Correio braziliense, n. 20865 , 08/07/2020. Política, p.2/3

 

Infectado, Bolsonaro minimiza pandemia

Ingrid Soares

Augusto Fernandes

08/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Presidente testa positivo para covid-19, mas mantém discurso contra isolamento social e diz que há "superdimensionamento" da doença. Ele recomenda uso da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o vírus e que pode causar uma série de efeitos colaterais

Depois de passar o primeiro semestre inteiro menosprezando a covid-19, desrespeitando as recomendações de autoridades sanitárias para conter a disseminação do novo coronavírus, promovendo aglomerações e reduzindo a doença que já tirou a vida de quase 67 mil brasileiros a um mero “resfriadinho”, o presidente Jair Bolsonaro testou positivo para a enfermidade. Apesar de fazer parte de um dos grupos de risco, por ter 65 anos, o mandatário disse não estar preocupado com o diagnóstico e afirmou que usa hidroxicloroquina no tratamento, mesmo ciente de que a eficácia do remédio contra a covid-19 ainda não foi comprovada cientificamente.

Logo após saber que estava doente, Bolsonaro optou por não ficar em isolamento e chamou a imprensa para dentro do Palácio da Alvorada, onde anunciou o resultado do exame que fez na segunda-feira. Ele ficou a poucos metros dos jornalistas e utilizou uma máscara comum, que não é recomendada para pacientes infectados. No fim da coletiva, retirou o equipamento de proteção para comprovar que estava “perfeitamente bem”, deixando as pessoas próximas a ele ainda mais expostas ao novo coronavírus.

Apesar de ter entrado para a estatística da pandemia, Bolsonaro manteve o discurso negacionista diante da crise sanitária e comentou que “houve um superdimensionamento” da covid-19 no país. Ele voltou a dizer que crianças, adolescentes e adultos não precisam se preocupar com a doença. “As pessoas abaixo de 40 anos, a não ser que tenha um problema de saúde sério, a chance é próxima a zero de sofrer e ter uma consequência maior da contaminação. A garotada sem sala de aula vai ter problemas de readaptação no futuro. Temos que nos preocupar com o vírus, sim, mas também com a questão do desemprego que está aí”, afirmou.

“Não tem que ter pavor. É a vida. Como podia ter sido um outro exame de uma comorbidade qualquer. É a realidade”, continuou. “O Brasil tem de produzir, tem que botar a economia para rodar.  A vida, eu sei que ninguém recupera, mas a economia não funcionando leva a outras causas de óbitos, de mortes, de suicídios no Brasil. Isso foi completamente esquecido.”

Medicação

Ao longo do dia, Bolsonaro aproveitou para fazer propaganda hidroxicloroquina. A medicação pode trazer sérios efeitos colaterais quando utilizada de maneira indiscriminada e sem acompanhamento médico, entre eles, arritmia cardíaca. Mesmo assim, o presidente insistiu que a substância tem “efeito imediato” e que já tomou ao menos três doses da droga desde que apresentou os primeiros sintomas da covid-19, no domingo, como mal-estar, dores musculares e febre. “Eu sei que não tem uma comprovação científica ainda, mas a eficácia da hidroxicloroquina tem aparecido, e muita gente tem dito que, após ser ministrado esse tipo de medicamento, passou a se sentir muito bem”, disse.

Horas depois, em vídeo postado nas suas redes sociais, em que apareceu tomando uma pílula do remédio, ele reforçou o discurso. “Estou me sentindo muito bem. Estava mais ou menos domingo; mal, segunda-feira. Hoje, terça (ontem), estou muito melhor do que sábado. Então, com toda certeza, né, está dando certo. Sabemos que hoje em dia existem outros remédios que podem ajudar a combater o coronavírus, sabemos que nenhum tem a sua eficácia cientificamente comprovada, mas é mais uma pessoa que está dando certo. Então, eu confio na hidroxicloroquina, e você? Valeu. Tamo junto.”

Ataques

Como de praxe, Bolsonaro culpou gestores estaduais e municipais pela situação da economia nacional em meio à pandemia. “Essa política passou a ser privativa dos governadores e prefeitos, e o presidente da República, em praticamente nada, pode interferir. Então, se ela vai indo bem ou mal, a responsabilidade é de governadores e prefeitos, segundo decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Ao governo Bolsonaro, coube quase que exclusivamente repassar recursos ao longo desses meses”, ponderou.

O chefe do Executo ainda disse que as medidas de combate adotadas por estados e municípios não funcionaram. Segundo ele, “todo mundo sabia que mais cedo ou mais tarde ia atingir uma parte considerável da população”. “O objetivo final do isolamento social não é dizer que você não vai contrair o vírus, é fazer com que esse vírus fosse diluído ao longo do tempo para evitar que houvesse acúmulo em hospitais por falta de leitos de UTIs ou de respiradores. O isolamento foi feito de forma horizontal, ou seja, todo mundo ficou em casa como obrigação”, criticou.

