Correio braziliense, n. 20861 , 04/07/2020. Brasil, p.5

 

Veto de Bolsonaro dispensa máscara em aglomeração

Bruna Lima

Ingrid Soares

Maria Eduarda Cardim

04/07/2020

 

 

Presidente sanciona lei que obriga a utilização da proteção em espaços públicos e transportes como ônibus, táxi, carro de aplicativo, aeronaves e embarcações alugadas. Mas rejeita para outros ambientes porque, segundo ele, “incorre em possível violação de domicílio”

O presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que obriga o uso de máscaras em espaços públicos e transportes como táxis, carros de aplicativos, ônibus, aeronaves e embarcações fretadas. Mas, entre os 17 pontos que vetou, está a obrigatoriedade da proteção em órgãos e entidades públicos e em estabelecimentos comerciais, industriais, templos religiosos e locais fechados em que haja reunião de pessoas. Motivo: o trecho “incorre em possível violação de domicílio”.

A sanção foi publicada na madrugada de ontem, no Diário Oficial da União (DOU). Bolsonaro derrubou, ainda, a determinação para que estabelecimentos fossem obrigados a fornecer máscaras gratuitamente aos funcionários. Mais: vetou também o trecho que obrigava o poder público a dar máscaras para a população vulnerável economicamente.

Outra exclusão promovida por Bolsonaro: o agravamento da punição para infratores reincidentes ou que deixassem de usar máscara em ambientes fechados. O texto estabelece multa para quem descumprir a medida, mas o valor será decidido por estados e municípios. O projeto de lei passou na Câmara dos Deputados em 9 de junho, após voltar do Senado com algumas mudanças.

Bolsonaro havia comentado, na live da última quinta-feira, que vetou o trecho, dizendo que as pessoas seriam multadas por estarem sem máscara dentro de casa. Porém, a Câmara havia informado que não há no texto interpretação de que o objeto seria obrigatório em domicílio ou que a lei permitiria invasão domiciliar para fiscalização. “Hoje, foram vários vetos a um projeto de lei que falava sobre o uso obrigatório de máscaras, inclusive dentro de casa. Ninguém vai entrar na tua casa para te multar. Eu mesmo, aqui, poderia ser multado agora porque eu estou sem máscara”, comentou.

Sem proteção

Desde o começo da pandemia, e apesar da orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), Bolsonaro tem se insurgido contra o uso da proteção. Em várias aparições públicas e em cerimônias no Palácio do Planalto, ele ostensivamente demonstra que não se importa com a utilização da proteção. Foram vários os eventos nos quais o fato de Bolsonaro não utilizar máscara fez com que os demais presentes não usassem ou, contrangidamente, as retirassem.

Por causa disso, ele foi multado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) por aparições públicas sem o equipamento. O caso foi para a Justiça e, nesta semana, após a Advocacia-Geral da União recorrer da decisão, derrubou liminar, na última terça-feira, que obrigava Bolsonaro a usar o acessório.O governador do DF, Ibaneis Rocha, foi outro que deu mau exemplo ao visitar uma UPA sem a proteção. Mas, ao contrário do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub — que foi multado em R$ 2 mil pelo GDF por aparecer numa manifestação antidemocrática sem máscara — não recebeu qualquer punição financeira.

Por decisão do Supremo Tribunal federal (STF), que deixou a cargo de governos e municípios a adoção de medidas restritivas para o combate à pandemia, administrações locais têm adotado o uso obrigatório de máscara em locais públicos. Porém, não havia uma lei federal a respeito.

O Planalto vetou, ainda, a multa para comércios que não disponibilizassem álcool em gel, pois, de acordo com o governo, o tema está englobado nas normas de trabalho. Também ficou de fora o parágrafo que determinava a veiculação de campanhas publicitárias por parte dos governos, informando para a necessidade da utilização das máscaras durante a crise do covid-19 — alegou que “criaria obrigação aos entes federados, gerando despesa obrigatória ao poder público, sem que se tenha indicado a respectiva fonte de custeio”.

Derrubada

O Congresso ainda poderá decidir pela manutenção ou derrubada da decisão de Bolsonaro. É o que pretendem forçar as lideranças representativas dos professores, que, preocupados com a iminência do retorno às aulas presenciais, temem uma dificuldade ainda maior em conseguir obrigar o uso das máscaras em sala de aula. Dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e diretora do Sinpro-DF, a professora Rosilene Corrêa vê imenso risco nos vetos às lei.

