Título: Sob o aval da Justiça
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 10/01/2013, Mundo, p. 18

Tribunal Supremo aceita a prorrogação da posse de Chávez, rejeita decretar falta temporal e descarta criar junta médica»

Em demonstração de alinhamento entre os poderes Legislativo e Judiciário com o Executivo chavista, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela descartou a exigência de o presidente Hugo Chávez tomar posse hoje. Na noite de terça-feira, a Assembleia Nacional já tinha acordado que o chefe de Estado poderia ficar ausente do país pelo tempo que for "preciso" para tratar-se de um câncer, em Havana. "Apesar de, em 10 de janeiro, se iniciar um novo período constitucional, não é necessária uma nova posse em sua condição de presidente eleito", afirmou a presidente do TSJ, Luisa Estella Morales, em rede nacional de rádio e tevê. "Ainda que seja necessário o juramento, não se trata de uma condição para que se rompa com a continuidade administrativa", disse.

Segundo a juíza, "o juramento do presidente poderá ser realizado em uma oportunidade posterior ao dia 10 de janeiro de 2013, ante o Tribunal Supremo de Justiça". A magistrada se opôs à convocação de uma junta médica que examinaria Chávez e emitiria um parecer oficial sobre a saúde do dirigente. Com a decisão de Luisa Morales, o governo constituído pelo vice-presidente, Nicolás Maduro, e por seus ministros seguirá no exercício de suas funções, como determina o princípio da continuidade administrativa.

Se os chavistas ganharam fôlego para garantir a sobrevida do regime, os opositores perderam terreno e denunciaram a violação da Carta Magna. Antes de o TSJ proferir o veredicto, a opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) tinha prometido recorrer a todas as instâncias para garantir a decretação da ausência de Chávez, como rege a Constituição. "O presidente não está, e temos que operar o mecanismo constitucional. O que faremos será tudo o que estiver dentro da liberdade, do civismo, do patriotismo e da luta pacífica e democrática para defender a Constituição", disse Ramón Guillermo Aveledo, secretário executivo da MUD.

Ontem à noite, porém, Henrique Capriles Radonski — governador do departamento (estado) de Miranda e principal nome da oposição — acatou a decisão do TSJ e disse que o Judiciário agiu para resolver "um problema do partido do governo". "Senhores do governo, acabaram-se as desculpas. Assembleia Nacional, acabaram-se as desculpas. Queremos ver uma agenda legislativa, e não debates estéreis", disse, segundo o jornal El Nacional. Luisa Morales garante que não houve circunstâncias para a declaração da ausência temporária.

Miguel Tinker-Salas, coautor de Venezuela: Hugo Chávez e o declínio da democracia, admite que o país entrou em transição, em que se prevê um cenário sem Chávez. "O desafio fundamental é saber se existe chavismo sem Chávez. Tanto os governistas quanto os opositores se preparam para essa eventualidade. O governo mantém vigente a opção de que o presidente regresse, mas também canaliza o apoio da população", comenta o historiador. Ele acredita que a oposição tentará consolidar suas bases, ante a possibilidade de novas eleições.

De acordo com Tony DeViveiros, ex-professor da Universidad Simón Bolívar, a decisão do TSJ e da Assembleia Nacional "é um claro exemplo de que, na Venezuela, não existem instituições independentes". Ele acusa o chavismo de ter controlado todos os poderes públicos do Estado, a fim de garantir a sua hegemonia política. "Não existe democracia em meu país, mas um regime híbrido, muito similar ao da Rússia, no qual o Executivo domina o restante dos poderes do Estado."

Apesar do adiamento da posse, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) convocou para hoje um ato político. "Sairemos às ruas para apoiar a decisão do TSJ. A oposição não nos mete medo. (...) Façamos o que Chávez faria, joelhos na terra, fuzis ao ombro e baionetas para defender a revolução dos traidores. Se querem ver um povo com tesão nas ruas, então eles o verão", afirmou o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. Os líderes Evo Morales (Bolívia) e José Mujica (Uruguai) estão em Caracas para participar da manifestação.