“O que eu posso falar para todo mundo: esse vírus era como uma chuva que vai atingir vocês, alguns, não. Alguns têm de tomar um maior cuidado com esse fenômeno. Agora, acontece. Infelizmente, acontece”, disse. “E repito aqui: ele acontece, e as pessoas de certa idade que têm problemas de saúde ou comorbidade, uma vez sendo contaminadas, as chances de óbitos aumentam bastante. Isso tem que ser evitado. Por isso que a gente fala do isolamento vertical.”

Frases

"A vida, eu sei que ninguém recupera, mas a economia não funcionando leva a outras causas de óbitos, de mortes, de suicídios no Brasil”

"Sabemos que nenhum tem a sua eficácia cientificamente comprovada, mas é mais uma pessoa que está dando certo. Então, eu confio na hidroxicloroquina, e você?”

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Primeira-dama também faz teste

Sarah Teófilo

08/07/2020

 

 

A primeira-dama Michelle Bolsonaro fez exame para o novo coronavírus, após o presidente Jair Bolsonaro testar positivo para covid-19. A informação foi dada pelo chefe do Executivo, após anunciar que estava infectado. A reportagem procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência, mas não obteve resposta sobre resultado do teste da mulher do presidente.

Michelle não falou sobre o exame dela nas suas redes sociais. No Instagram, fez publicações relacionadas a outros assuntos. A avó dela Maria Aparecida Ferreira, de 80 anos, também está com covid-19. A idosa segue internada em unidade de terapia intensiva do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Como divulgado pelo Correio, o estado de saúde dela é considerado gravíssimo. Foi entubada no último domingo.

Maria Aparecida está internada desde 1º de julho. A idosa foi encontrada por vizinhos caída numa rua do Sol Nascente, considerada uma das maiores favelas da América Latina, e levada ao  Hospital Regional de Ceilândia (HRC) com falta de ar. De lá, acabou encaminhada ao HRSM.

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Reuniões virtuais

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

08/07/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro cumprirá quarentena devido ao diagnóstico de covid-19, mas continuará trabalhando em uma sala no Palácio da Alvorada. “Quanto ao repouso, vai ser pessoal, particular meu. Não sei ficar parado. Estou sendo vigiado pela primeira-dama (Michelle Bolsonaro). Vou ficar despachando por videoconferência, e alguns papéis eu assinarei aqui, não vou poder fugir a essa rotina”, afirmou o chefe do Executivo. “Lógico que estou impaciente, mas vou seguir o protocolo, afinal de contas, a lei, esse protocolo, vale para qualquer brasileiro”, comentou ele, que fará um segundo exame na próxima segunda-feira.

Ontem mesmo, ele já deu início aos encontros virtuais, tendo conversado com os ministros da Defesa, Fernando Azevedo; da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos; da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira; e o interino da Educação, Antônio Paulo Vogel.

A assessoria de imprensa do Planalto informou que os despachos se darão da seguinte forma: “O ministro mandará as propostas de atos normativos ou outras pautas ao presidente por e-mail. Por meio de videoconferência, acontecerá o despacho entre as autoridades. Concluído o despacho, os atos serão assinados digitalmente, sem qualquer contato pessoal. Dessa forma, mantém-se a rotina normal de trabalho da Secretaria-Geral da Presidência da República”.

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Contato com dezenas de pessoas

Augusto Fernandes

Renato Souza

Sarah Teófilo

08/07/2020

 

 

A confirmação de que o presidente Jair Bolsonaro foi infectado pela covid-19 gerou alerta no Executivo e no Legislativo. Autoridades que se encontraram com o mandatário durante a última semana podem ter sido expostas ao novo coronavírus. De acordo com a agenda presidencial disponibilizada pelo Palácio do Planalto e pelas apurações do Correio, ao menos 72 pessoas tiveram contato com o mandatário desde 27 de junho.

Bolsonaro disse que começou a ter sintomas no último domingo. Infectologista do hospital Emílio Ribas, Jamal Suleiman explicou que antes de manifestar sintomas, um infectado tem potencial de disseminar o vírus a outras pessoas em um prazo de três a oito dias. O que significaria que o presidente poderia estar transmitindo a doença desde o dia 27. Já a infectologista Eliana Bicudo, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirmou que o prazo é de três a cinco dias. Assim, a contaminação poderia estar ocorrendo desde 30 de junho.

O chefe do Executivo se encontrou, desde o dia 27, com ministros, empresários, parlamentares, entre outras autoridades. Algumas pessoas já fizeram o exame, como os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto; do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho; e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Os três testaram negativo.