“Vamos batalhar para que o Congresso derrube. O uso das máscaras é indispensável e fazer crianças e adolescentes usarem vai ter um grau de dificuldade por si só. Quando o exemplo da autoridade máxima é extremamente negativo, isso encoraja seguidores que acham que, de fato, podem ter o mesmo comportamento”, lamentou.

Ela ainda acredita que as autoridades estão “naturalizando” a pandemia e acredita que não há condições de volta às aulas presenciais diante do aumento de casos. “Não há segurança para um retorno breve. Trinta dias não são suficientes para equipar, organizar o protocolo. Se, em tempos normais, a máquina pública não funciona, imagina nessa situação?”, questiona.

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Nada a comemorar com a estabilização cima de mil mortes

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

04/07/2020

 

 

Com mais 42.223 confirmações do novo coronavírus, o Brasil ultrapassou ontem a marca de 1,5 milhão de infectados (1.539.081). Com o alto registro diário de pessoas atingidas, o país deve bater o recorde de casos semanais ao final da 27ª semana epidemiológica, que se encerra hoje. Ontem, foram acrescentadas, ainda, mais 1.290 mortes pela doença, totalizando 63.174 vidas perdidas.

O somatório de vidas perdidas para a covid-19 no Brasil seria capaz de superlotar o Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, em Belo Horizonte, cuja capacidade é para 62 mil pessoas. Pior é que quase enche completamente o Estádio Plácido Castelo, o Castelão, em Fortaleza, com 63.903 assentos.

Mesmo antes de fechar a 27ª semana, o acumulado de casos está em 225.414 novos registros, 20.654 casos a menos do que o total registrado na última semana. No entanto, a média de acréscimos diários é quase o dobro, indicando, assim, que a curva de confirmações de infectados continua em alta. Todas as unidades da federação têm mais casos confirmados do que a Austrália, que, de acordo com levantamento da Universidade Johns Hopkins, tem 8.255 confirmações. O Mato Grosso do Sul, último estado a romper a barreira de mil mortes, tem 9.388 infectados.

Quando o recorte são as vítimas da covid-19, o Brasil, segundo país com maior números absolutos de óbitos, tem acumulado similar à soma de fatalidades pela doença da Itália e Espanha. Juntos, os dois países europeus têm 63.218 perdas. Apesar dos altos indicadores, o Ministério da Saúde começou a observar uma tendência de estabilização das mortes pelo novo coronavírus que, segundo avaliação do estudo Epicovid-19 BR, mata 115 pessoas em um total de 10 mil infectados.

Patamar alto

No entanto, mesmo com uma possível estabilização na curva de mortes, especialistas afirmam que o país estacionou em um patamar muito alto. Nos últimos quatros dias, o Brasil registrou mais de mil mortes. Além disso, ao olhar para o número absoluto de óbitos nas unidades da federação, se observa que metade delas possui mais de mil mortes pelo novo coronavírus.

São Paulo ainda é considerado epicentro da doença: tem 15.694 mortes e 310.702 casos. Se fosse um país, estaria em quinto lugar em número de infectados, atrás apenas da Índia, da Rússia, do Brasil e dos Estados Unidos, nesta ordem. Primeiro estado a registrar casos, iniciar a subida da curva e a expansão da doença para os municípios interioranos, é, também, ponto de referência da situação brasileira.

“Se nós compararmos o gráfico da evolução da doença do Brasil com qualquer outro estado brasileiro, o estado que tem a maior semelhança com a evolução da doença é o de São Paulo. Obviamente que isso se deve em boa parte à grande população concentrada no estado e o significado que isso tem do ponto de vista demográfico”, explicou o coordenador executivo do Centro de Contingência da covid-19 de São Paulo, João Gabbardo.

Agora, São Paulo começa a estabilizar a curva nas regiões metropolitanas e, por outro lado, tem situação de alerta máximo no interior. “São Paulo, iniciando esse processo, deve refletir nos dados nacionais da forma correta e esperada”, prevê Gabbardo.

Depois de São Paulo, o segundo estado mais afetado em números absolutos é o Rio de Janeiro, com 118.956 casos e 10.500 óbitos. Ontem, Pernambuco bateu mais de 5 mil perdas, com 5.068 registros –– e se junta aos dois estados do Sudeste, ao Pará (que tem 5.050) e ao Ceará (que confirmou 6.351 mortes). Os outros oito estados com, pelo menos, mil mortes são: Amazonas (2.887), Maranhão (2.153), Bahia (2.001), Espírito Santo (1.758), Rio Grande do Norte (1.171), Alagoas (1.113), Minas Gerais (1.110) e Paraíba (1.062).