá-los”, ressalta. Ele alerta que, de um lado da rua, há casas, universidades e hospital e, do outro, o porto. “Desce 1 milhão de pessoas por ano, na temporada de verão, dos navios. É uma questão de bom senso discutir isso. É uma coisa tosca o terminal de fertilizantes ficar ali. Não há o menor conforto para os turistas. É um desafio para a engenharia”, reforça.

Para reiterar a necessidade de maior discussão antes da implementação do PDZ, às pressas, como quer o MInfra, Figueiredo recorda a série de incêndios que ocorreram nos armazéns em 2013, 2014 e, o maior deles, em 2015. “O que se busca é um meio ambiente sustentável, seguro, hígido, legal. Todo mundo quer o melhor”, pondera.

A localização do porto é um desafio por si só, diz o especialista. “Há 150 anos, quando foram implantadas as ferrovias, quem as construiu teve um olhar de futuro, para além de 100 anos. É a visão que precisamos adotar agora”, argumenta. No auge da safra, 15 mil caminhões chegam a Santos por dia, enquanto as ferrovias transportam menos de um terço da capacidade nominal. “Nós temos um estudo para transportar cargas para o porto por hidrovia e dutovia”, acrescenta.

Frase

"O que se busca é um meio ambiente sustentável, seguro, hígido, legal. É preciso muito bom senso”

Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, engenheiro, doutor e diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade Santa Cecília