Valor econômico, v.21, n.5023, 17/06/2020. Política, p. A7

 

Moro diz que PT e Bolsonaro se parecem

André Guilherme Vieira

Isadora Peron

Carolina Freitas

Murillo Camarotto 

17/06/2020

 

 

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou ontem que Jair Bolsonaro e o PT assemelham-se, pelo fato de, na opinião do ex-juiz, negarem a realidade. Moro traçou o paralelo durante entrevista ao Valor transmitida em “live”. Há quase dois meses fora do governo federal, o ex-ministro esquivou-se por três vezes de responder se tem ou não pretensões eleitorais para 2022. Limitou-se a dizer que quer participar do debate público. Deixou antever, no entanto, que se posiciona como uma alternativa, dentro do espectro liberal, ao bolsonarismo. Ao ressalvar que as críticas ao governo têm caráter “construtivo”, Moro deixou claro o que acredita que o diferencie do presidente: a agenda de combate à corrupção.

Questionado a respeito de sua opinião atual sobre as alternativas que o Brasil tinha no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Moro fez a comparação entre Bolsonaro e o PT. “Para o país, em 2018 seria muito difícil colocar o candidato do Partido dos Trabalhadores [Fernando Haddad] quando eles, à semelhança do presidente, negam a realidade. Não iria funcionar também”, disse.

O ex-ministro ressaltou que, para o PT, até hoje, não houve desvios na Petrobras. “Posso assegurar que em 2018 eu não votei no Partido dos Trabalhadores. Não tinha condições. Se você não reconhece os erros, como você vai recuperar a credibilidade?”

Moro usou em seguida o mesmo raciocínio para analisar as atitudes de Bolsonaro. “Se você não reconhece que está tendo uma pandemia, se não reconhece a gravidade dessa pandemia, se você se refugia em fantasias, aí você não consegue avançar. Você tem que construir políticas públicas com base na realidade.”

Sobre a temporada como ministro de Bolsonaro, Moro queixou-se da falta de apoio para ações de combate à corrupção. Exemplificou o desamparo com o momento em que foi sozinho ao Congresso defender a proposta de emenda à Constituição (PEC) que exige o cumprimento de pena logo após a condenação em segunda instância. “Senti que fiquei quase sozinho no combate a corrupção dentro do governo”, afirmou. “O governo não se empenhou na agenda de combate à corrupção”, concluiu.

O ex-ministro disse fazer as críticas ao governo com caráter “construtivo”. Na sua opinião, a gestão Bolsonaro tem a oportunidade de mostrar compromisso com o combate à corrupção se passar a se esforçar para que a PEC da segunda instância avance ou se, por exemplo, o presidente nomear para o Supremo Tribunal Federal (STF) uma pessoa identificada com essa pauta. “As vagas no Supremo são oportunidades de o presidente indicar pessoas comprometidas com agenda anticorrupção”, sugeriu.

Indagado sobre possível migração para a política partidária, Moro se esquivou. Afirmou que há várias formas de participar e disse que quer contribuir permanentemente para o debate público. “Não é momento de pensar em eleição com tantas tragédias ocorrendo.”

O ex-juiz federal, responsável pela Operação Lava-Jato em Curitiba, disse não se arrepender de ter deixado a magistratura para integrar o governo Bolsonaro. Na visão de Moro, o convite era uma oportunidade de levar adiante projetos que, no entendimento dele, são positivos para a população. Os planos esbarraram, porém, em “limitações” para o pretendido combate à corrupção.

“Meu objetivo ao sair não foi prejudicar o governo. Me queriam fora do governo”, disse Moro. O ex-ministro afirmou ainda que não havia condições de seguir no cargo e chamou de “arbitrária” a tentativa de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.

Segundo Moro, atos como esse maculam a imagem de independência da PF. “Enquanto eu era ministro, a autonomia da Polícia Federal foi garantida”, avaliou. Para ele, a “aparência de autonomia também é importante” e os “acontecimentos recentes são ruins porque levantam margens de suspeição que não deveriam existir”, afirmou.

Abaixo, as principais declarações do ex-ministro Sergio Moro feitas durante a “Live” do Valor.

Golpe de Estado

O ex-ministro disse não ver possibilidade de que as Forças Armadas apoiem uma tentativa de ruptura democrática. Moro afirmou que manifestações antidemocráticas são “alienadas” e acontecem na esteira de declarações autoritárias do presidente.

“Não creio nem por um minuto que haja uma possibilidade de uma ação da espécie por parte das Forças Armadas”, declarou.

Moro classificou como “absolutamente corretas” decisões do STF relacionadas à autonomia de Estados e municípios para o combate à pandemia e relativas à troca no comando da Polícia Federal.

Extremistas

O ex-ministro disse que as últimas manifestações contra o STF passaram dos limites. “Liberdade de expressão não cobre calúnia, difamação e ameaças. Limites foram ultrapassados quando se simula um bombardeio ao STF junto com ameaças”, disse.

O ex-juiz da Lava-Jato também afirmou que vieram “em boa hora” as operações autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes contra os extremistas.

Racismo

Questionado se a política criminal brasileira é injusta com negros, Moro relacionou a minoria ao que chamou de “população mais vulnerável”.

“A grande maioria desses mortos pelo crime são pessoas que fazem parte da população mais vulnerável. Quem mais morre vítima do crime é o morador da periferia, é o pessoal com menos renda. Boa parte dos casos, infelizmente, é de pessoas negras, de cor. Quando você reduz mortos pelo crime, o grande beneficiado é a população mais vulnerável”, respondeu.

Moro foi questionado sobre sua opinião a respeito de cotas raciais, mas não respondeu à pergunta.

Armamento

O ex-ministro alertou para a importância de o governo ampliar mecanismos de rastreamento de armas e munições e não apenas flexibilizar a sua posse. Para Moro, o Brasil está exposto ao risco de, ao aumentar o número de armas nas mãos de civis, acabar permitindo desvios dos equipamentos pelo crime organizado.

Liberal na economia

Apesar de se recusar a discutir a possibilidade de disputar um cargo eletivo, o ex-ministro disse que se identifica com uma visão liberal na economia, desde que com regulação. “Tenho simpatia pela visão de um mercado aberto, com regulação. O modelo desenvolvimentista com base em estatais se esgotou por incapacidade fiscal do Estado e ineficiência”, opinou.