O globo, n. 31700, 22/05/2020. Especial Coronavírus, p. 5

 

STF restringe MP que isenta autoridades na crise

André de Souza

22/05/2020

 

 

Tribunal reduziu alcance da medida editada por Bolsonaro que livra agentes públicos de punição por atos durante a pandemia; proteção não valerá para ações que ameacem a saúde pública, e ministros criticaram agentes que desconsideram a ciência

 O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem restringir o alcance da medida provisória (MP) do presidente Jair Bolsonaro que livrava qualquer agente público de processos civis ou administrativos motivados por ações tomadas no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. A derrota para o governo, por nove votos a um, foi marcada por críticas duras a decisões de gestores públicos sem embasamento técnico.

— Caso um agente público conscientemente adote posição contrária às recomendações técnicas da OMS, entendo que isso poderia configurar verdadeira hipótese de imperícia do gestor, apta a configurar erro grosseiro. A Constituição não autoriza o presidente da República ou a qualquer outro gestor público a implementação de uma política genocida na questão da saúde — disse o ministro Gilmar Mendes, ao votar.

AMP do governo estabelece que as autoridades só poderão ser responsabilizadas se ficar comprovado o dolo (ação intencional) ou “erro grosseiro”. No entanto, estipulava que o chamado “erro grosseiro” só estaria configurado se consideradas cinco variáveis que, na prática, tornariam muito restritivo o enquadramento de autoridade por essa conduta.

Em seu relatório, que foi seguido pela maioria dos ministros, o ministro Luís Roberto Barroso estabeleceu o que configura erro grosseiro: “ato administrativo que ensejar violação a o direito à vida,à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção”.

Gilmar, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli acompanharam Barroso total ou parcialmente. Somente Marco Aurélio voto upara rejeitar as ações. Ele alegou questões técnicas. Disseque modificara MP seri atarefado Congresso. Celso de Mel lo não participou do julgamento.

Barroso poderia ter decidido sobre o assunto monocraticamente. Mas decidiu levá lo ao plenário. Ao votar, os ministros não citaram nomes, mas criticaram posturas do governo Bolsonaro. O presidente tem sido questionado por especialistas e autoridades sanitárias, que o acusam de ignorar cientistas ao minimizara pandemia e defender medidas como a prescrição dos remédios cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com sintomas leves da Covid-19. Na última quarta-feira, por pressão de Bolsonaro, saiu o novo protocolo do Ministério da Saúde que ampliou a recomendação do uso dos medicamentos.

Em seu voto, Barroso citou o uso de remédios “de eficácia ou segurança ainda controvertidas na comunidade científica ”, mencionando especificamente a hidroxicloroquina.Já Gilmar Mendes fez uma referência à fala de Bolsonaro de que “quem for de direita toma cloroquina, quem for de esquerda toma tubaína”.

— Quero ressaltar a importância das decisões tomadas por gestores durante a pandemia se fiarem ao máximo em standards técnicos, em especial aqueles decorrentes de normas e critérios científicos aplicados à matéria, entre elas as orientações da OMS. Não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína, não é disso que se cuida. Claramente, o relator deixou isso de maneira evidente, é preciso que haja responsabilidade técnica —disse Gilmar.

Luiz Fux criticou o que chamou de “negacionismo científico voluntarista”.

— Pretende-se utilizar fármacos que ao invés de curar doentes venham a matar. E estamos experimentando um momento desafiador para a medicina. Como a medicina não conhece essa doença, nessa área, como guardião da Constituição, garantidor do direito fundamental da saúde, da preservação da vida, todo cuidado é pouco —disse Fux.