O Estado de São Paulo, n.46240, 24/05/2020. Economia, p.B3

 

Crise política é risco para o controle da trajetória da dívida

Luciana Dyniewicz

24/05/2020

 

 

Analistas também alertam que ampliação de gastos precisa ser temporária e restrita

Crise. Gastos com auxílio emergencial, pago pela Caixa, são vitais para enfrentar pandemia, mas elevarão endividamento

O impacto do aumento da dívida no futuro da economia dependerá de dois pontos cruciais. O primeiro é que a ampliação dos gastos públicos seja temporária e restrita a medidas relacionadas à covid-19 – a história brasileira, no entanto, indica uma certa dificuldade do País em pôr fim a benefícios concedidos em tempos de crise. Outra questão relevante neste momento é a crise política, que pode fazer com que o governo perca o controle da trajetória da dívida.

“O mais importante para termos crescimento depois dessa crise é a manutenção dos juros baixos. Para isso, é preciso sinalizar que o aumento dos gastos é transitório”, diz o economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco.

Um incremento dos gastos públicos permanentes pode elevar a dívida brasileira a patamares que investidores considerem que há risco de insolvência, o que elevaria a taxa de juros pedida por eles para emprestarem ao País.

Segundo cálculos de Schneider, o déficit primário (despesas do governo menos receitas, excluindo gastos com juros) deste ano deve chegar a 10,2% do PIB – a meta inicial era 1,6%. Com o aumento dos gastos e a queda prevista de 4,5% da atividade econômica, a dívida alcançará 92% do PIB, indicam estimativas do Itaú.

O economista acrescenta que, se a trajetória da dívida continuar avançando de forma acelerada em 2021, o risco para o crescimento econômico aumenta consideravelmente, sobretudo se outros países conseguirem estancar a pandemia agora e não precisarem ampliar os gastos no ano que vem. Isso porque, na comparação com outros mercados, o Brasil estaria em uma situação de ainda maior deterioração.

“Até agora, os gastos aprovados são transitórios. Mas quanto mais tempo durar o surto da doença, maior vai ser a pressão para o governo continuar ajudando em 2021. Aí o risco aumenta, principalmente se outros países lidarem bem com a crise da saúde e não continuarem elevando gastos no ano que vem. É importante tomar medidas adequadas para o surto não se prolongar.”

Reformas. Economista-chefe da BNP Paribas Asset Management, Tatiana Pinheiro concorda que, por ora, os gastos anunciados não “parecem abusivos”, mas destaca ser importante sinalizar “de modo crível” que a agenda de reformas continuará após a pandemia. “Se não tem uma sinalização e se não se otimizam os gastos, vamos reduzir o capital interessado em investir aqui”, diz ela, que projeta que a dívida chegue a 96% do PIB neste ano.

A crise política no governo é outro item, segundo os economistas, que pode causar uma explosão da dívida e frear o crescimento ainda mais. Para Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), a falta de uma coordenação no plano econômico de combate à crise pode fazer com que os gastos agora sejam pouco efetivos. “Estamos perdendo um pouco da noção da magnitude (dos gastos). Em um momento como esse, é preciso agilidade e liderança. Quando se tem essa confusão, a conta pode sair mais cara. Isso se reflete em aumento do risco país e da taxa de juros”, diz Silvia.

Fontes próximas ao Ministério da Economia já enxergam risco de o governo estar perdendo a chamada “ancoragem fiscal”, conjunto de regras e ajustes capaz de permitir a sustentabilidade das contas públicas.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, também destaca que a crise política deve tem um impacto negativo na economia. Segundo ele, o aumento dos gastos agora vai exigir reformas no futuro que o presidente Jair Bolsonaro não terá condições de liderar.

“O nível de dívida desse tamanho exigirá um grau elevado de articulação política para colocar a trajetória (da dívida) no caminho. E isso não vamos ter”, afirma. Vale projeta que a dívida atinja 93,7% do PIB neste ano e 98% em 2021.

“Em um momento como este, é preciso agilidade e liderança.”

Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre)

Alta dos gastos

10,2%

deverá ser o déficit primário neste ano, segundo cálculos do Itaú Unibanco

1,6%

era a meta inicial para o déficit