Correio braziliense, n. 20864 , 07/07/2020. Brasil, p.6

 

Veto a máscara em presídios

Renato Souza

07/07/2020

 

 

CORONA VÍRUS » Em meio ao avanço de casos no sistema penitenciário, no qual apenas 2% dos presos foram testados, o presidente Jair Bolsonaro desobriga o uso do item de proteção nas unidades prisionais. Decisão do governo federal encontra resistência

A pandemia do novo coronavírus, que se espalha pelas capitais e pelo interior do país também ganha força nas unidades prisionais do país. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 4.960 detentos foram infectados com a doença; destes, 1.444 estão no Distrito Federal. Em todo o Brasil, até o momento, foram confirmadas 62 mortes de pacientes em situação de restrição de liberdade. No entanto, a situação pode ser ainda pior, pois apenas 2% da população carcerária foi testada. Para agravar o caso, o presidente Jair Bolsonaro ampliou, ontem, a lista de vetos feitos à lei aprovada no Congresso Nacional sobre o uso de máscaras como forma de proteção contra a covid-19. Depois de desobrigar a utilização da proteção em locais como igrejas, comércio e escolas, agora o presidente dispensa a exigência nos presídios e unidades de cumprimento de medidas socioeducativas.

O novo veto constou da edição do Diário Oficial da União (DOU) de ontem em uma republicação dos trechos vetados na última sexta-feira. Nela, Bolsonaro vetou ainda a obrigação de órgãos, entidades e estabelecimentos de afixar cartazes sobre a forma correta de usar as máscaras e o número máximo de pessoas permitidas ao mesmo tempo dentro do estabelecimento.

De acordo com o Depen, foram realizados, até agora, 17 mil testes em detentos. Além dos quase 5 mil infectados, outros 1.185 casos suspeitos estão em avaliação. Até o momento, 2.986 presos se recuperaram da doença. Ainda no começo da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma série de recomendações para magistrados de todo o país. O órgão orientou os juízes a reavaliarem a prisão daqueles considerados de risco para agravamento da infecção, como idosos, portadores de doenças crônicas, câncer, entre outras patologias. As orientações foram seguidas em muitas regiões, o que resultou no desencarceramento de 32 mil pessoas.

As recomendações foram renovadas pelo conselho, por pelo menos três meses, tendo em vista que a taxa de contágio não diminuiu dentro das cadeias. Ao vetar a obrigatoriedade do uso de máscaras nas unidades penais, o governo afirma que a medida serve para consertar um erro de uma publicação anterior, pois o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) no ambiente laboral já encontra respaldo na legislação trabalhista. O Executivo afirma, ainda, que cabe aos estados regular restrições e decidir sobre medidas sanitárias.

Exigência mantida

A decisão do governo federal já encontra resistência nos estados. O governo de São Paulo informou “que o uso obrigatório de máscaras como meio de prevenção ao coronavírus está mantido em todas as 176 unidades prisionais do estado”. Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária informou que “a exigência da proteção é válida para todos os 35.258 servidores da pasta e os 218.701 presos do sistema estadual, o que torna inócuo o veto assinado pelo Governo Federal em todo o território paulista”. A decisão, de acordo com a gestão de João Doria, “segue critérios científicos e de saúde adotados em todo o mundo como um dos principais métodos para impedir o contágio pelo coronavírus em ambientes com circulação de pessoas.”

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), Jorge Mansur afirma que a pandemia atinge um setor com uma série de problemas e que já exigia complexidade para apresentar melhorias. “Em um sistema complexo, com questões de segurança, direitos humanos, teve a adição da pandemia de coronavírus. Neste mar de complexidades, soluções simplistas, estão longe de serem as ideais. Temos buscado entender as complexidades e tentado atenuar os problemas.”

O presidente é resistente ao uso da máscara e já apareceu diversas vezes em público sem o equipamento, inclusive em algumas agendas nas quais provocou aglomerações de pessoas. A Justiça chegou a tentar obrigar o presidente a usar máscara, mas a Advocacia-Geral da União (DOU) recorreu e conseguiu derrubar a decisão.

4.960

detentos estão infectados com covid-19 no país

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Dispensa criticada

Maria Eduarda Cardim

Bruna Lima

07/07/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro ampliou, ontem, os vetos à legislação sobre uso de máscaras durante a pandemia do novo coronavírus. A republicação no Diário Oficial da União (DOU) veta a obrigação de órgãos, entidades e estabelecimentos de afixar cartazes sobre a forma correta de usar as máscaras e o número máximo de pessoas permitidas ao mesmo tempo dentro do estabelecimento. Parlamentares já se articulam para derrubar a decisão do presidente. Para os especialistas da área de Saúde, a dispensa da obrigatoriedade dos cartazes só fragiliza a resposta do Brasil à pandemia da covid-19.

Epidemiologista e professor do departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant explica que a população fica dividida diante dos diferentes comandos vindos das autoridades. “O fato de esses cartazes não serem afixados e não terem essa mensagem clara sugere que não há alinhamento institucional. Isso gera problemas de comunicação com a população, que acaba vendo diferentes direcionamentos. Isso fragmenta o processo de resposta”, pontua.

No Congresso, os parlamentares se organizam para tentar barrar os impedimentos feitos pelo presidente. Para invalidar cada uma das decisões de Bolsonaro, são necessários 41 votos de senadores e 257 de deputados federais, ou seja, maioria absoluta das duas casas. Sob o argumento de que os vetos “ignoram a grave realidade porque passa a sociedade brasileira”, a bancada do PSOL na Câmara enviou ofício solicitando convocação imediata de sessão no Congresso para discussão e votação.

 “Desserviço”

Antes mesmo de discutir e votar, senadores e deputados já indicaram que são contra os vetos. Ex-aliado de Bolsonaro na corrida presidencial, o líder do PSL no Senado, senador Major Olímpio (SP), afirmou que a atitude do presidente é “um desserviço para a sociedade”. “O uso de máscara é uma medida de prevenção das poucas eficazes para evitar a contaminação pelo novo coronavírus. Nós vamos derrubar esse veto no Congresso”, indicou.

Parlamentar governista, o vice-líder do Centrão, deputado Fausto Pinato (PP-SP), também defendeu a revisão dos vetos. “Com todo o respeito que tenho ao presidente Bolsonaro, que eu apoio, é importante agora ter prudência. Não podemos deixar proliferar o vírus e precisamos tomar atitudes para minimizar qualquer tipo de contaminação. De certa forma, o Congresso Nacional tem de rever esses vetos do presidente”, avaliou.

Outra tentativa de reverter os vetos foi articulada após o novo aditamento à lei. Ontem, o líder da oposição, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolou um requerimento à presidência do Congresso, pedindo a imediata devolução do veto parcial. “Bolsonaro nunca está satisfeito em atentar contra a vida das pessoas. Não vamos permitir a continuidade desse projeto genocida”, se manifestou pelas redes sociais. Como argumento, o senador alega que “lei não se veta” e que a retificação deve ser devolvida, perdendo, assim, a validade.