Correio braziliense, n. 20865 , 08/07/2020. Política, p.4

 

Especialistas criticam conduta

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

08/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Mesmo infectado pelo novo coronavírus, postura de Bolsonaro diante da doença não se altera. Ignora medidas previstas pela OMS, como o uso de máscara e o distanciamento. Mas, agora, caso desrespeite o isolamento, infringirá artigo do Código Penal

Nem mesmo a infecção pelo novo conronavírus fez com que o presidente Jair Bolsonaro mudasse sua postura diante da covid-19, que até ontem matou 66.741 pessoas, oficialmente, no Brasil. Propagandista da hidroxicloroquina, usa da própria doença para promover o medicamento sem eficácia comprovada para tratar a doença. Também não faz valer o uso da máscara, nem o isolamento social, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao dar esclarecimentos aos jornalistas sem respeitar distanciamento físico, e retirando a proteção ao final da conversa. E incorre em crime previsto no artigo 268 do Código Penal, que enquadra criminalmente aqueles que, sabendo que estão com um agente infeccioso, continuam se relacionando com outros e disseminando a doença.

Para especialistas, a postura de Bolsonaro coloca a vida da população, já fragilizada pela pandemia, sob um risco ainda maior. Ao mostrar por vídeos que faz uso da cloroquina e afirmar que confia no medicamento no combate à covid-19, ele incita o uso do remédio pelas pessoas. É o que lastima Alessandro Silveira, pós-doutor em microbiologia clínica e graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Maria.

“Não seria interessante externar esse tipo de postura para a população inteira. A partir do momento que se faz isso, ele está incitando o uso do remédio”, observa.

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertou que Bolsonaro precisará ter cuidado com o próprio temperamento e ficar 14 dias em isolamento total, caso contrário vai transmitir o coronavírus. E salientou que passar doença adiante é crime previsto em lei. “É crime quando alguém tem consciência que está com doença infecciosa e contamina o outro intencionalmente”, afirmou.

O ex-ministro se referia ao artigo 268 do Código Penal, que diz: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena — detenção, de um mês a um ano, e multa”. Bolsonaro cancelou todos os compromissos externos, até dia 13, e que se reunirá apenas por videoconferência. Porém, não representa que ficará em quarentena, única forma de evitar a propagação do vírus.

Poção mágica

O também ex-ministro da Saúde Nelson Teich rebateu Bolsonaro, que afirmou usar a hidroxicloroquina contra a covid-19. Em vídeo, desmistificou o uso da medicação, que tem sido apresentada pelo presidente como se fosse poção mágica. “A cloroquina e a hidroxicloroquina não mudaram a história natural da doença, não aumentaram o índice de cura e não reduziram a mortalidade”, explicou.

Alessandro Silveira concorda: “Não existem estudos que demonstram que a cloroquina é realmente eficaz. É consenso”, reforça. Em maio, a Sociedade Brasileira de Infectologia desaconselhou a prescrição da droga em pacientes leves de covid. O medicamento ainda pode agravar doenças cardíacas.

As máscaras, que são aconselhadas e têm eficácia preventiva, estão longe de serem incentivadas por Bolsonaro. “O pretenso ‘bom mocismo’ não o impediu de mutilar o projeto de uso de máscaras que o Legislativo propôs, com argumentos que satisfazem ao seu ego e suas convicções destrambelhadas”, atacou o médico e doutor em saúde pública Flávio Goulart.

Para o especialista em Gestão da Saúde da Fundação Getúlio Vargas Adriano Massuda, a postura de Bolsonaro denuncia o descaso com a saúde da população. “Que a experiência possa servir para que ele repense as atitudes, a atenção com a população do país, com sistema de saúde público, porque as medidas dele têm enfraquecido o sistema e dificultado o enfrentamento à pandemia”.

Frase

"A cloroquina e a hidroxicloroquina não mudaram a história natural da doença, não aumentaram o índice de cura e não reduziram a mortalidade”

Nelson Teich, ex-ministro da Saúde

Na imprensa

The New York Times

Chamou a atenção para a indiferença de Jair Bolsonaro ao coronavírus na reportagem em que informou o diagnóstico positivo. O jornal aposta que a contaminação do presidente deve turbinar o debate sobre as ações polêmicas que vêm defendendo para lidar com a doença.

Washington Post

Destacou o fato que até agora o presidente se colocou como cético da doença, destoando de outras lideranças mundiais. Relembrou que o presidente chamou a doença de “gripezinha” e chegou a anunciar que faria um grande churrasco, o que provocaria aglomeração em meio à escalada de mortes no país.

