Correio braziliense, n. 20865 , 08/07/2020. Cidades, p.19

 

Depois da reabertura

Mariana Machado

08/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Embora o comércio esteja retomando as atividades, o faturamento não é o mesmo. O receio de infecção pelo novo coronavírus diminuiu a frequência dos clientes. Para epecialista, vendas on-line continuam sendo uma alternativa

Gradualmente, o comércio do Distrito Federal tem retornado às atividades. Desde 26 de maio, as lojas de rua reabriram as portas. Um dia depois, foi a vez dos shoppings. Cumprindo a determinação do governador Ibaneis Rocha (MDB), os proprietários devem acatar a algumas normas, como a testagem de funcionários, para detectar o novo coronavírus, e a disponibilização de álcool em gel nos estabelecimentos. Ainda assim, o movimento está longe de ser o mesmo do que era antes do início da pandemia.

Na loja de roupas de Albanita Ordones, 62 anos, em Panaltina, o dinheiro que entra não dá para lucrar. “Foram dois meses fechados. Isso foi horrível, e acumulamos dívidas com aluguel atrasado e funcionário para pagar. O que a gente vende é só para despesa e para colocar as contas em dia”, lamenta. No balcão, álcool para clientes e funcionários e medidor de temperatura. “Não deixo ninguém entrar sem máscara”, avisa.

Uma pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-DF), em parceria com o Sebrae, avalia que as vendas, em maio, tiveram queda de 11,63%, em relação a abril. O estudo ouviu 542 empresários e constatou que, apenas, os setores de ferragens e ferramentas, minimercados, farmácias e padarias tiveram crescimento. O maior impacto foi no segmentos de vestuário, com queda de 37%, joalherias, com baixa de 37,75%.

Recuperar o faturamento de 2020 é impossível, como afirma o economista Newton Marques. “É um impacto muito grande. Basicamente, é o setor terciário que movimenta a capital. As pessoas estão receosas de comprar e perderam renda”, argumenta. A escalada nos casos de coronavírus, também, tem reflexo direto no consumo. “O problema todo não é de matar ou não a economia, mas uma total desorganização do sistema de saúde em meio a uma pandemia. Se morrer uma empresa tradicional é ruim, mas um negócio pode ressurgir no futuro. Vida não. Se morreu, acabou, e isso não está sendo levado a sério”, alerta Newton.

 

Segurando as pontas

Quem apostou em e-commerce tem visto os negócios melhorarem. No início deste ano, o arquivologista João Benitz, 25 anos, decidiu empreender, fabricando e vendendo objetos feitos de concreto — como luminárias, vasos e acessórios — e abriu a marca Bem Simplão. Os produtos eram expostos na loja colaborativa Endossa, mas, tão logo começou, surgiu a pandemia e ele precisou partir para a internet. “Por um momento fiquei desesperançoso, mas acabou que eu aumentei as vendas”, comemora.

Agora, ele quer estudar mais sobre a metodologia que pretende manter, mesmo depois da pandemia. Com a boa saída, João já pensa no que fazer para atender às demandas de Natal. “O plano é ter um site da minha marca e ampliar as vendas on-line. É algo importante a se desenvolver. Estou me programando para comprar materiais e deixar um estoque preparado.”

Queda

Nos shoppings, a situação não é tão favorável. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), os empreendimentos do Centro-Oeste tiveram queda acumulada de 67,2%, entre 2 de março e 28 de junho. Em nota oficial, a Abrasce informou que começa a ser observada uma desaceleração na queda. “Na média, as vendas sobem cada semana, no que diz respeito ao resultado acumulado do período, o que mostra que, apesar de não estarmos em um cenário ideal, temos conseguido nos movimentar.”

Presidente do Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindvarejista), Edson de Castro estima que o movimento atual seja 30% do que era antes da pandemia. “Quem compra em shopping são pessoas mais velhas, então acabam ficando em casa. Isso não paga despesas nem custos, e o desconto dado pelos shoppings em aluguel e demais encargos é muito pouco”, avalia.

