Título: Luz incerta no fim do túnel
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 13/01/2013, Economia, p. 12

Dúvidas não são exclusivas do setor elétrico, às voltas com o risco de racionamento. Mercado reclama de burocracia e intervenção do Estado

O Brasil começou o ano sob o temor de um retorno, 10 anos depois, ao racionamento de energia elétrica. O alerta de especialistas e de entidades do setor partiu da constatação dos riscos trazidos pela mistura de elevadas temperaturas médias, nesse começo de verão, com reservatórios das hidrelétricas em nível crítico, conforme mostram relatórios oficiais. Para completar o retrato desconfortável, desde 18 de outubro, todas as termelétricas de retaguarda do país foram acionadas, com a perspectiva de assim continuarem até abril.

Essa necessidade de conter a persistente baixa dos lagos artificiais, verificada até a primeira semana deste mês, e de acumular água suficiente para tocar o sistema interligado até 2014 assustou investidores, já ressentidos por recentes mudanças nas regras de concessão de usinas de geração e de linhas de transmissão. Não por acaso, a grande ansiedade em torno dos pronunciamentos após a reunião periódica da cúpula do setor, na última quarta-feira, derrubou ações de elétricas.

“O setor elétrico tem mais de 100 anos, é um dos mais organizados na economia e sempre foi marcado pelo diálogo, inclusive no período militar. As atuais posturas arbitrárias do governo contrariam essa tradição favorável à eficiência e à garantia do desenvolvimento”, comenta Walter Fróes, presidente da comercializadora de energia CMU.

Analistas afirmam que as autoridades da área ignoraram conselhos para que o reforço das termelétricas começasse no auge da estiagem, levando em conta também os atrasos no acionamento de turbinas de novas hidrelétricas e até mesmo da entrega de outras usinas movidas a óleo e a gás. A preocupação do governo era sinalizar uma trajetória ascendente de custos, que poderia contaminar as tarifas em 2013. Após toda a repercussão negativa, a tendência é de o Planalto tentar ser, no futuro, mais preventivo que reativo.

Patamar mínimo

O fato é que até então prevaleceu a aposta oficial de que a evolução menos acentuada da demanda, em razão do baixo crescimento econômico e da estagnação da indústria, encontraria precipitações no tempo, na intensidade e nos lugares certos, ou seja, nas cabeceiras das bacias do Centro-Oeste e do Sudeste, responsáveis por 70% da geração hidrelétrica do país. Em dezembro, os reservatórios das duas regiões fecharam abaixo de 30%, considerado o mínimo patamar de conforto. Na média nacional, os níveis se assemelham aos de 2000, antes da chamada “crise do apagão”, do governo Fernando Henrique Cardoso.

Foi nesse clima geral que o último encontro do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) serviu para o governo unificar discursos, garantindo, com ainda maior veemência, que não haverá o racionamento e que a pesada conta já paga pelo setor com o gasto extraordinário de R$ 400 milhões mensais da geração térmica será diluído nos próximos meses.

Durante entrevista coletiva, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, chegou a argumentar que as recentes chuvas no Distrito Federal são uma forte sinalização de que o equilíbrio do sistema está em curso. “Nossos reservatórios estão com certas dificuldades, mas a tendência é melhorar de agora para frente”, atesta. Sobre a necessidade de medidas extras de segurança, ele reiterou que todas já estão em prática, “as que sempre deram certo”.

Do ponto de vista do planejamento do setor, há grande conforto com projeções de longo prazo desenhadas pelo Operador do Sistema Nacional (ONS) e, sobretudo, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Os órgãos públicos estimam a entrada em cena de cargas que farão a potência geradora do país dobrar em 15 anos. “A demanda projetada até 2014 está suprida. Temos de 3 mil a 3,5 mil megawatts (MW) contratados para entrar em funcionamento por ano. Isso garante um crescimento econômico de 7% ao ano”, ressalta Maurício Tolmasquim, presidente da EPE.