The Guardian

A notícia de que o presidente testou positivo também foi a manchete do site. Na matéria, destacou: “Presidente de extrema direita banalizou repetidamente a pandemia”.

Diário de Notícias

O jornal português faz, na manchete, uma ironia: “Bolsonaro agora é um dos 1.643.539 infectados com covid-19 no Brasil”. “Uma das hashtags mais partilhadas da rede social Twitter no Brasil, entretanto, foi ‘força covid’, divulgada por opositores do presidente”, diz o texto.

Le Monde

Destacou que o presidente participou de eventos públicos sem usar máscara. Lembrou ainda que Bolsonaro vetou dois pontos da lei de obrigatoriedade do uso de máscaras em locais públicos.

El País

Recordou que o presidente disse que “houve um superdimensionamento” da pandemia e que o isolamento horizontal aplicado por vários governadores e prefeitos foi “exagerado”.

Bloomberg

A agência mencionou que o presidente se reuniu com apoiadores sem fazer uso de máscara, como recomendam as autoridades sanitárias.

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Enquanto oposição se indigna, aliados desejam recuperação

Jorge Vasconcellos

Luiz Calcagno

08/07/2020

 

 

O anúncio de que Jair Bolsonaro testou positivo para o novo coronavírus teve grande repercussão entre deputados e senadores. O presidente, além de criticado por sua atuação durante a pandemia, também é alvo de uma representação criminal do deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ) junto ao Ministério Público Federal (MPF).

“Estou acionando o MPF para que Bolsonaro responda por crime contra a saúde pública”, anunciou o parlamentar, em sua conta no Twitter, momentos depois de o presidente confirmar o resultado do exame em uma entrevista à imprensa, ao vivo, no Palácio da Alvorada.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-aliada e agora opositora de Bolsonaro, afirmou, na mesma rede social, que o presidente “descuidou de sua saúde, boicotou o uso de máscara e o isolamento social. Foi irresponsável com ele e com os outros”. A parlamentar acrescentou que “agora, o mínimo que (ele) tem que fazer é ficar isolado até que se cure”.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP) provocou: “De tão aliado do coronavírus, Bolsonaro e ele viraram um só”. O senador também criticou o fato de o presidente ter tirado a máscara durante a coletiva em que divulgou o resultado do teste de covid-19.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) elencou uma série de atos cometidos por Bolsonaro, chamando-o de “irresponsável”. “Mesmo com coronavírus, Bolsonaro dá mau exemplo! 1) Fala perto de repórteres 2) Faz propaganda de remédio sem eficácia comprovada 3) Recomenda cloroquina + azitromicina = altamente tóxico 4) Mente ao dizer que só é grave para doentes e idosos. São 65 mil mortos. Irresponsável”, tuitou Molon.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) recomendou, na rede social, que todas as pessoas que estiveram reunidas com Bolsonaro nos últimos dias sejam testadas, e ainda postou um vídeo sobre o assunto.

Bolsonaro também foi acusado de fazer uso político da própria in fecção pelo novo coronavírus. “Até na doença o presidente aproveita para fazer política, é triste. Bolsonaro não aprende”, tuitou o senador Humberto Costa (PT-PE), referindo-se à entrevista em que Bolsonaro anunciou sua contaminação.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu a notícia de que Bolsonaro está com coronavírus durante uma live, na qual falava de economia. Mas assumiu um tom diplomático. “Esse debate sobre a negação do vírus está superado. Estamos chegando a quase 70 mil mortos no Brasil”, disse.

Mensagens de apoio

Mas também houve parlamentar saindo em defesa de Bolsonaro, dando apoio e mandando mensagens positivas ao presidente. Como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que tuitou uma foto do presidente dizendo que o Brasil precisa dele bem de saúde. “Fique bem logo! O Brasil precisa de você!”

Bibo Nunes (PSL-RS), outro ferrenho defensor de Bolsonaro, também tuitou em defesa do presidente. “Em uma semana Bolsonaro manda embora o coronavírus, para tristeza dos urubus de plantão. Estamos juntos, presidente!”

Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara, foi lacônico sobre o coronavírus de Bolsonro: “Força, presidente! Segue firme aí”.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) alfinetou: “Como ficam aqueles da mídia e da política que juravam que ele havia contraído o corona meses atrás? Semanas perdidas naquela polêmica que, agora, se prova falsa”, tuitou.