Além dos nomes que aparecem na agenda oficial, o presidente teve contato com o corpo de funcionários da Presidência da República. O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia feito o exame na semana passada e deve repetir o teste dentro de três dias, em razão da janela imunológica, quando o resultado pode dar negativo mesmo em quem foi infectado. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, que participou de lives com Bolsonaro, também vai realizar exames.

O deputado federal coronel Armando (PSL-SC) viajou com Bolsonaro a Santa Catarina no último sábado. Assim que o resultado do exame do presidente deu positivo para coronavírus, ele foi se consultar com um médico da Câmara e já realizou o exame, que deu negativo. Em uma foto da viagem, é possível ver o presidente e o deputado sem máscara, em frente ao avião.

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Desinfeccções no Planalto

Renato Souza

Vera Batista

08/07/2020

 

 

O Palácio do Planalto tem passado por desinfecções periódicas, que inclui a limpeza de móveis e ambientes com álcool líquido e outros produtos de limpeza. Os funcionários que atuam nos serviços gerais foram orientados a intensificar os períodos de higienização do ambiente ao longo dos dias, e 484 recipientes de álcool em gel foram distribuídos pelo prédio que abriga o presidente da República durante o trabalho. Entre os servidores, existe a orientação para o uso constante de máscaras e do respeito ao distanciamento social.

As chefias adotaram o rodízio de funcionários, para evitar aglomerações nas salas de trabalho. No entanto, mesmo assim, 108 servidores, dos 3.400 no total, testaram positivo para coronavírus, até 3 de julho, de acordo com nota do Planalto. Desse grupo, 77 já se recuperaram e 31 ainda estão recebendo acompanhamento médico. Nenhum óbito foi registrado até o momento na equipe que atua diariamente nas atividades da Presidência. Mais de 90% desses casos foram assintomáticos ou apresentaram apenas sintomas leves, segundo o comunicado.

Uma reclamação dos servidores é de que quem teve contato com pacientes que testaram positivo para covid-19 continuam trabalhando, gerando risco de que a doença se espalhe ainda mais. O Planalto informou que “nos casos considerados suspeitos, os servidores são orientados a ficar em casa até o resultado do exame”. São afastados os que apresentam sintomas, como febre e tosse persistente.

Não existe previsão de retorno ao trabalho para quem está cumprindo trabalho remoto. O temor é de que uma eventual disseminação generalizada do vírus paralise as atividades técnicas da cúpula do governo.

O protocolo da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das autoridades sanitárias apontam que os infectados e quem teve contato com eles devem, imediatamente, entrar em isolamento social. “Ou seja, se afastar das pessoas, usar máscaras, cuidar da higiene com rigor e ter sempre à mão álcool em gel. Significa que todos que tiveram contato com o presidente, já que ele testou positivo para a covid-19, deveriam se afastar do trabalho. Todos. Servidores e também jornalistas”, explicou Francisco Cardoso, presidente da Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANMP).

Frase

"Não há protocolo médico, seja do Ministério da Saúde ou da OMS (Organização Mundial da Saúde), que recomende medida de isolamento pelo simples contato com casos positivos”

Trecho da nota da Secretaria-Geral da Presidência da República

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Corrida por testes na Câmara

Sarah Teófilo

08/07/2020

 

 

Com o anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que está com covid-19, o ambulatório da Câmara dos Deputados ficou bastante movimentado ontem. Muitos parlamentares foram ao local para fazer o exame. Eles fizeram tanto o teste rápido (sorológico, que vê anticorpos) quanto o que demora alguns dias (RT-PCR).

A reportagem apurou alguns dos nomes que passaram pelo ambulatório: deputados Marco Feliciano (Republicanos-SP), Rodrigo Coelho (PSB-SC), Fábio Ramalho (MDB-MG), Caroline de Toni (PSL-SC), Dr. João (Pros-BA), Enrico Misasi (PV-SP), Igor Timo (Pode-MG) e Coronel Armando (PSL-SC), além do senador Jorginho Mello (PL-SC).

O deputado Rodrigo Coelho explicou que teve contato com algumas pessoas que estiveram com Bolsonaro nos últimos dias, como o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Por isso, foi à Câmara para se submeter ao teste. “Estou fazendo por precaução”, disse, explicando que ficou preocupado após o resultado positivo do presidente. “É natural, né?”, emendou. O teste rápido do parlamentar deu negativo.

Também negativo deu o exame do deputado Igor Timo. Ele, no entanto, contou que foi fazer o exame não pela situação do presidente, mas porque vai voltar a Minas Gerais, para a casa de sua família, e quer ter certeza que não está com o vírus.

Em muitas de suas agendas, Bolsonaro não usa máscara de proteção, o que aumenta o potencial de infecção.