Apesar do otimismo, o ritmo de execução das obras de hidrelétricas continua criando constrangimentos no curto prazo. O último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mostra que as obras em curso aumentariam a capacidade nacional de geração de eletricidade, com 11 hidrelétricas (18,7 mil MW), 30 térmicas (7 mil MW) e 58 eólicas (1,55 mil MW). A maior parte desse bolo, contudo, está longe de ser entregue, como Belo Monte (PA), com menos de 10% de execução.

A apreensão com essa demora, particularmente nas usinas do Rio Madeira, em Rondônia, levou a boa parte das especulações em torno de racionamento, admite o próprio ministro Lobão. “Os atrasos existem, infelizmente, em todas as obras do país e não apenas no setor elétrico”, afirma, lembrando os problemas “de toda ordem”, como adequações à legislação ambiental, paralisações por ações liminares da Justiça e, ainda, protestos de índios.

A partir de fevereiro, entrará em vigor a redução média de 20,2% da conta de luz, determinada pela Medida Provisória nº 579, de 11 de setembro de 2011, já referendada pelo Congresso, mediante corte de encargos e de rentabilidade de concessionárias que anteciparam a renovação de contratos. O governo não descarta, contudo, um impacto tardio das medidas “próprias do sistema hidrotérmico brasileiro”, de 2% a 3% sobre o valor da eletricidade ao longo de 2014, à medida que forem feitas as revisões tarifárias, distribuidora por distribuidora.

Apesar disso, Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), conta que enviou, em meados de 2012, correspondência ao Planalto alertando para a necessidade de adotar medidas preventivas ao racionamento. Para ele, ficou clara ainda a dependência das chuvas dentro da média histórica para eliminar qualquer dúvida. “Achamos que o desconto pretendido corre risco”, sublinha.

Controle

As incertezas que cercam o setor elétrico, o preferido da presidente Dilma Rousseff, se repetem também no restante da matriz energética brasileira. Segundo especialistas, o descompasso atual entre as projeções de oferta e de demanda refletem falhas no planejamento e um crescente desgaste na relação entre o governo e os órgãos reguladores com agentes do mercado. Os bilhões de reais previstos para os investimentos nacionais em infraestrutura de geração e de transmissão de eletricidade, em exploração de petróleo e gás e em refino de combustíveis esbarram na burocracia, como o próprio Planalto admite, e em decisões estratégicas equivocadas.

Uma das distorções mais evidentes está no controle dos preços da Petrobras, sob orientação do acionista majoritário, a União. “Além de desrespeitar leis de mercado, a absorção da diferença de custos provocou rombos no balanço da estatal e gerou insegurança de abastecimento”, observa o consultor Adriano Pires. A maior empresa do país serviu de instrumento de política de combate à inflação e terá de fazer algum ajuste ainda este ano.

Da mesma forma, a principal empresa do setor elétrico, a também estatal federal Eletrobras, sofreu o principal impacto da renovação condicionada de contratos de concessão, com prejuízos patrimoniais e de valor na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). Com a Medida Provisória (MP) nº 579, o grau de intervenção no setor elétrico se assemelhou ao de petróleo e gás. O receio é de desestimular o investimento no parque gerador e distribuidor. A Petrobras tem dificuldades de alinhar o seu cronograma com a determinação de ampliar o conteúdo nacional dos projetos, concentrados no pré-sal.

EUA no topo

Em complemento ao quadro adverso, o Brasil corre ainda o risco de ficar para trás na chamada nova fronteira energética, representada pelo gás natural, particularmente o extraído nas camadas mais profundas. Liderada pelos Estados Unidos, essa revolução promete mudar a geografia econômica e política do planeta e já está ajudando a sua maior economia a sair do atoleiro. “As vantagens competitivas do aproveitamento do chamado gás de xisto, tanto em custo quanto em eficiência industrial, podem até levar à migração de empresas brasileiras para o mercado norte-americano”, alerta Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace).

Para se ter uma ideia do impacto da nova configuração energética existe a expectativa de que, em 2015, os EUA vão superar a Rússia como maior fornecedor de gás natural. Dois anos depois, a incorporação do energético levará o mercado norte-americano também a superar a Arábia Saudita no topo da lista dos produtores de petróleo, chegando à condição de exportador em 2035.