Valor econômico, v.21, n.5023, 17/06/2020. Política, p. A8

 

Supremo e PGR fecham o cerco sobre base bolsonarista na Câmara

Isadora Peron

Raphael Di Cunto

Matheus Schuch

17/06/2020

 

 

A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a quebra do sigilo bancário de dez deputados federais e um senador no âmbito do inquérito que apura a organização e o patrocínio de atos antidemocráticos. Todos eles fazem parte da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro.

Na mesma investigação, foi deflagrada horas antes uma operação com pedidos de busca e apreensão contra 21 pessoas. O único com foro privilegiado é o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que também teve o sigilo bancário quebrado.

Além de Silveira, também foram quebrados os sigilos bancários dos deputados Cabo Junio Amaral (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Otoni de Paula (PSC-RJ), Caroline de Toni (PSL-SC), Alê Silva (PSL-MG), General Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP) e Aline Sleutjes (PSL-PR). O senador atingido foi Arolde de Oliveira (PSD-RJ).

Segundo um integrante da PGR, a medida contra os parlamentares foi necessária para rastrear o financiamento das manifestações, que além de prestar apoio ao governo, costumam levantar bandeiras como o fechamento do Congresso e do STF, e a volta da ditadura militar.

Na nota que soltou sobre a operação de ontem, a PGR afirmou que "uma linha de apuração é que os investigados teriam agido articuladamente com agentes públicos que detêm prerrogativa de foro no STF para financiar e promover atos que se enquadram em práticas tipificadas como crime pela Lei de Segurança Nacional".

Na segunda-feira, a PF havia prendido, no âmbito da mesma investigação, a ativista de extrema direita Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, uma das líderes do movimento chamado "300 do Brasil". Foram expedidos mandados de prisão temporária contra outras cinco pessoas.

A operação deflagrada pela manhã visou, além de Silveira empresários e blogueiros ligados ao bolsonarismo, entre eles o publicitário Sergio Lima, que atua na organização do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente e sua família tentam viabilizar. A empresa do marqueteiro, a Inclutech, também sofreu buscas.

Outro empresário foi Luís Felipe Belmonte, que também é um dos organizadores da nova legenda do presidente. Ele é marido da deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), e primeiro suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). O blogueiro Allan dos Santos, um dos fundadores do site "Terça Livre", também teve endereços visitados ontem. Ele também havia sido alvo do inquérito das "fake news", igualmente relatado por Moraes. Outro que foi alvo da PF ontem e é investigado nos dois inquéritos é o empresário Otavio Fakhoury.

Ao contrário do inquérito das "fake news", que é criticado por não contar com a participação efetiva do Ministério Público, a investigação sobre a realização de protestos antidemocráticos foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, após atos realizados em 19 de abril. Já as diligências que foram cumpridas nos últimos dias foram pedidas pelo braço-direito de Aras, o vice-procurador-geral, Humberto Jaques, e apenas receberam o aval do relator no STF, Alexandre de Moraes.

Apesar do cerco a seus aliados, Bolsonaro evitou comentar ontem os novos desdobramentos da investigação. Auxiliares do presidente afirmaram que, embora contrariado, ele decidiu avaliar melhor os próximos passos na disputa com o Supremo.

O silêncio do presidente incomodou alguns dos seus aliados. "Há quase 20 horas o presidente está fora das redes sociais, o que está havendo?", postou o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, às 17 horas. Uma hora depois, o Twitter do presidente registrou uma postagem sobre cloroquina.

Entre ministros do Palácio do Planalto, prevaleceu a avaliação de que a ação policial foi exagerada, embora as manifestações mais radicais de bolsonaristas, como o protesto que jogou fogos de artifício contra o prédio do STF, também sejam vistas com maus olhos.

Ontem, os parlamentares reagiram às medidas pedidas pela PGR e usaram as redes sociais para se manifestar. A deputada Carla Zambelli colocou uma imagem do seu extrato bancário em que mostrava um saldo negativo de R$ 5,8 mil. Em nota, ela afirmou que "se alguém espera encontrar algo que me comprometa, terá uma grande decepção".

Já o deputado Daniel Silveira, que narrou nas redes sociais a busca que ocorreu em sua casa, classificou o inquérito como "absurdo e recheado de inconstitucionalidades".

Também pelo Twitter, a deputada Bia Kicis disse que está com dengue e soube pela imprensa da quebra de sigilo, o que classificou como "uma violência".

A deputada Caroline De Toni também afirmou que não foi notificada sobre a medida judicial, mas que não há "nenhum fato ou fundamento para isso". "Não tenho mais dúvida de que estamos vivendo num estado de exceção", escreveu.

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Mello menciona "forte autoritarismo"

Isadora Peron

17/06/2020

 

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram a criticar ontem os ataques à Corte e ao que chamaram de "um resíduo de forte autoritarismo" no Brasil - palavras do decano, Celso de Mello. Ele não citou o presidente Jair Bolsonaro, mas se referiu a autoridades que ameaçam descumprir ordens judiciais. Outro recado para o governo veio do plenário virtual, que formou maioria para que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, continue como investigado no inquérito das "fake news".

O julgamento já tem seis votos nesse sentido e termina na sexta-feira. O entendimento do relator do habeas corpus, ministro Edson Fachin, foi seguido pelos ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Alexandre de Moraes, relator do inquérito, se declarou impedido de participar do julgamento. Já o ministro Marco Aurélio Mello divergiu da maioria.

Weintraub foi convocado a prestar depoimento após chamar, durante a reunião ministerial de 22 de abril, os magistrados de "vagabundos" e afirmar que eles deveriam ser presos. No fim de semana, ele participou de uma manifestação em Brasília e voltou a usar o termo "vagabundos", o que aumentou a pressão pela demissão do titular do MEC.

Ontem, no início da sessão da Segunda Turma, o decano pediu a palavra para se manifestar. "É inconcebível que ainda sobreviva no íntimo do aparelho de Estado brasileiro um resíduo de forte autoritarismo que insiste em proclamar que poderá desrespeitar, segundo sua própria vontade arbitrária, decisões judiciais."

Para o ministro, esse "não é um discurso próprio de um estadista, comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República".

Ele também citou uma frase do ex-ministro do STF Aliomar Baleeiro. "Enquanto houver cidadãos dispostos a submeter ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores. É preciso resistir, mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis do Estado brasileiro", afirmou.

Ontem, a presidente da Segunda Turma, Cármen Lúcia, também se manifestou e disse que os atos contra as instituições não têm sido espontâneos, mas sim incentivados por um minoria. "Gostaria de expressar a preocupação com o cenário que se está buscando construir no palco das relações sócio-políticas no país. Esse cenário, que nada tem de espontâneo, tem sido instigado e incentivado por alguns poucos que se negam a acatar os valores de humanidade, de respeito social, individual e institucional."

Para a ministra, "atentados contra instituição, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente voltam-se contra todos, contra o país". "A nós cabe manter a tranquilidade, mas, principalmente, a coragem de continuar a honrar a Constituição."

"Que não se cogite que ações de uns poucos conduzirá a resultado diferente do que é a convivência democrática e não se cogite que se instalará algum temor ou fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira", disse.

O discurso da ministra também recebeu o apoio de Edson Fachin. "Temos de sair da crise sem sair da democracia. A saúde da democracia é também a saúde das instituições", disse.