Valor econômico, v.21, n.5021, 15/06/2020. Política, p. A6

 

Toffoli repele ameaças ao STF depois de ataque a prédio por manifestantes

Isadora Peron

15/06/2020

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) reagiu ontem aos novos ataques contra a Corte feitos por apoiadores do governo. No sábado, um grupo lançou fogos de artifício contra o prédio do STF, para simular uma espécie de bombardeio. Ontem, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal determinou a abertura de inquérito para investigar o ataque.

Em nota, o presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmou que o ato realizado sábado “simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas" e que o STF “jamais” se sujeitará a nenhum tipo de ameaça “seja velada, indireta ou direta”. Ele também afirmou que o Supremo “se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus ministros e da democracia brasileira”.

O ministro apontou ainda que esse tipo de manifestação está sendo financiada “ilegalmente" para atingir ministros da Corte e, sem citar nomes, criticou o fato de os atos estarem sendo estimulados “por integrantes do próprio Estado”.

Pelo Twitter, o ministro Alexandre de Moraes também repudiou o ataque contra o Supremo. “O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocráticos”, disse Moraes. Segundo ele, “a lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá”.

O ministro é relator de dois inquéritos que preocupam o governo e seus apoiadores. Um deles investiga a disseminação de ”fake news” e ofensas contra integrantes da Corte. O outro apura quem patrocina manifestações antidemocráticas.

Já o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, afirmou, também pelas redes sociais, que “instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos” que realizam ataques ao STF. “Há diferença entre militância e bandidagem.”

Segundo o Valor apurou, integrantes da Corte fizeram chegar a preocupação com a integridade da instituição ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que decidiu exonerar um integrante da cúpula da Polícia Militar, que deveria ter evitado o ataque ao prédio do STF.

Toffoli também pediu para a Polícia Federal (PF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e autoridades policiais do DF adotarem providências. Nos ofícios, ele fala em "responsabilização penal” dos envolvidos. O ministro também fez uma representação contra Renan da Silva Sena, que foi detido na tarde de ontem pela Polícia Civil.

Em outra frente ontem, o procurador-geral da República, Augusto Aras, encaminhou ofícios para que os chefes de Ministérios Públicos estaduais investiguem casos de invasão de hospitais em meio à pandemia da covid-19.

Pelo Twitter, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “invadir hospitais é crime” e “estimular também”. “É vergonhoso - para não dizer ridículo - que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública.”

Na semana passada, Bolsonaro pediu para que as pessoas entrassem em hospitais públicos e filmarem os leitos de UTI em meio à pandemia do novo coronavírus. Pelo Twitter, o vereador Carlos Bolsonaro defendeu o pai.

Em meio ao crescente conflito com o governo, integrantes do STF têm mantido contato com representantes das Forças Armadas para monitorar o clima na caserna. O ministro Luiz Fux, que assume a presidência da Corte em setembro, tem procurado criar pontes com a cúpula militar.

Por ora, os sinais que vêm do comando dos militares tranquilizam a Corte. Segundo um ministro do STF ouvido reservadamente pelo Valor, o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, é visto como uma pessoa “muito responsável”, que age como um “elemento de contenção” em meio à crise.

Ministros também minimizaram o conteúdo da nota divulgada por Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão na última sexta-feira. Para eles, o governo está preocupado com as ações que pedem a cassação da chapa no TSE.

No texto, o presidente diz que as Forças Armadas não cumprem “ordens absurdas” e não aceitam “tentativas de tomada de poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”.

A nota foi redigida após Fux conceder uma liminar delimitando a interpretação do artigo 142 da Constituição e da lei que disciplina as Forças Armadas.

Cotado para uma vaga no STF, o ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, manifestou-se nas redes sociais contra os ataques à Corte. “Ataque ao STF ou a qualquer instituição de Estado é contrário à nossa democracia, prejudica nosso país, e deve ser repudiado.”

Outro cotado para o Supremo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, afirmou que “a democracia pressupõe o respeito às suas instituições democráticas”. “Qualquer ação relacionada à Presidência da República, ao Congresso Nacional, ao STF ou qualquer instituição de Estado deve pautar-se por esse respeito”, disse, em nota.

O ministro, no entanto, também afirmou que “devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular”. “Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.”

A despeito dos esforços de ministros do Supremo em construir pontes com o Executivo, ontem o ministro da Educação Abraham Weintraub voltou a se referir à polêmica declaração que deu durante a reunião ministerial de 22 de abril, quando defendeu a prisão dos ministros do STF e os chamou de “vagabundos”. “Eu já falei qual a minha opinião do que eu faria com vagabundo”, disse Weintraub. (Colaboraram Raphael Di Cunto, Fabio Graner e Renan Truffi)