De acordo com Edson, a volta dos bares e restaurantes deverá melhorar o cenário econômico. “As pessoas vão almoçar, vão ao cinema e acabam comprando alguma coisa, também.” O comércio de rua está um pouco melhor, mas enfrenta dificuldades. “A grande incerteza de tudo isso é quando vai passar. Falam que só no ano que vem, e isso deixa o lojista muito preocupado, porque não aguenta a despesa até o fim do ano”, analisa.

Primeiro dia tímido

Com pouco movimento, academias, salões de beleza, barbearias, esmalterias e centros estéticos reabriram as portas, ontem, em todo o Distrito Federal. A baixa procura, no entanto, era esperada pelos setores, que acreditam numa retomada lenta e gradual. O Correio percorreu algumas regiões e observou estabelecimentos vazios. Os segmentos retomaram as atividades após decreto do Governo do Distrito Federal (GDF) publicado no Diário Oficial do DF, na última quinta-feira, que liberou a retomada dessas atividades com uma série de medidas a serem seguidas.

A academia Halteres, na Asa Norte, recebeu dois alunos, no período da manhã. O espaço, que comporta 50 pessoas, pode atender, no máximo, 15, devido às restrições. Dono do local, José Luiz Braun conta que poucos clientes apareceram, ontem. “Alguns vieram para dar uma olhada, saber se estamos seguindo tudo certinho e dizem que voltam”, disse.

Na Smart Fit do Setor de Indústrias Gráficas (SIG), para treinar é preciso agendar horário. Embora se exercitasse em casa, a administradora Roberta Oliveira, 40, sentia falta do ambiente da academia. Por isso, deixou o treino agendado para o primeiro dia de reabertura do segmento. “Estar aqui é antiestresse para mim. Percebi que todos os cuidados estão sendo tomados e me sinto segura. Vim de máscara e luva. Indico para aqueles que querem voltar, que venham com segurança, que está tudo bem organizado”, afirma.

A presidente do Sindicato das Academias do Distrito Federal (Sindac), Thaís Yeleni, avalia a retomada como positiva. Ela conta que muitos usuários têm procurado a entidade para elogiar o protocolo seguido pelos estabelecimentos. “As pessoas estão indo e se sentindo seguras. Com o passar do tempo, a tendência é melhorar. Tem gente que não vem de jeito nenhum, mas têm aqueles que confiam e vão voltar”, adianta. Na contramão, muitos clientes foram às academias, ontem, para cancelar o contrato. “Isso estava acontecendo durante o fechamento e vai continuar. Mas, acreditamos, que será algo temporário”, opina Thaís.

Beleza

Os salões de beleza, barbearias, esmalterias e centros estéticos, também, reabriram com restrições. O dono da barbearia MG, em Sobradinho, Valdair dos Santos, precisou retirar metade cadeiras do local e, agora, opera com quatro assentos, distantes um do outro. “Estamos contentes com essa decisão do governo em reabrir, porque a gente precisava trabalhar. Cortar cabelo e fazer barba são questões de higiene. São essenciais”, defende.

Na Asa Norte, o salão Gisele Braga Hair Design, atende a um cliente por hora. Procedimentos com químicas serão até dois por dia, um pela manhã e outro à tarde. “Nossa rotina mudou completamente. Mas, precisávamos voltar, mesmo que assim. Antes, a gente estava vindo para o salão para ligar para as clientes, para manter contato. Agora, elas voltaram a ligar para cá. Algumas estão com medo, mas tentamos passar o máximo de segurança”, afirma a cabeleireira Gisele Braga.

Em meio a retomada dos comércios, o infectologista Leandro Machado ressalta que quanto mais pessoas estão na rua, maiores as chances de infecção. Para ele, não existe momento certo ou errado para a reabertura dos comércios. “Vamos pagar o preço por isso e pode ser caro, se tiver muitas pessoas infectadas”, completa.

O DF Legal e a Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde são responsáveis pela fiscalização das medidas do GDF. Por meio de nota oficial, o DF Legal informou que equipes estão nas ruas para orientar e verificar se os estabelecimentos estão seguindo as normas definidas pelo Executivo local.