O Estado de São Paulo, n.46243, 27/05/2020. Metrópole, p.A13

 

Brasil já é o 1° no mundo em registro diário de mortes

Gonçalo Junior

27/05/2020

 

 

Foram contabilizados 1.039 óbitos em 24 horas e 16.324 infecções; número acumulado de registros só é menor do que o dos EUA

Rotina. Funcionários do cemitério da Vila Formosa enterram vítimas do novo coronavírus

Com 1.039 novas mortes pelo coronavírus registradas ontem, o Brasil se consolidou como o país com o maior número diário de óbitos do mundo, superando os Estados Unidos, que ocupavam até domingo essa posição. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil já acumula 24.512 mortes desde o início da pandemia e chegou à marca de 391 mil infecções – 16.324 em um dia.

O Brasil já é o segundo colocado em todo o mundo em relação ao número acumulado de infecções – atrás apenas dos Estados Unidos. Até ontem, era 1,6 milhão de casos nos EUA, com 98,2 mil mortes, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças – 592 novos óbitos em 24 horas. Na segunda-feira, o Brasil já havia ultrapassado os EUA: foram 807 mortes registradas em 24 horas pelo Ministério da Saúde, ante 620 pelo CDC. Enquanto os números começam a cair por lá, por aqui a expectativa é de alta.

O aumento em dados diários de óbitos no Brasil ocorre em um contexto no qual a América do Sul é considerada novo epicentro da pandemia. Países europeus, como Itália e França, têm tido queda nos registros. O fracasso na adoção do isolamento social, o déficit de testagem e a posição negacionista de parte dos líderes políticos são apontados por especialistas como fatores que levam ao agravamento do quadro no País.

Para Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, o País atingiu esse patamar por causa do fracasso no distanciamento social e da falta de testes para identificar os infectados. “Não foi estruturada uma rede de testagem para detectar e isolar os sintomáticos, persistindo a infecção intra e extra domiciliar”, diz. “Três meses depois de decretada a emergência nacional, ainda é improvisada e insuficiente a rede de terapia intensiva e de suporte a casos graves.”

O virologista Rômulo Neris, mestre em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuou na Universidade da Califórnia como pesquisador visitante até a semana passada. Mas decidiu retornar ao Brasil para trabalhar na força-tarefa contra a covid19. O especialista afirma que os dois países mostraram trajetórias similares no início do enfrentamento à pandemia, mas depois se distanciaram.

“No início da pandemia, os dois países tinham déficit na capacidade de exames, mas os EUA conseguiram aumentá-la. Eles adquiriram respiradores e máscaras, em alguns casos de maneira até questionável. Mas se preocuparam em acumular recursos para enfrentar a pandemia. O Brasil continua com déficit na capacidade de exames a ponto de não conseguir fazer previsões sobre o surto”, opina.

O epidemiologista Paulo Lotufo também vê similaridades entre EUA e Brasil nas dificuldades de enfrentamento. “Brasil, Estados Unidos e outros países que tomaram atitudes baseadas no desejo político dos governantes, minimizando os efeitos da pandemia, estão se dando mal”, opina. “O negacionismo dos presidentes (Donald Trump e Jair Bolsonaro) e a demora em adotar a quarentena são algumas semelhanças entre os países. Lá pesou um sistema privado fragmentado e aqui, um SUS sucateado”, analisa Scheffer.

Depois que os EUA se transformaram no epicentro mundial do vírus, Trump mudou a atitude, negociou com o Congresso um pacote financeiro para resgatar a economia e estendeu as restrições. No Brasil, Bolsonaro critica a quarentena.

A maneira como a doença se expandiu foi semelhante nos dois territórios, opina Márcio Bittencourt, mestre em Saúde Pública e médico do Hospital Universitário da USP. “No Brasil, tivemos surtos separados e independentes acontecendo paralelamente”, enumera. “Nos EUA, tivemos um surto em Seattle, quase um mês antes de Nova York. Depois tivemos New Orleans e Chicago.”

Isolamento. Agora o desafio brasileiro é desacelerar o avanço da doença, diz Neris. “Na falta de vacina, a maior parte das alternativas para tentar controlar a dispersão do vírus está relacionada ao isolamento. O lockdown não pode ser para remediar. Tem de ser preventivo, e a ideia é que seja imediato. A Califórnia estabeleceu lockdown logo no início e não confirmou a previsão de que seria um dos centros da epidemia.”

Lotufo também defende o lockdown e recomenda isolamento radical de pelo menos 15 dias em São Paulo e no Rio.

Estados

é o total de óbitos registrado só no Estado de São Paulo, que lidera em número de mortes, segundo o Ministério da Saúde. Em seguida vêm o Rio, com 4.362 óbitos, e o Ceará, com 2.603.